Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21 de Junho de 2011 (proc. 11/11)

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Sumário:

I - O concurso público constitui o procedimento regra na contratação pública; sendo o ajuste directo uma das excepções, isso implica que terão de se verificar as condições que o tornam possível.
II - O art°24° do CCP permite, nos termos do seu n°1, alínea e), que se recorra ao ajuste directo quando: por motivos técnicos, artísticos ou relacionados com a protecção de direitos exclusivos, a prestação objecto do contrato só possa ser confiada a uma entidade determinada.
III - Tendo-se apresentado oito empresas a um determinado concurso público para fornecimento dum sistema de informação hospitalar, sem que nenhuma haja sido excluída ou posta em causa a valia e capacidade técnica para o fornecimento e implementação do sistema objecto daquele procedimento, não se pode vir invocar mais tarde que só uma dela tem condições técnicas para executar tal contrato para justificar o ajuste directo.
IV - O ajuste directo com fundamento na protecção de direitos exclusivos visa proteger os direitos de autor consagrados genericamente no Código dos Direitos de Autor (DL. Nº63/85 de 14/3).
V - Razões de ordem financeira não constituem, face à lei, motivo que justifique a adopção do ajuste directo, nem tem qualquer cabimento pretender inserir tais razões nos motivos técnicos.
VI - Os princípios da legalidade, imparcialidade, igualdade e transparência impõem que a Administração só recorra ao ajuste directo nos casos em que não fiquem dúvidas na sua actuação na resolução de interesses conflituantes.

 

Texto Integral:

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


"B... SA", com sede social na Rua ... edifício ..., nº..., freguesia de São Pedro da Afurada, concelho de Vila Nova de Gaia, na acção administrativa de impugnação urgente (contencioso pré-contratual) deduzida nos termos dos arts. 100.º e segs. do CPTA contra "INSTITUTO PORTUGUÊS DE ONCOLOGIA DO PORTO FRANCISCO GENTIL, EPE" (doravante "IPOPFG, EPE"), com sede na Rua Dr. António Bernardino de Almeida, 4200-072 Porto e a contra-interessada "C..., LDA.", com sede na ..., Ed. ..., concelho de Sintra, peticionou a anulação da deliberação do Conselho de Administração do "IPOPFG, EPE" de 17.12.2008 que procedeu à escolha do procedimento por ajuste directo para o fornecimento dum sistema de informação hospitalar e, subsidiariamente, a anulação do contrato celebrado.


Por decisão do TAF do Porto, datada de 09.04.2010, foi julgada improcedente a acção administrativa de impugnação urgente (contencioso pré-contratual).
Não se conformando com a decisão deste TAF, recorreu jurisdicionalmente a "B..., SA", tendo o TCAN, por acórdão de 8/10/2010, decido:
"A) Conceder provimento ao recurso jurisdicional "sub judice" e, em consequência, revogar a decisão judicial recorrida no segmento em que a mesma se julgou insubsistente a infracção ao disposto no art. 24.º, n.º 1, al. e) do CCP;
B) Julgar, nos termos e fundamentação antecedente, verificada aquela ilegalidade e, em consequência, procedente a presente acção, anulando-se a deliberação impugnada [cfr. n.º XIII) da factualidade apurada] e o contrato outorgado em sua decorrência [cfr. n.º XXIV) da mesma factualidade], com todas as legais consequências.
C) Julgar precludido/prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do presente recurso jurisdicional e questões que nos autos subsistam".


Não se conformando com este acórdão foi interposto pela recorrente C... recurso para este STA, nos termos do artº150º do CPTA, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões:
1ª - A solução contratada no âmbito do procedimento concursal que o Tribunal de Contas não viria a sufragar, é uma solução global que comporta todos os programas de software licenciados (Software Oracle de Gestão documental; - Software SAP de Gestão Financeira e de Recursos Humanos e Software C... de Gestão Hospitalar e Clínica) a que acresciam os respectivos serviços, tendo a empresa escolhida para os prestar sido a contra interessada C..., por se entender que tinha a melhor solução para o IPO de entre outras propostas existentes. Aquando do ajuste directo as licenças já tinham sido fornecidas ao mesmo tempo que os respectivos serviços já tinham sido prestados no âmbito das mesmas num volume de cerca de 60% .
2ª -O software licenciado pela C... ao IPO do Porto não contempla qualquer autorização, nem ao IPO do Porto nem a terceiros para que sobre as mesmas possa haver serviços de engenharia reversa e/ou descompilação, e/ou outros, dado que os direitos de autor são exclusivos da C... e esta não autorizou nem estabeleceu terceiros nem com o IPO do Porto, acordos de implementação ou outros trabalhos com elas relacionados.
3ª - A C... é titular dos direitos de autor do software licenciado ao IPO do Porto - Software C... de Gestão Hospitalar e Clínica - não sendo possível descompilar as aplicações desenvolvidas pela contra-interessada e/ou licenciadas por esta, sem que se esteja a violar o artigo 7° do Decreto-Lei 252/94 e o artigo 6.° da Directivo 2009124/CE. Aliás, são estes diplomas que impõe essa restrição.
4ª - A descompilação é a transformação dum programa no que respeita ao seu código fonte e no que respeita aos conteúdos e fontes em que se sustenta o programa licenciado, ou ainda, é a alteração de código fonte de forma a desenvolver novos direitos sobre direitos anteriores, de que podemos referir o caso do desenvolvimento de soluções à medida desenvolvidas em cima de software licenciado, serviços que estavam de todo vedados ao IPO e ou a terceiros.
5ª - Não se pode descompilar o software e/ou o direito de terceiros, sob pena de se estar a violar um direito autoral, pelo que há que respeitar o programa que foi desenvolvido e criado como fonte original, dado que a descompilação e/ou a engenharia reversa, pode ser usada em alguns casos de forma licita, a saber - recuperação de código perdido; - migração de aplicações para uma plataforma de hardware nova - não estamos a falar da migração de dados); - determinação de existência de vírus e/ou código fonte malicioso; - correcção de erros, quando o dono da aplicação não está disponível para fazer a correcção; - recuperação das fontes de outra pessoa; estudo; esta tem protecção nos diplomas e directivas citadas Artigos 5.°, 6° e 7º - ficando assim excluídas da descompilação quaisquer operações de transformação e parametrização e desenvolvimentos susceptíveis de afectarem o interesse de participação do titular do direito.
6ª - No caso sub judice do software licenciado pela C... SA, a descompilação não é possível, e muito menos o poderia ser para que terceiros prestassem serviços com recurso as mesmas, e como os serviços contratados no âmbito do ajuste directo estão relacionados com este software, ao mesmo tempo que não se concebe como é que uma solução integrada (com licenças ORACLE e SAP) e que foi pensada pelo IPO pode ser dissociável para que pudesse haver prestadores de serviços diferentes. Se tal acontecesse, então o interesse público seria necessariamente prejudicado.
7ª - Pelo que fazia e faz todo o sentido que os serviços fossem contratados, para
serem concluídos, à C... com recurso ao ajuste directo, por razões de natureza material e económicas, sob pena de ter adquirido licenças que teria de inutilizar, porque não podia sobre as mesmas fazer a descompilação segundo as necessidades do IPO sob pena de violar os direitos de autor da contra-interessada C..., a que acresce o facto de o objecto do contrato de prestação de serviços entre o IPO do Porto e a C... quer no primeiro contrato quer no ajuste directo (fornecimento e instalação de Sistema de Informação Hospital) responder às necessidades do IPO do Porto - Gestão Hospitalar e Clínica, pelo que a promoção dum outro concurso público para concluir os serviços não teria procedência - as diferentes empresas que concorreram ao concurso público fizeram-no com o software de cada uma e/ou por si legalmente representado, numa perspectiva de solução completa e integrada, ou seja, de licenciamento de software e respectivos serviços de parametrização e implementação, soluções rejeitadas nesse procedimento concursal,
8ª - Tendo em conta as conclusões anteriores, não vemos como é que o IPO poderia contratar os serviços de terceiros (cujas propostas já havia preterido no Concurso Público Internacional n.º180002/2007), para concluir os serviços primitivamente contratados à C..., contratação que assenta fundamentalmente em questões de natureza de direitos de autor e em questões técnicas - ocorreram pois os motivos técnicos associados à protecção de direitos de autor exclusivos que motivaram a decisão do IPO do Porto relativamente ao ajuste directo, de acordo com as normas vigentes nomeadamente do artigo 24º nº1/alínea e) do CCP, já que a continuação da prestação dos serviços não podia deixar de ser contratada desta forma e com o estabelecimento desta relação jurídica estabelecida entre as partes no dia 02/05/2009, uma vez que quaisquer outras empresas não poderiam prestar os serviços nomeadamente os relacionados com as licenças de software que a C... concedeu ao Instituto.
9ª - E, não nos parece que estes factos se possam subsumir a uma situação que a própria administração criou, dado que a escolha da C... para a prestação dos serviços, numa primeira fase, resultou da escolha desta empresa no âmbito dum Concurso Público Internacional, ao qual outras empresas concorreram.
10ª - O IPO do Porto não podia promover um procedimento concursal para terminar os serviços iniciados pela C..., se em resultado desse procedimento fizesse uma adjudicação a terceiros pois teria necessariamente a consciência de que estaria a violar os direitos de autor da C....
11ª - A escolha do ajuste directo é licita e a decisão de contratar com recurso a este procedimento encontra-se no essencial devidamente fundamentada, pois permitiu ao IPO do Porto a celebração do contrato, independentemente do valor (artigo 23º do CCP) uma vez que se sustenta em critérios materiais, e a decisão foi tomada por motivos técnicos e relacionados com a protecção de direitos de autor exclusivos e em que não era nem é possível a descompilação pelo que os serviços só poderiam ser concluídos pela contra-interessada C... - artigo 24º nº1 alínea e) do CCP.
12ª - O douto Acórdão recorrido viola, entre outras, as seguintes disposições legais, artigos 3º, 5º, 6º e 7º do Decreto-Lei 252/94 e o artigo 2º, 3º, 4º, 5º e 6º da directiva 2009/24/CE de 23 de Abril - Parlamento Europeu, artigos 1º e 2º do Código dos Direitos de Autor e os artigos 23º e 24º nº1 al.e) do CCP (por mero lapso, entendemos nós, a recorrente C... refere CPC), pelo que nestes termos e nos demais que doutamente suprirão deverá o presente recurso ser admitido e em consequência ser a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra, com as legais consequências, pois só assim se fará justiça.


Do mesmo acórdão interpôs recurso, nos termos do artº150º do CPTA, o Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil, EPE, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões:
1ª - Deve reputar-se subsumível à previsão da norma do artº24° n°1 alínea e) do Código dos Contratos Públicos (CCP) a escolha da via procedimental de ajuste direito quando, interrompida uma execução contratual por facto não imputável a acção ou omissão culposa da entidade adjudicante, se delibera contratar com a mesma adjudicatária cuja prestação fora interrompida, por estarem em causa motivos técnicos de aproveitamento da parte da prestação realizada;
2ª - E haver efeitos laterais financeiros que ao gestor público cabe acautelar e que a norma acolhe na sua previsão a possibilidade de «ajuste directo quando por motivos técnicos» não implicando que sejam motivos ex novo antes admitindo que possam resultar de situações pretéritas;
3ª - Do mesmo modo, deve reputar-se subsumível à previsão da norma do artº24° n°1, alínea e) do CCP a escolha da via procedimental de ajuste direito quando, interrompida uma execução contratual por facto não imputável a acção ou omissão culposa da entidade adjudicante, se delibera contratar com a mesma adjudicatária cuja prestação fora interrompida, por estarem em causa motivos de direitos exclusivos já
pagos parcialmente e cuja concretização plena não é juridicamente evitável sem causação de responsabilidade perante a adjudicatária;
4ª - Ao ter decidido como o fez, depois do acerto de tudo o mais enunciado, o acórdão recorrido fez errada interpretação, desproporcionadamente restritiva, da norma do artº24° n°1 alínea e) do CCP, conforme se expôs.
5ª - E com a decisão proferida violou ainda as normas dos arts 2° a 6° da Directiva nº 2009/24/CE, de 23-4 e arts. 1º e 2° do Código dos Direitos de Autor, no segmento em que se consagra a protecção do programa informático com a mesma grandeza da atribuída aos direitos de autor.
6 ª - Com efeito, o direito de autor no domínio dos programas informáticos não apresenta a configuração reflectida pelo Tribunal a quo antes constitui um direito absoluto no que concerne à sua completa implementação prática e exploração.
Contra-alegou a recorrida B... SA, defendendo, em síntese, que não devem os recursos ser conhecidos por não estarem preenchidos os pressupostos da sua admissão, ou, caso assim se não entenda, deverão os mesmos ser julgados totalmente improcedentes, mantendo-se o acórdão do TCAN nos seus precisos termos.


Por acórdão de 27/1/2011 deste STA foi admitida a revista (fls. 403 a 406).


Emitiu douto parecer o Exmo. Magistrado do Ministério Público, com o seguinte teor:
«O presente recurso de revista vem interposto do acórdão do TCA Norte que, nos autos, concedeu provimento ao recurso jurisdicional interposto da decisão do TAF do Porto, julgando procedente a acção interposta e anulando deliberação impugnada e o contrato outorgado na sua decorrência, com todas as legais consequências.
A questão central que se debate é a de saber se in casu existiam ou não razões técnicas e (ou) de protecção de direitos exclusivos que fundamentavam a opção da Administração pelo procedimento de ajuste directo nos termos do art°24°, n°1, alínea e), do CCP.
Entendeu o TCA que "não resulta apurado com um mínimo de suficiência que ocorressem motivos técnicos ou que existissem direitos de exclusivo cuja protecção reclamassem ou impusessem a opção tomada por aquele concreto tipo de procedimento de formação de contrato".
Não nos iremos deter sobre a posição assumida e defendida pelo TCA no tocante à inexistência de motivos técnicos que obrigassem à adopção de ajuste directo para a formação do contrato; nesta parte acompanhamos acórdão na fundamentação e solução a que chegou, cujo acerto não sofre, a nosso ver, qualquer abalo pelas alegações de recurso.
A nossa reflexão irá recair, sim, sobre a questão de saber se estavam ou não em causa direitos exclusivos cuja protecção tornava obrigatório esse procedimento, questão que, no fundo, é a que é colocada em foco pelo acórdão de admissão da revista. A este propósito, refere o acórdão: "(...), sem pôr em causa os direitos de autor que a empresa adjudicatária pudesse, eventualmente, vir a reivindicar importa ter presente que tal motivação ou razão não foi avançada na justificação e fundamentação da deliberação impugnada nos autos, sendo certo que a mesma contende com o teor da própria cláusula 22ª do contrato outorgado e que se mostra descrito no nº IV dos factos apurados".
Não podemos concordar com estes fundamentos, pois o que é afirmado está em contradição com aquilo que os factos provados revelam.
Conforme decorre da matéria de facto, a opção da deliberação impugnada pelo procedimento de ajuste directo teve na sua base, além do mais, a consideração de "motivos relacionados com a protecção de direitos exclusivos" - cfr ponto XIII da matéria de facto (parte final). A protecção de direitos exclusivos constituiu, pois, um dos fundamentos da solução adoptada pela Administração nessa deliberação.
Por outro lado, a cláusula 22ª a que também é feito apelo, aponta igualmente em sentido diverso do que é referido no acórdão; constituindo embora parte integrante de um contrato que deixou de produzir efeitos, não pode deixar de ser considerada ao dar conta da vontade, à época, da outorgante fornecedora do Serviço de Informação Hospitalar (SIH), de deixar salvaguardada a aplicabilidade das regras gerais quanto ao direito de autor em matéria de propriedade das obras originárias, com a passagem para o primeiro outorgante (IPO do Porto) da propriedade de todos os resultados da implementação dos sistemas, que poderiam por ele ser utilizados em contextos futuros - cfr ponto IV da matéria de facto (parte final).
A fundamentação do acórdão, nesta parte, é, assim, insustentável.


Vejamos, agora, o que diz a recorrente contra interessada.
Em alegação de recurso, a recorrente "C..., Lda" aduz, além do mais, o seguinte:
- O software licenciado pela C... ao IPO do Porto não contempla qualquer autorização, nem ao IPO do Porto nem a terceiros para que sobre as mesmas possa haver serviços de engenharia reversa e/ou descompilação, e/ou outros, dado que os direitos de autor são exclusivos da C... e esta não autorizou nem estabeleceu com terceiros nem com o IPO do Porto, acordos de implementação ou outros trabalhos com ela relacionados:
- No caso sub judice do software licenciado pela C... SA, a descompilação não é possível, e muito menos o poderia ser para que terceiros prestassem serviços com recurso à mesma, ao mesmo tempo que não se concebe como é que uma solução integrada (com licenças ORACLE e SAP) e que foi pensada pelo IPO pode ser dissociável para que pudesse haver prestadores de serviços diferentes.


Vejamos o que dispõe o direito nacional sobre a matéria.
O DL n°252/94, de 20.10, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n°91/250/CEE, do Conselho, de 14.05, dá conta, na respectiva nota preambular, ter sido opção do legislador criar um diploma próprio para protecção dos programas de computador em vez de proceder a alterações no Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC).
Nos termos do seu art°3º nº 1, aplicam-se ao programa de computador as regras sobre autoria e titularidade vigentes para o direito de autor, sendo que nos termos do art° 27°, n°1, do CDADC, salvo disposição em contrário, o autor é o criador intelectual da obra.
O autor de um programa é, assim, aquele que cria o programa.
Segundo o n°2 do mesmo artigo do DL n°252/94: o programa que for realizado no âmbito de uma empresa presume-se obra colectiva.
O art°5°, por sua vez, dispõe sobre os poderes que pertencem ao autor que, em ordem à protecção do programa, não pertencem a outrem; assim, aí se estipula:
O titular do programa pode fazer ou autorizar:
a) A reprodução, permanente ou transitória, por qualquer processo ou forma, de todo ou de parte do programa;
b) Qualquer transformação do programa e a reprodução do programa derivado, sem prejuízo dos direitos de quem realiza a transformação.
O art°6°, subordinado à epígrafe "direitos do utente", dispõe sobre uma área que escapa já aos poderes do autor, ao determinar que:
1- Não obstante o disposto no artigo anterior, todo o utente legítimo pode, sem autorização do titular do programa:
a) Providenciar uma cópia de apoio no âmbito dessa utilização;
b) Observar, estudar ou ensaiar o funcionamento do programa, para determinar as ideias e os princípios que estiverem na base de algum dos seus elementos, quando efectuar qualquer operação de carregamento, visualização, execução, transmissão ou armazenamento.
2- É nula qualquer estipulação em contrário ao disposto no número anterior.
3- O utente legítimo de um programa pode sempre, para utilizar o programa ou para corrigir erros, carregá-lo, visualizá-lo, executá-lo, transmiti-lo e armazená-lo, mesmo se esses actos implicarem operações previstas no n°1, salvo estipulação contratual referente a algum ponto específico.
Outra área que escapa ao âmbito dos poderes do titular do programa é a descompilação ou engenharia reversa, desde que verificados determinados condicionalismos.
Sob a epígrafe "descompilação", o art°7° estipula o seguinte:
1- A descompilação das partes de um programa necessárias à interoperabilidade desse programa de computador com outros programas é sempre lícita ainda que envolva operações previstas nos artigos anteriores, quando for a via indispensável para a obtenção de informações necessárias a essa interoperabilidade.
2- Têm legitimidade para realizar a descompilação o titular da licença de utilização ou outra pessoa que possa licitamente utilizar o programa, ou pessoas por este autorizadas, se essas informações não estiverem já fácil e rapidamente disponíveis.
3- É nula qualquer estipulação em contrário ao disposto nos números anteriores.
Como clarifica Maria Eduarda Gonçalves (in Direito da Informação, Novos Direitos e Formas de Regulação na Sociedade da Informação, p. 60 e 61): A descompilação consiste na tradução dos periféricos (código objecto), que se exprimem no "écran" ou no teclado, por exemplo, por forma a conhecer a linguagem de programação e o próprio programa (código fonte).
Reportando-se à Directiva, no tocante ao seu artº6°, a que corresponde o artº7° do nosso diploma nacional, refere a mesma autora (in ob. e loc. cit.): Procurando um equilíbrio entre as posições dos principais grupos de interesse, a directiva admite a possibilidade de descompilação de sistemas operativos apenas na medida em que seja necessária para conceber "software" que permita a conexão com esses sistemas; quer isto dizer, "a contrario", que proíbe a descompilação se o objectivo em vista for escrever outro programa que substituiria e poderia entrar em concorrência com o programa original.
Também Garcia Marques e Lourenço Martins esclarecem esta matéria, (in Direito da Informática), onde se pode ler (p. 601): Descompilar um programa significa proceder à tradução do código objecto para uma versão o mais próxima possível do código fonte. Por esta via procura-se a "desestruturação" do programa de modo a chegar à sua essência, à sua lógica originária. Permite a coabitação de dois sistemas informáticos para a execução de funções interactivas ou recíprocas. Faz "conversar" os programas e sistemas. (em nota de rodapé - p. 604 - os autores dão conta de um caso de descompilação discutido nos tribunais franceses e que foi considerado legal: o de uma firma produtora de discos externos destinados a ser utilizados por leitores (de discos) produzidos por outra firma, que efectua descompilação, a fim de conhecer informação que lhe permita preparar um software que faça a interface, ou seja a conexão, entre os seus discos e aqueles leitores).
Ora, como será fácil concluir, no caso sob análise a descompilação não se destinaria a criar "software" para uma interligação ou conexão entre programas, que é o único fim para o qual é legalmente permitida nos termos do citado art°7°. Com efeito, o que temos aqui, como refere a recorrente C..., é uma solução global, que comporta vários programas; essa solução funciona como um todo (sistema de informação hospitalar), não se podendo falar da necessidade de interligação entre sistemas.
Ponderando a hipótese de outra pessoa (singular ou colectiva) vir a continuar as tarefas inerentes ao fornecimento e instalação do sistema, não vemos que este fosse um dos casos em que houvesse fundamento legal para proceder a descompilação.
Colocar-se-á, então, numa tal hipótese, a questão da eventual necessidade de realizar operações de transformação dos programas, ou quaisquer outras a que alude o citado art°50º do DL. n°252/94, de 20.10, ou porventura outras, susceptíveis de violar as normas que tutelam o direito de autor.
Sobre esta matéria, não revelam os factos provados que tivesse sido concedida autorização pela adjudicatária ora recorrente; a citada cláusula 22ª demonstra, até, a vontade da mesma de não abdicar da aplicação das regras de tutela do direito de autor.
No entanto, pelas razões que se irão apontar, não nos parece que o ajuste directo, neste caso, constituísse a via indispensável de procedimento para a formação do contrato, imposta para salvaguarda dos direitos de autor do criador dos programas.
Segundo resulta da matéria de facto provada, o IPO do Porto foi notificado em 2008.09.26 da decisão do Tribunal de Contas de recusa de "visto" de 2008.09.22 (cfr parecer jurídico de 2008.11.07 anexo à deliberação a que se reporta o ponto XIII da matéria de facto, no processo apenso); e, não se mostra que nessa data de 26 de Setembro de 2008 houvesse qualquer programa instalado - cfr ponto XIII conjugado com o ponto IV, da matéria de facto.
Com efeito:
- O valor de 433.137,50 euros correspondia a valor facturado no momento da adjudicação, de acordo com a cláusula n°6 do contrato, não significando o pagamento de serviço efectivamente prestado e que houvesse qualquer programa instalado;
- O valor de 178.945,50 euros correspondia a valor facturado no momento da aprovação do relatório Product Walkthrough, o que não significa, igualmente que houvesse qualquer programa instalado;
- O valor de 193.375 euros correspondia a valor referente ao remanescente das licenças do "software" (a outra parte do pagamento das licenças já estava incluída no valor acima referido de 433.137,50), o que também não significava que já estivesse "software" instalado.
O próprio IPO do Porto, nas suas alegações, ao invocar a vinculação a direitos exclusivos, apenas se refere ao pagamento da aquisição de parte das licenças dos programas informáticos. Por sua vez, a recorrente C... invoca ter licenciado ao IPO do Porto três tipos de produtos diferentes:
- Software Oracle no valor de 38.808 euros (gestão documental); - Software SAP no valor de 259.512,49 euros (gestão financeira e de recursos humanos);
- Software C... no valor de 254,181,25 euros (gestão hospitalar e clínica).
E acrescenta:
"As licenças Oracle e SAP são produtos de mercado, disponibilizados a diversas empresas com as quais os respectivos fabricantes estabelecem acordos, e o IPO do Porto não estava impedido de adquirir e/ou contratar serviços a terceiros relativamente às mesmas".
Segundo esta recorrente isso já não sucede relativamente ao Software C... de Gestão Hospitalar e Clínica, licenciado ao IPO do Porto, no tocante ao qual é titular dos direitos de autor.
Temos, assim, que só em relação ao programa criado pela C... se colocaria, uma vez instalado, a questão da protecção de direitos exclusivos, dado que os restantes, Oracle e SAP, constituindo "software standard" não necessitariam de sofrer qualquer alteração em consequência da adjudicação a outrem que não a recorrente, e, nessa medida poderiam sempre ser utilizados.
Mas o facto de ter sido adquirido e pago o licenciamento respeitante a "Software C..." (gestão hospitalar e clínica), cujo valor total foi de 254.181,25 euros, não impedia o IPO de se abster de utilizar esse programa caso em novo concurso púbico a adjudicação viesse a ser feita a outro interessado.


Como se sabe, o concurso público constitui o procedimento regra na contratação pública; sendo o ajuste directo uma das excepções, isso implica que terão de se verificar as condições que o tornam possível.
O art°24° do CCP permite, nos termos do seu n°1, alínea e), que a ele se recorra quando: por motivos técnicos, artísticos ou relacionados com a protecção de direitos exclusivos, a prestação objecto do contrato só possa ser confiada a uma entidade determinada.
Parece claro que neste caso não se verificava o condicionalismo "motivos relacionados com a protecção de direitos exclusivos", para que a prestação só pudesse ser confiada a uma certa entidade (a ora recorrente C...), na medida em que, na hipótese de haver lugar a concurso público e a adjudicação vir a ser feita a outro interessado, nada obstava a que o IPO do Porto se abstivesse de utilizar o programa criado ou a criar pela C... cuja licença havia pago.
Por outro lado, razões de ordem financeira não constituem, face à Lei, motivo que justifique a adopção desse procedimento, nem tem qualquer cabimento pretender inserir tais razões nos motivos técnicos a que alude aquele normativo, tal como pretende o recorrente IPO do Porto.
Enveredar pela solução propugnada significaria, aliás, dar cobertura a procedimentos conflituantes com o princípio da legalidade a que a Administração está sujeita na sua actuação.
Afigura-se-nos, assim, que terão de improceder as alegações dos recorrentes.
Pelo exposto, parece-nos ser de manter o decidido pelo TCA, embora por razões diversas daquelas em que assentou a decisão.
Termos em emitimos parecer no sentido de ser negado provimento à revista».

Foram colhidos os vistos dos Exmos. Adjuntos.


No douto acórdão recorrido do TCAN foram dados como assentes os seguintes factos:
I) Por anúncio publicado em 29.03.2007, no Diário da República, a entidade demandada (IPO do Porto) abriu o concurso público internacional n.º 180002/2007, para o fornecimento e instalação de um sistema de informação hospitalar.
II) A A. apresentou proposta ao referido concurso, a qual ascendeu ao montante de 3.576.624,00€;
III) A proposta da adjudicatária, a contra-interessada "C..., LDA.", ao tempo denominada "D..., Lda.", ascendeu a 1.395.314,00€;
IV) A entidade demandada celebrou com a contra-interessada o contrato escrito de fls. 76 a 86 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual está escrito, designadamente, que:
Cláusula 6 (Facturação): «O segundo contraente facturará o presente contrato de acordo com o seguinte modelo:
a) No momento da adjudicação:
. 50% do valor de licenciamento ao que corresponde 276.251€ (...) acrescido de IVA à taxa legal em vigor;
. 30% do valor total de serviços ao que corresponde 156.886,50€ (...) acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
b) No momento da aprovação do relatório Product Walkthrough POSIÇÃO 1: 30% do valor da posição na componente de serviços ao que corresponde 96.070,50€ (...) acrescido de IVA à taxa legal em vigor;
c) No momento da aprovação do relatório Product Walkthrough POSIÇÃO 1: 15% do valor de licenciamento ao que corresponde 82.875,00€ acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
(...)
h) No momento da recepção provisória da POSIÇÃO 1: 30% do valor da posição na componente de serviços ao que corresponde 96.070,50€ (...) acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
i) No momento da recepção provisória da POSIÇÃO 1: 20% do valor de licenciamento ao que corresponde 110.500,00€ (...) acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
(...)
n) No momento da recepção definitiva da POSIÇÃO 1: 30% do valor da posição na componente de serviços ao que corresponde 10.920,00€ (...) acrescido de IVA à taxa legal em vigor (...)».
Cláusula 22 (Propriedade e Acesso): «Todos os resultados da implementação dos sistemas - elementos de trabalho e produtos desenvolvidos especificamente para o Primeiro Outorgante ficarão propriedade do Primeiro Outorgante, que os poderá utilizar em contextos futuros, sem prejuízo da aplicabilidade das regras gerais quanto ao direito autoral em matéria de propriedade das obras originárias».
V) Em 17.03.2008 a entidade demandada elaborou a nota de encomenda que consta do documento de fls. 100 destes autos principais, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
VI) Em 05.05.2008 deu-se o arranque do projecto de implementação do «SIH», conforme consta do documento de fls. 101 junto aos autos principais e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
VII) A 30.06.2008 a contra-interessada emitiu a factura n.º 1001274, com vencimento em 30.07.2008, referente a «1 - 50% do valor de licenciamento das aplicações ao abrigo do contrato de Fornecimentos SIH-SAL 006/2008EQ», e a «2 - 30% do valor total de serviços ao abrigo do contrato de fornecimentos SIH-SAL-006/2008EQ», no valor total (com IVA incluído) de 524.096,38€.
VIII) Em 15.09.2008 foi aprovado pela entidade demandada o relatório de análise «Product Walkthrougt (PWT) da Área Clínica», Posição 1 do projecto de implementação do SIH - cfr. doc. de fls. 104 dos autos principais.
IX) Em 20.09.2008 a contra-interessada emitiu a factura n.º 22800046, com vencimento em 20.10.2008, referente a «1 - 30% do valor da Posição 1, na componente de serviços, referente ao Fornecimento e Instalação de Sistema de Informação Hospitalar - SIH - conforme contrato de Fornecimentos SIH-SAL 006/2008EQ», e a «2 - 15% do valor da Posição 1, na componente de serviços, referente ao Fornecimento e Instalação de Sistema de Informação Hospitalar - SIH - conforme contrato de Fornecimento de SIH-SAL 006/2008EQ» no valor total (com IVA incluído) de 214.734,60€ - cfr. doc. de fls. 103 dos autos principais.
X) Por Acórdão do Tribunal de Contas, de 22.09.2008, proferido no Processo n.º 811/2008, foi decidido recusar o visto ao respectivo contrato;
XI) Em 20.10.2008 a contra-interessada emitiu a factura n.º 22800047, com vencimento em 19.11.2008, referente a «35% do valor do software do Sistema de Informação Hospitalar», no valor total (com IVA incluído) de 232.050,00€ - cfr. doc. de fls. 106 dos autos.
XII) Em 04.11.2008 a entidade demandada emitiu a autorização de pagamento n.º 07132, no valor de 524.096,38€ referente à factura mencionada em IX) - cfr. doc. de fls. 98 dos autos principais.
XIII) Por deliberação de 17.12.2008, do Conselho de Administração da entidade requerida (IPO), junta aos autos a fls. 53 a 56, cujo teor aqui se dá por reproduzido, foi aprovada a proposta de 17.12.08, da qual consta, designadamente, que:
«... Avaliada a situação e considerada a informação técnica fornecida pelo Gabinete Jurídico, propõe-se o seguinte:
Aceitação da decisão da decisão do Tribunal de Contas e consequências legais derivadas: a ineficácia jurídica do contrato e pagamento à empresa D... dos trabalhos realizados e bens e serviços adquiridos até 26 de Setembro de 2008.
Valor facturado no momento da adjudicação, conforme contrato - 433.137,5€.
Valor relacionado com aprovação do PWT da posição 1 do contrato - 178.945,5€.
Valor referente ao remanescente das licenças do software - 193.375€.
(...) Atendendo:
À importância deste projecto para a concretização de objectivos estratégicos para o IPOP;
À especificidade técnica do software e à impossibilidade da sua implementação sem a continuação da colaboração da empresa D..., com aproveitamento da despesa realizada até à data da decisão do Tribunal de Contas;
Ao novo enquadramento legal do Código de Contratação Pública (Decreto-Lei n.º 18/2008);
Propõe-se a contratação dos serviços necessários à conclusão do projecto por ajuste directo, ao abrigo dos artigos ...23, ... 24- alínea e) e 112.º e 129.º do novo Código da Contratação Pública, pelo facto deste normativo possibilitar por motivos técnicos ou relacionados com a protecção de direitos exclusivos, a prestação do objecto do contrato por ajuste directo.
Anexa-se:
(...)
Pareceres do gabinete Jurídico de 08/10/08 e 07/11/08».
XIV) Teor do documento junto aos autos a fls. 97, do qual consta, designadamente, que:
«(...) aceitação, com reservas, da V. Factura n.º 22800047 (relativa aos 35% da licença aí identificada).
(...) compreendendo a singularidade da situação e em homenagem ao nosso próprio interesse contratual, declaramos a aceitação daquela factura, no contexto da contratação que venha a seguir-se para a conclusão da aquisição do referido SIH».
XV) Na sequência do referido em X), a entidade demandada, por fax datado de 12.01.2009, informou os concorrentes e a aqui A. que "foi proferida decisão no sentido da recusa de visto prévio, com a consequência legal da ineficácia do contrato entretanto celebrado com a adjudicatária do concurso em questão" - cfr. doc. de fls. 24 dos autos.
XVI) A A. foi também informada que "a nova contratação terá lugar ao abrigo do Código dos Contratos Públicos" - cfr. doc. de fls. 24 dos autos.
XVII) No âmbito do procedimento por ajuste directo a contra-interessada apresentou, a 21.01.2009, a proposta de fls. 98 a 110 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
XVIII) Na sequência do referido no ponto VII), a A., por carta datada de 04.02.2009, informou o «IPO» que «na qualidade de concorrente no referido concurso» tinha «interesse em apresentar nova proposta, aguardando que, nos termos legais seja notificada da abertura do novo procedimento» - cfr. doc. de fls. 25 dos autos.
XIX) Na sequência do referido no ponto que antecede, a entidade demandada informou a A., por carta datada de 09.02.2009 que «o procedimento deliberado pelo Instituto para a nova contratação foi o de ajuste directo com a entidade com a qual já havia celebrado o contrato cuja ineficácia resultou das vicissitudes do processo de obtenção de visto (...); com efeito, ao abrigo do Código dos Contratos Públicos, vigente desde 29 de Junho de 2008, e, designadamente, com base nas normas dos seus arts. 24.º e 112.º e segs., atentas as circunstâncias de facto que foram consideradas, foi deliberado contratar por aquela via de ajuste directo a negociação do remanescente do objecto contratual antes frustrado» - cfr. doc. de fls. 26 dos autos.
XX) Após a recepção da informação referida no ponto que antecede, a A. enviou à entidade demandada carta datada de 18.02.2009, junta aos autos a fls. 27, cujo teor aqui se dá por reproduzido, solicitando a emissão de certidão da acta do Conselho de Administração onde foi deliberada a contratação por ajuste directo e a informação de quais os trabalhos efectivamente realizados pelo adjudicatário ao abrigo do Concurso Público Internacional n.º 180002/2007 - SIH.
XXI) Em resposta, a entidade demandada enviou a carta datada de 02.03.2009, junta aos autos a fls. 28, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
XXII) Em 10.03.2009 a entidade demandada emitiu a autorização de pagamento n.º 0786, no valor de 446.784,60€ referente às facturas mencionadas em IX) e XI) - cfr. doc. de fls. 102 dos autos principais.
XXIII) Por sentença de 12.05.2009 do TAF do Porto a entidade demandada foi condenada a passar certidão da acta do Conselho de Administração onde foi deliberada a contratação por ajuste directo, da anterior adjudicatária do concurso público internacional n.º 180002/2007, passar a certidão do pedido de visto prévio ao Tribunal de Contas decorrente daquela nova adjudicação, informar quais os trabalhos efectivamente realizados pela referida adjudicatária ao abrigo do CPI n.º 180002/2007 e permitir a consulta do processo de formação do contrato com a adjudicatária por ajuste directo, sentença que foi integralmente confirmada por Acórdão do TCA do Norte - docs. de fls. 24 a 49 dos autos;
XXIV) A 22.05.2009 foi celebrado contrato com a contra-interessada no âmbito do procedimento por ajuste directo, nos termos que constam do documento de fls. 169 a 170 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
XXV) A 20.10.2009, a entidade demandada passou certidão da acta do Conselho de Administração onde foi deliberada a contratação por ajuste directo, da anterior adjudicatária do concurso público internacional n.º 180002/2007 - cfr. doc. de fls. 50 a 71 dos autos.
XXVI) Em 20.11.2009 deram entrada neste Tribunal os autos de providência cautelar com processo n.º 3003/09.6BEPRT-A.
XXVII) Em 24.11.2009 foi instaurada a presente acção.
XXVIII) O sistema de informação hospitalar encontra-se em produção desde o passado dia 30.11.2009, data em que, neste domínio, foi descontinuada a anterior aplicação - cfr. docs. de fls.166 dos autos.
XXIX) As demais prestações contratadas à "C..., Lda.", encontram-se em execução.
XXX) A contra-interessada "C... ..." emitiu, em 31.12.2009, a factura n.º 1001471 referente a "AJUSTE DIRECTO - EXECUÇÃO DO REMANESCENTE DO SIH/ Ajuste directo de acordo com a proposta n.º 220090001 de 21.01.2009", no valor total de 323.997,60€ - cfr. doc. de fls. 112 junto aos autos principais.
XXXI) Por ofício de 18.02.2010 a entidade demandada procedeu à devolução da factura referida no ponto que antecede, porquanto «Segundo a informação do n/serviço de Informática, os trabalhos da proposta n.º 220090001 de 21.01.2009 ainda não estão concluídos" - cfr. doc. de fls.110 dos autos principais.


Apurados estes factos vejamos se se verificam as ilegalidades apontadas ao acórdão recorrido.
Na conclusão 12ª a recorrente C... especifica as ilegalidades assacadas ao acórdão recorrido: violação dos artigos 3º, 5º, 6º e 7º do Decreto-Lei 252/94, dos artigos 2º, 3º, 4º, 5º e 6º da Directiva 2009/24/CE de 23 de Abril do Parlamento Europeu, dos artigos 1º e 2º do Código dos Direitos de autor e dos artigos 23º e 24º nº1 al.e) do CCP.
Ora, diz-se no acórdão que admite a revista, na situação sub judice, as questões colocadas pelos recorrentes nas suas alegações para este STA são, no essencial, as seguintes:
"· A solução contratada no âmbito do procedimento concursal - cujo visto foi recusado pelo TC - é uma solução global que comporta todos os programas de software licenciados ao IPO pela A... (titular exclusiva dos direitos de autor), licenciamento que não comporta qualquer autorização, ao IPO ou a terceiros, para que sobre ele possa haver engenharia reversa ou descompilação de programas informáticos;
. Aquando do ajuste directo, já tinham sido fornecidas pela A... as licenças de software e prestados serviços num volume de cerca de 60%.
. A descompilação de software violaria direitos autorais e as normas de protecção dos mesmos, designadamente os arts. 1º e 2º do Código dos Direitos de Autor, 3º a 7º do DL 252/94, de 20 de Outubro, bem como o art. 6º da Directiva 2009/24/CE, de 23 de Abril, do Parlamento Europeu;
. Os serviços contratados pelo IPO no âmbito do ajuste directo estão directamente relacionados com este software e com a respectiva solução global integrada, pelo que faz todo o sentido que o IPO procedesse a ajuste directo com a A... para concluir os serviços primitivamente contratados a esta empresa, titular dos referidos direitos de autor, e já parcialmente executados;
. Estão pois em causa "motivos técnicos" e de "protecção de direitos exclusivos", que, contrariamente ao decidido, são fundamento legal de escolha do procedimento de ajuste directo, nos termos do art. 24º, nº 1, al. e) do CCP.
As questões colocadas, para além do seu aspecto técnico (envolve a problemática dos direitos exclusivos ou autorais em matéria informática), confrontam o tribunal com a necessidade de um juízo de interpretação do citado preceito do CCP [art. 24°, n° 1, al. e)], à luz das directivas comunitárias a cuja transposição procedeu, em ordem a decidir pela subsunção ou não à sua previsão normativa da situação aqui em apreço".
Passamos, então, a conhecer das invocadas ilegalidades.


Nos termos do artº23º do CCP "a escolha do procedimento nos termos do disposto no presente capítulo permite a celebração de contratos de qualquer valor, sem prejuízo das excepções expressamente previstas".
Acrescenta-se no artigo 24º seguinte que "1º - qualquer que seja o objecto do contrato a celebrar, pode adoptar-se o ajuste directo quando:...e) por motivos técnicos, artísticos ou relacionados com a protecção de direitos exclusivos, a prestação objecto do contrato só possa ser confiada a uma entidade determinada".
Visa-se com este preceito, proteger os direitos de autor consagrados genericamente no Código dos Direitos de Autor (DL. Nº63/85 de 14/3) no artº1º nº1 ao referir que se consideram "obras as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas, que, como tais, são protegidas nos termos deste Código, incluindo-se nessa protecção os direitos dos respectivos autores".
Seguidamente o nº2 nº1 do mesmo Código dos Direitos de Autor faz uma elencagem, não exaustiva, de várias hipóteses que são consideradas criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico que não passa praticamente da transcrição da al.1 do artigo 2º da Convenção de Berna para a protecção das obras literárias e artísticas (cfr. Luís Francisco Rebelo, in Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos-Anotado, 1985, pág. 47).
Relativamente à protecção jurídica dos programas de computador na nossa ordem jurídica interna foi publicado o DL n°252/94, de 20.10, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n°91/250/CEE, do Conselho, de 14.05, (apesar de a recorrente invocar a Directiva nº2009/24/CE, deve notar-se que esta directiva que revoga a Directiva 91/250/CEE, não é aplicável pois que é posterior à data do acto administrativo questionado) dá conta, na respectiva nota preambular, ter sido opção do legislador criar um diploma próprio para protecção dos programas de computador em vez de proceder a alterações no Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC).
E diz-se no art°3º nº 1 daquele DL. nº252/94 que "aplicam-se ao programa de computador as regras sobre autoria e titularidade vigentes para o direito de autor".
E, de acordo como art°27°, n°1, do CDADC, "salvo disposição em contrário, o autor é o criador intelectual da obra. Acrescentando no nº2 seguinte que "presume-se autor aquele cujo nome tiver sido indicado como tal na obra, conforme o uso consagrado, ou anunciado em qualquer forma de utilização ou comunicação ao público" (corresponde ao artº15º al.l] da Convenção de Berna).
O autor de um programa é, assim, aquele que cria o programa.
Segundo o n°2 do artigo 3º do DL n°252/94 (será a este diploma que nos referiremos quando nenhum se indicar): o programa que for realizado no âmbito de uma empresa presume-se obra colectiva.
Os poderes que pertencem ao autor, em ordem à protecção do programa, e que não pertencem a outrem estão previstos no artº5º, onde se estatui que:
O titular do programa pode fazer ou autorizar:
a) A reprodução, permanente ou transitória, por qualquer processo ou forma, de todo ou de parte do programa;
b) Qualquer transformação do programa e a reprodução do programa derivado, sem prejuízo dos direitos de quem realiza a transformação.
O art°6°, subordinado à epígrafe "direitos do utente", dispõe sobre uma área que escapa já aos poderes do autor, ao determinar que:
1- Não obstante o disposto no artigo anterior, todo o utente legítimo pode, sem autorização do titular do programa:
a) Providenciar uma cópia de apoio no âmbito dessa utilização;
b) Observar, estudar ou ensaiar o funcionamento do programa, para determinar as ideias e os princípios que estiverem na base de algum dos seus elementos, quando efectuar qualquer operação de carregamento, visualização, execução, transmissão ou armazenamento.
2- É nula qualquer estipulação em contrário ao disposto no número anterior.
3- O utente legítimo de um programa pode sempre, para utilizar o programa ou para corrigir erros, carregá-lo, visualizá-lo, executá-lo, transmiti-lo e armazená-lo, mesmo se esses actos implicarem operações previstas no n°1, salvo estipulação contratual referente a algum ponto específico.
Outra área que escapa ao âmbito dos poderes do titular do programa é a descompilação ou engenharia reversa, desde que verificados determinados condicionalismos.
Sob a epígrafe "descompilação", o art°7° estipula o seguinte:
1- A descompilação das partes de um programa necessárias à interoperabilidade desse programa de computador com outros programas é sempre lícita ainda que envolva operações previstas nos artigos anteriores, quando for a via indispensável para a obtenção de informações necessárias a essa interoperabilidade.
2- Têm legitimidade para realizar a descompilação o titular da licença de utilização ou outra pessoa que possa licitamente utilizar o programa, ou pessoas por este autorizadas, se essas informações não estiverem já fácil e rapidamente disponíveis. 3- É nula qualquer estipulação em contrário ao disposto nos números anteriores.
4- As informações obtidas não podem:
a) Ser utilizadas para um acto que infrinja direitos de autor sobre o programa originário;
b) Lesar a exploração normal do programa originário ou causar um prejuízo injustificado aos interesses legítimos do titular do direito;
c) Ser comunicadas a outrem quando não for necessário para a inoperabilidade do programa criado independentemente.
5- O programa criado nos termos da alínea c) do número anterior não pode ser substancialmente semelhante, na sua expressão, ao programa originário.
Aqui chegados cumpre-nos perguntar se, no caso sub judice existiam, ou não, razões técnicas e (ou) de protecção de direitos exclusivos que fundamentavam a opção da Administração pelo procedimento de ajuste directo, nos termos do artº24º nº1 al.e) do CCP.
No acórdão recorrido escreveu-se que "não resulta apurado com um mínimo de suficiência que ocorressem motivos técnicos ou que existissem direitos de exclusivo cuja protecção reclamassem ou impusessem a opção tomada por aquele concreto tipo de procedimento de formação de contrato".
Primeiramente, passamos a analisar se existiam, ou não, razões técnicas que fundamentavam a opção da Administração pelo procedimento de ajuste directo, nos termos do artº24º nº1 al.e) do CCP.
Quanto à inexistência dos motivos técnicos que permitissem a utilização de ajuste directo para a formação do contrato, conclusão a que o acórdão recorrido chegou, refere o Exmo. Magistrado do Ministério Público que o mesmo não sofre qualquer censura.
Quer a recorrente C... nas conclusões das suas alegações quer o recorrente Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil, EPE, defendem, em suma que "estando nós perante uma situação de facto em que temos parcialmente adquirida uma prestação de serviços que pela sua diferenciação e execução parcial só pode ser confiada à entidade que a iniciou. Com efeito, seria totalmente inexequível, com aproveitamento profícuo do serviço realizado, contratar com uma qualquer entidade terceira, a «continuação» do serviço realizado, monitorizado e conferido pela anterior adjudicatária, ..., antes podendo afirmar-se que a colocação no mercado de uma tal contratação inutilizaria completamente o já adquirido, com as desastrosas e óbvias consequências de inutilização da despesa entretanto realizada" (fls. 353).
No regime legal, anterior ao estatuído pelo CCP, este tipo de procedimentos constava do art. 86.º, n.º 1 do DL n.º 197/99 comando normativo similar ao actualmente vigente, já que ali se previa que o "... ajuste directo pode ter lugar, independentemente do valor, quando: ... d) Por motivos de aptidão técnica ou artística ou relativos à protecção de direitos exclusivos ou de direitos de autor, a locação ou o fornecimento dos bens ou serviços apenas possa ser executado por um locador ou fornecedor determinado ..." (cfr. ainda no anterior regime o que se dispunha em sentido similar no art. 136.º, n.º 1, al. b] do DL n.º 59/99 relativo às empreitadas de obras públicas).
Neste segmento "por motivos técnicos, artísticos" enunciado no artigo 24º nº1 al.e) do CCP concorda-se inteiramente com a decisão do acórdão recorrido que faz uma correcta, exaustiva e exemplar análise quer do quadro jurídico vigente quer dos factos a que o mesmo é aplicável e que se passa a transcrever:
'O concurso público constitui o procedimento regra no domínio da contratação pública visto através da sua peculiar tramitação constituir uma forma particular de dar alento e substância aos princípios jurídicos da concorrência, da igualdade, da imparcialidade e da transparência tão caros no âmbito da contratação pública e que, aliás, se mostram expressamente plasmados no art. 1.º, n.º 4 do CCP.
Daí que os demais procedimentos de formação de contrato [cfr. elenco constante do art. 16.º, n.º 1 do CCP], em particular o que aqui ora releva, o ajuste directo, constituam reais excepções ao regime regra, a demandarem, como tal, cuidados redobrados na aferição dos critérios legais definidos para a sua convocação.
Com efeito, no preceito em referência, tal como nos artigos 25.º a 27.º e 31.º, n.º 3 do CCP, enunciam-se uma série de critérios materiais que uma vez verificados legitimam a adopção do procedimento de ajuste directo para a formação de quaisquer contratos (v.g., contratos de empreitadas de obras públicas, de locação ou aquisição de bens móveis e de serviços).
Deriva do quadro legal aludido que são três as principais ordens de razões que justificam a opção pelo ajuste directo, ou seja, razões procedimentais [cfr. art. 24.º, n.º 1, als. a), b) e c), 25.º, n.º 1, als. a) e c), 26.º, n.º 1, al. e) e 27.º, n.º 1, als. a) e h) do CCP], razões relativas ao objecto do contrato [cfr. art. 24.º, n.º 1, als. d) a f), 25.º, n.º 1, al. b), 26.º, n.ºs 1, als. a) a d) e f) e 2, e 27.º, n.º 1, als. b) a g) do CCP] e razões de interesse público [cfr. art. 31.º, n.º 3 do CCP], sendo certo que no âmbito deste procedimento se mostram actualmente incluídas as situações anteriormente cobertas pelo concurso limitado sem publicação prévia de anúncio ou sem apresentação de candidaturas, pelo procedimento de negociação sem publicação prévia de anúncio e pela consulta prévia.
Procurando enquadrar o critério material invocado como justificação/fundamento do procedimento de formação de contrato pelo qual se optou temos que com o mesmo se exige que ocorram motivos técnicos, artísticos ou relacionados com a protecção de direitos exclusivos que conduzam a que a prestação objecto do contrato só possa ser confiada a uma entidade determinada.
À luz deste normativo temos que o procedimento de ajuste directo só se mostrará legitimado quando a entidade adjudicante demonstre que só aquele concreto prestador de serviços está técnica ou artisticamente habilitado ou detém direitos exclusivos objecto de protecção para executar o serviço pretendido.
É certo que a aferição da aptidão técnica e artística, bem como da existência de direitos exclusivos que beneficiem de protecção, dever ser analisada em concreto e não em abstracto.
Mas daí não deriva, como referimos supra, que a entidade adjudicante goze de poder discricionário conformador da definição e aferição daqueles critérios materiais à luz de outras razões tidas na prossecução do interesse público, porquanto, nesta sede, o legislador conferiu àquela entidade o poder-dever jurídico estritamente vinculado de, por ajuste directo, vir a adjudicar, nomeadamente, o fornecimento de determinados serviços a um concreto fornecedor, dado aquele concreto fornecimento, por motivos de aptidão técnica, artística ou relacionados com a protecção de direitos exclusivos, só por aquele possa ser executado.
Ora a opção pelo ajuste directo tendo como fundamento a al. e) do n.º 1 do art. 24.º do CCP só ocorrerá, no caso vertente, quando no mercado, por razões técnicas, artísticas ou de protecção de direitos exclusivos, apenas exista ou se mostre habilitada uma empresa capaz de executar a prestação/fornecimento de serviço, pelo que não faria sentido a Administração ter de se socorrer do procedimento concursal quando de antemão sabia que só aquela empresa poderia ser admitida.
Nessa medida, não podem ter-se como susceptíveis de integrar a previsão deste comando as situações em que a Administração crie, ela própria, as circunstâncias fácticas conducentes a que só uma empresa lhe possa executar uma determinada prestação/fornecimento de serviços.
Ora, o enquadramento e explicitação do conteúdo de norma similar à previsão da actual al. e) do n.º 1 do artº24.º do CCP já havia sido objecto de controvérsia e pronúncia uniforme por parte do T. Contas.
Com efeito, aquele Tribunal por referência à al. d) do n.º 1 do art. 86.º do DL n.º 197/99 e em situações com contornos algo semelhantes aos em questão foi sedimentando e firmando jurisprudência no sentido de que tal comando legal "... confere ao decisor público o poder-dever jurídico de, por ajuste directo, adjudicar o fornecimento de determinados serviços a um concreto fornecedor, quando aquele fornecimento, por motivos de aptidão técnica, só por aquele possa ser executado ...", ou que o "... ajuste directo, com o fundamento de que o serviço apenas pode ser executado por um fornecedor determinado, só é admissível porque o legislador entendeu que, havendo apenas uma empresa capaz de executar uma determinada prestação de serviços, a Administração não deveria recorrer a um concurso, por se saber à partida que só aquela empresa poderia ser admitida ...", sendo que se a "... Administração cria as circunstâncias fácticas conducentes a uma situação em que só uma empresa pode executar uma determinada prestação de serviços, então teremos de dar por inverificada a previsão e a estatuição do art. 86.º n.º 1 alínea d) do Decreto-Lei 197/99 ..." [cfr., entre outros, Acs. do T. Contas n.º 202/05 de 06.12.2005 (1.ª S/SS) - Proc. n.º 2179/05, n.º 6/06 de 01.02.2006 (1.ª S/PL) - Proc. n.º 1561/05, n.º 18/06 de 14.03.2006 (1.ª S/PL) - Proc. n.º 2765/05, n.º 57/06 de 14.11.2006 (1.ª S/PL) - Proc. n.º 1102/06, n.º 81/07 de 22.05.2007 (1.ª S/SS) - Proc. n.º 314/07, n.º 37/08 de 10.03.2008 (1.ª S/SS) - Proc. n.º 31/08, n.º 09/08 de 15.07.2008 (1.ª S/PL) - Proc. n.º 31/08 in: «www.tcontas.pt/pt/actos/acordaos.shtm»].
Assim, pode ler-se, nomeadamente, na fundamentação do acórdão do T. Contas n.º 18/06, proferido em 14.03.2006 (Proc. n.º 2765/05 citado supra), que manteve a recusa do visto ao contrato de aquisição de serviços de informática celebrado entre a F... e empresa da área, o seguinte "... Compreende-se a preferência da F... pela adjudicatária, até pela continuidade que assegura. Porém, isso não equivale à «exclusividade» de prestação dum tal serviço no mercado de informática. Temos como certo que há muitas empresas no mercado capazes de prestar o serviço para que a adjudicatária foi contratada. E se na situação concreta a entrada dum novo operador pode, inicialmente, criar alguma perturbação nos serviços, isso deve-se a culpa exclusiva da F... que não soube, a tempo, tomar as medidas necessárias para que tal nunca viesse a acontecer. Sendo assim, não pode agora invocar tal situação para justificar o recurso ao ajuste directo.
Dizer-se, como diz o recorrente no seu requerimento de interposição do recurso ... que a interrupção dos serviços da adjudicatária «comprometeria o processamento da informação fiscal em tempo útil, com a consequente repercussão negativa da imagem da Administração Tributária perante os contribuintes», a ser verdade seria demasiado grave. Como se pode compreender que o Estado se coloque ou se deixe arrastar para uma situação de tão grave dependência em relação a uma empresa que de um momento para o outro pode pura e simplesmente desaparecer do mercado? Como se escreveu em recente acórdão deste Tribunal (de 1 de Fevereiro de 2006, proferido no recurso ordinário n.º 1/2006 - Processo n.º 1561/05), «o ajuste directo, com o fundamento descrito (o mesmo deste recurso), só é admissível porque o legislador entendeu que, havendo apenas uma empresa capaz de executar uma determinada prestação de serviços, a Administração não deveria recorrer a um concurso, por se saber à partida que só aquela empresa poderia ser admitida. Esta é o ratio da norma. Se a Administração cria ela própria as circunstâncias fácticas conducentes a uma situação em que só uma empresa pode executar uma determinada prestação de serviços, então teremos de dar por inverificada a previsão e a estatuição da alínea d) do n.º 1 do art. 86.º, do Decreto-Lei n.º 197/99 ..." (sublinhados nossos).
Também no seu acórdão n.º 57/06, proferido em 14.11.2006 (Proc. n.º 1102/06 também supra citado), que manteve igualmente a recusa do visto ao contrato de aquisição de serviços de informática no âmbito do Sistema Integrado de Gestão de Inscritos em Cirurgia celebrado entre o Instituto Gestão Informática e Financeira da Saúde e outra empresa da área, se depreende da sua fundamentação o seguinte "... Não se pode ter por demonstrado que a empresa adjudicatária é a única com aptidão técnica para prestar os serviços em causa conforme o exigido pela citada al. d) do n.º 1 do art. 86.º, porquanto: (i) não releva, para o efeito, a declaração passada pelo próprio adjudicatário em que este afirma que é o único com aptidão técnica para prestar os serviços em causa; (ii) o próprio contrato contempla a possibilidade de o adjudicatário ceder a sua posição contratual, o que implicitamente pressupõe e admite a existência de terceiros capazes de prestar os serviços objecto do contrato; (iii) a entidade adjudicante admite como teoricamente possível «o cumprimento estrito dos procedimentos legalmente adequados à situação presente»; (iv) o que o IGIF invoca e alega são razões de continuidade na prestação de um serviço que se iniciou em 2004, evidenciando que a E..., porque se encontra no terreno e porque já conhece o sistema terá, porventura numa fase inicial, maior facilidade em prestar aqueles serviços; (v) não está, por isso, demonstrado que a E... seja a única empresa com aptidão técnica para prestar os serviços objecto do presente contrato ...".
E reportando-se ao enquadramento daquele preceito legal refere-se ainda que de "... acordo com a interpretação que temos por correcta, este tipo de procedimento só estará legitimado quando a entidade adjudicante demonstre que só aquele concreto prestador de serviços está tecnicamente habilitado a executar o serviço objecto do contrato.
Nesta perspectiva, estamos de acordo com o Recorrente, quando este afirma que a aptidão técnica dever ser analisada em concreto.
Com o que não estamos de acordo é com a afirmação de que «a aptidão técnica» deve ser aferida, ou também aferida, em função do interesse público subjacente ao contrato, traduzido na premência da concretização do objecto contratual, que só a entidade adjudicatária, em tempo útil e com menos custos, poderá levar a cabo.
A Administração pode actuar no exercício de poderes vinculados e no exercício de poderes discricionários. O poder é vinculado quando a lei não remete para o critério do respectivo titular a escolha da solução concreta mais adequada; é discricionário quando o seu exercício fica entregue ao critério do respectivo titular, que pode e deve escolher o procedimento a adoptar em cada caso como o mais ajustado à realização do interesse público protegido pela norma que o confere.
Ou seja, só faz sentido falar em interesse público (ou no princípio da prossecução do interesse público), como parâmetro de actuação da Administração, quando esta actua no exercício de poderes discricionários; quando esta actua no exercício de poderes vinculados, o interesse público, como parâmetro de actuação da Administração, não adquire qualquer autonomia, uma vez que aquele se confunde com o cumprimento rigoroso dos pressupostos de facto e de direito da norma a aplicar.
No caso em apreço, o legislador confere ao decisor público o poder-dever jurídico de, por ajuste directo, adjudicar o fornecimento de determinados serviços a um concreto fornecedor, quando aquele fornecimento, por motivos de aptidão técnica, só por aquele possa ser executado.
Ou seja, o acto adjudicatório é rigorosamente vinculado quanto ao critério de adjudicação.
O ajuste directo, com o fundamento descrito, só é admissível porque o legislador entendeu que, havendo apenas uma empresa capaz de executar uma determinada prestação de serviços, a Administração não deveria recorrer a um concurso, por se saber à partida que só aquela empresa poderia ser admitida (...).
Por outras palavras: aplica-se a alínea d) do n.º 1 do art. 86.º do DL 197/99 ..., quando, por razões de mercado, existe apenas uma única empresa tecnicamente habilitada a executar determinados serviços.
A premência na concretização de um determinado contrato, que, a realizar-se, se traduzirá numa melhor e mais célere satisfação de um direito fundamental - direito à protecção da saúde (art. 64.º da CRP) - é algo que deverá estar subjacente à actuação da Administração Pública, e que, por isso, deverá por esta ser ponderado em tempo útil, não podendo, salvo os casos previstos na lei, ser satisfeito através de um procedimento - o ajuste directo, com fundamento na alínea d) do art. 86.º do DL 197/99 -, que foi criado para dar resposta a situações em que, por razões de mercado, só exista uma única entidade tecnicamente habilitada a executar determinados serviços, e que, por isso mesmo, nada tem a ver com situações de premência na satisfação de direitos fundamentais.
Ou seja, nem mesmo em termos teleológicos se poderá sustentar a tese de que a alínea d) do n.º 1 do art. 86.º do DL 197/99 ... deve ser interpretada em função do interesse público que, em concreto, se pretendeu acautelar ..." (sublinhados nossos).
Para depois concluir que não releva nesta sede a alegação feita pela entidade adjudicante no sentido de que a adjudicatária era em concreto a única capaz de prestar e executar os serviços objecto do contrato mercê de "dificuldades técnicas desproporcionadas" que envolveriam uma nova entidade do processo de implementação do aplicativo, do "aumento de custos" com a intervenção daquela nova entidade e do "distúrbio gerado por uma eventual descontinuidade da aplicação", já que "... não está minimamente demonstrado que a E... seja a única entidade tecnicamente habilitada a executar os serviços de informática, objecto do contrato (SIGIC); o que está demonstrado é que a E..., por ser a prestadora inicial e conhecer o sistema (SIGIC), está habilitada a desenvolvê-lo e a ampliá-lo, sendo bastante provável que aquela, comparativamente com outras entidades, possa vir a executar os referidos serviços em menos tempo e com custos financeiros e organizacionais bastante menores ...".
Já no âmbito do regime actualmente vigente aquele mesmo Tribunal, no seu acórdão n.º 24/10 de 14.09.2010 (1ª S/PL) (Proc. n.º 2285/09 in: «www.tcontas.pt/pt/actos/acordaos.shtm») pronunciando-se sobre a al. e) do n.º 1 do Artº24.º do CCP (no caso dizia respeito eventual integração no conceito de motivo de ordem "artística") sustentou-se o seguinte "... Previamente, e com referência ao teor da norma contida no art. 24.º, n.º 1, al. e), de CCP, importa sublinhar a indeterminação conceptual das expressões legais «motivos técnicos» e «artísticos» aí contidas, cujo sentido e alcance material cabe ao intérprete preencher. Fazendo-o, «in casu», com recurso a critérios restritivos, por forma a garantir os princípios a que se subordina a contratação pública.
Mais:
Tal como se verteu no acórdão recorrido, é imperioso evidenciar que, embora, amiúde, se considere a arquitectura ainda uma manifestação artística, o Código dos Contratos Públicos não acolhe tal orientação, deixando entender, isso sim, que arte e arquitectura se acolhem a realidades específicas e não confundíveis.
... É, assim, seguro que a al. e), do art. 24.º, do CCP, ao referenciar «motivos artísticos», não integra aí serviços desenvolvidos no âmbito da arquitectura. Donde decorre que o recurso ao ajuste directo só poderá ser agora ponderado em função da (in) verificação de motivos técnicos que tal legitimem.
... Maugrado a indeterminação conceptual da expressão «motivos técnicos» constante do citado art. 24.º, n.º 1, al. e), do CCP, importa sublinhar que a melhor compreensão deste pressuposto factual obriga à sua interligação com a parte final do preceito, admitindo-se, assim, que o ajuste directo é viável quando a complexidade e singularidade técnicas são tais que a prestação do objecto do contrato só pode ser confiada a uma entidade determinada. Ou seja, e ainda na esteira da jurisprudência deste Tribunal de Contas, o ajuste directo só é admissível quando, no mercado, e atenta a complexidade e exigência dos serviços a prestar, exista uma única entidade disponível e com aptidão técnica para assegurar a respectiva prestação. E, decorrentemente só assim se legitima a dispensa do concurso público, ou, ainda, outro procedimento, mas de natureza concursal ...".
Valendo aqui tudo quanto se desenvolveu em sede de enquadramento deste fundamento impugnatório ao longo dos pontos antecedentes e presente o quadro factual que se mostra apurado nos autos [cfr. n.ºs IV), V), VI), VII), VIII), X), XIII), XIV), XIX), XXIV), XXVIII) e XXIX) da matéria de facto apurada] dúvidas não se nos colocam de que a situação concreta que a entidade administrativa tinha em presença quando desenvolveu a actuação e procedimento em causa não preenchia a previsão da al. e) do n.º 1 do art. 24.º do CCP, não podendo encontrar neste comando o respectivo fundamento de legalidade.
É que não resulta apurado com um mínimo de suficiência que ocorressem razões técnicas ou que existissem direitos de exclusivo cuja protecção reclamassem ou impusessem a opção tomada por aquele concreto tipo de procedimento de formação de contrato.
Desde logo, não se descortina que, enquanto aplicativo informático, a solução técnica quanto ao fornecimento e instalação do sistema de informação hospitalar apresentada pela co-R. contra-interessada, no âmbito do contrato que viu ser-lhe recusado o visto e que estava a ser implementado quando ocorreu tal recusa, envolva qualquer solução que por razão de aptidão técnica apenas pudesse ser fornecida pela mesma empresa, mormente e em especial, na parte que faltava implementar.
Se é certo que nesta situação se podem admitir e aceitar ocorrerem maiores dificuldades na implementação ou na adaptação do sistema de informação hospitalar por uma terceira entidade adjudicatária, que tal pode envolver atrasos nessa implementação e adaptação e, eventualmente, maiores custos financeiros, daí não deriva, como consequência directa e necessária, que então estejamos na situação enunciada na al. e) do n.º 1 do art. 24.º do CCP.
Desde logo, o recurso ao ajuste directo por uma questão de premência de cumprimento de prazos e de compromissos assumidos em matéria de execução de missões e objectivos definidos pela entidade adjudicante ou que lhe são impostos não encontra sua cobertura legal naquele preceito, nem igualmente nesta sede vale a argumentação que contenda com aproveitamento dos dinheiros já pagos no âmbito de anterior execução contratual que se veio a mostrar ineficaz em termos financeiros, nem com um potencial ou real aumento de custos financeiros envolvidos na intervenção de nova empresa e/ou da não continuação da anterior adjudicatária.
Também não se enquadra no normativo em referência quando a situação que importa e urge resolver derive de actuação ou omissão imputável à entidade adjudicante, como resulta ocorrer na situação vertente mercê do facto da mesma ser consequência da recusa da concessão do visto ao anterior contrato em virtude daquela entidade haver incumprido ilegal e ilegitimamente as regras procedimentais legais tal como se conclui no acórdão do T. Contas que se pronunciou sobre a legalidade financeira do contrato e respectivo procedimento de formação.
Atente-se, por outro lado, que da referência a uma "especificidade técnica do software" não resulta como reunida e adquirida a conclusão de que apenas a entidade adjudicatária, aqui recorrida, se afirme como a única entidade disponível no mercado que detém capacidade e aptidão técnicas bastantes para fazer face à complexidade e exigência dos serviços a prestar/fornecer. Note-se que, como deriva da mera leitura do acórdão do T. Contas referido em X) dos factos provados [Ac. n.º 110/08, de 22.09.2008 (1.ª S/SS - Proc. n.º 811/08) - consultável e disponível em «www.tcontas.pt/pt/actos/acordaos.shtm»], ao procedimento na sequência do qual foi outorgado o contrato que viu ser-lhe recusado o visto apresentaram-se oito empresas, sem que nenhuma haja sido excluída ou posta em causa a valia e capacidade técnica para o fornecimento e implementação do sistema objecto daquele procedimento, sendo ainda certo que em matéria de interoperabilidade dos vários programas de computador importa considerar o regime enunciado e imposto no art. 07.º do DL n.º 252/94, de 20.10.
Não se revela, pois, como demonstrado, no procedimento que esteve na base da decisão impugnada nos presentes autos e na sua respectiva fundamentação, que no mercado apenas a co-R., aqui recorrida, era a única empresa dotada da capacidade e aptidão técnicas necessárias à execução ou à continuação da execução e implementação do concreto sistema de informação hospitalar em questão, resultando antes que foi a própria entidade adjudicante que, por razões a si imputáveis, criou as condições para que aquela adjudicatária pudesse aparente e alegadamente surgir como a única empresa com competências, para sem interrupções, proceder à sua implementação e manter o sistema como pretendido'.
Concorda-se inteiramente com o decidido no douto acórdão recorrido.
Na verdade, os recorrente IPO e C... não invocaram, nem provaram (ver a matéria de facto dada como provada) ser a Recorrente C... a única empresa a deter capacidade e aptidões técnicas necessárias à execução e ou continuação do sistema concreto para aquele instituto.
Neste sentido, refira-se ter sido decidido que "ao procedimento na sequência do qual foi outorgado o contrato que viu ser-lhe recusado o visto apresentaram-se oito empresas, sem que nenhuma haja sido excluída ou posta em causa a valia e capacidade técnica para o fornecimento e implementação do sistema objecto daquele procedimento" (acórdão do T. Contas referido em X) dos factos provados [Ac. n.º 110/08, de 22.09.2008 - 1.ª S/SS - Proc. n.º 811/08]).
Neste aspecto, no segmento acabado de analisar, o acórdão recorrido não viola o disposto no artº24.º, n.º 1, al. e) do CCP, pelo que improcedem, nesta parte, as conclusões das alegações dos recorrentes que tal defendem e procedem as conclusões da recorrida que defendem tal violação.
Passamos agora, e em segundo lugar, a analisar se existiam, ou não, direitos de exclusivo cuja protecção reclamassem ou impusessem a opção tomada por aquele concreto tipo de procedimento de formação de contrato.
Segundo resulta da matéria de facto provada, o IPO do Porto foi notificado em 2008.09.26 da decisão do Tribunal de Contas de recusa de "visto" de 2008.09.22 (cfr parecer jurídico de 2008.11.07 anexo à deliberação a que se reporta o ponto XIII da matéria de facto, no processo apenso); e, não se mostra que nessa data de 26 de Setembro de 2008 houvesse qualquer programa instalado - cfr ponto XIII conjugado com o ponto IV, da matéria de facto. Na verdade: - O valor de 433.137,50 euros correspondia a valor facturado no momento da adjudicação, de acordo com a cláusula n°6 do contrato, não significando o pagamento de serviço efectivamente prestado e que houvesse qualquer programa instalado; - O valor de 178.945,50 euros correspondia a valor facturado no momento da aprovação do relatório Product Walkthrough, o que não significa, igualmente que houvesse qualquer programa instalado; - O valor de 193.375 euros correspondia a valor referente ao remanescente das licenças do "software" (a outra parte do pagamento das licenças já estava incluída no valor acima referido de 433.137,50), o que também não significava que já estivesse "software" instalado.
Como muito bem salienta a Exma. Magistrada do Ministério Público «O próprio IPO do Porto, nas suas alegações, ao invocar a vinculação a direitos exclusivos, apenas se refere ao pagamento da aquisição de parte das licenças dos programas informáticos".
Por sua vez, a recorrente C... invoca ter licenciado ao IPO do Porto três tipos de produtos diferentes: 1º- Software Oracle no valor de 38.808 euros (gestão documental); 2º- Software SAP no valor de 259.512,49 euros (gestão financeira e de recursos humanos); 3º- Software C... no valor de 254.181,25 euros (gestão hospitalar e clínica).
E acrescenta: "as licenças Oracle e SAP são produtos de mercado, disponibilizados a diversas empresas com as quais os respectivos fabricantes estabelecem acordos, e o IPO do Porto não estava impedido de adquirir e/ou contratar serviços a terceiros relativamente às mesmas".
Segundo esta recorrente isso já não sucede relativamente ao Software C... de Gestão Hospitalar e Clínica, licenciado ao IPO do Porto, no tocante ao qual é titular dos direitos de autor.
Temos, assim, que só em relação ao programa criado pela C... se colocaria, uma vez instalado, a questão da protecção de direitos exclusivos, dado que os restantes, Oracle e SAP, constituindo "software standard" não necessitariam de sofrer qualquer alteração em consequência da adjudicação a outrem que não a recorrente, e, nessa medida poderiam sempre ser utilizados.
Mas o facto de ter sido adquirido e pago o licenciamento respeitante a "Software C..." (gestão hospitalar e clínica), cujo valor total foi de 254.181,25 euros, não impedia o IPO de se abster de utilizar esse programa caso em novo concurso púbico a adjudicação viesse a ser feita a outro interessado».
Aqui chegados, podemos concluir que não se verificava qualquer condicionalismo relativo a "motivos relacionados com a protecção de direitos exclusivos", para que a prestação só fosse confiada à C..., na medida em que, na hipótese de haver lugar a concurso público e a adjudicação vir a ser feita a outro interessado, nada obstava a que o recorrente IPO se abstivesse de utilizar o programa criado ou a criar pela C... cuja licença havia pago.
E sempre se dirá que razões de ordem financeira não são motivos legais que justifiquem a utilização do ajuste directo, pois como resulta da lei, o concurso público constitui o procedimento regra na contratação pública.
Aliás, os princípios da legalidade, imparcialidade, igualdade e transparência impõem que a Administração só recorra ao ajuste directo nos casos em que não fiquem dúvidas na sua actuação na resolução de interesses conflituantes.
No caso presente, presente o recorrente IPO ao adjudicar por ajuste directo à C..., e neste segmento em apreço, violou o estatuído no artº24º nº1 al. e) do Código dos Contratos Públicos.
Assim, pelo que se acaba de referir, o acórdão recorrido não violou quer os arts.1º e 2º do Código dos Direitos de Autor, quer os preceitos 3º, 5º, 6º e 7º do DL. nº 252/94, destinados a proteger juridicamente os programas de computador, assim como também não violou os preceitos da Directiva 2009/24/CE, por acto o impugnado lhe ser anterior.
Procedem e improcedem as restantes conclusões na medida do que fica exposto.


Em concordância com tudo o que vem dito, e ainda que por razões não inteiramente coincidentes, nega-se provimento ao presente recurso.
Custas por ambos os recorrentes em todas as instâncias. Lisboa, 21 de Junho de 2011. - Américo Joaquim Pires Esteves (relator) - Alberto Augusto Oliveira - Fernanda Martins Xavier e Nunes.