Sumário:
I - No procedimento do ajuste directo para a formação de um contrato a fixação da valoração dos aspectos de um determinado critério já depois do conhecimento das propostas, como no caso em sede de Relatório preliminar, não viola o princípio da imparcialidade.
II - A fixação daquela valoração neste momento só contribui para que os convidados tenham um melhor conhecimento das razões por que a Administração pontuou de certa forma determinado critério.
III - Uma proposta que apenas dá uma garantia de um ano para o material a fornecer viola o disposto arts. 397º nº 2 al.c) do CCP e 5º nº 1 do DL. nº 67/2003, pelo que deve ser excluída nos termos do artigo 70º nº 2 als. b) e f) do CCP.
Texto Integral:
Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
A...., sociedade comercial, com sede na Av. ..., 3060 - ... Cantanhede, nos termos do artº 100º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, propôs acção administrativa especial de contencioso pré-contratual contra o Hospital do Arcebispo João Crisóstomo, com sede na Rua Padre Américo - apartado 61 - em 3061-909, Cantanhede, B..., com sede social no ... - ..., 4471 - ... Maia e C..., com sede na Av. ..., 1649-... Lisboa, pedindo que, com fundamento em violação de lei, a anulação da deliberação do Conselho de Administração do Hospital do Arcebispo João Crisóstomo que adjudicou à D... a aquisição de uma solução de comunicação integral, que inclua o serviço fixo e móvel e que o réu hospital se abstenha de celebrar o contrato de adjudicação da empreitada em causa.
Por sentença do TAF de Coimbra de 4/12/2009 (fls. 217 a 231) foi julgada improcedente a acção proposta e absolvida a entidade demandada do pedido.
Não se conformando com esta sentença da mesma interpôs recurso jurisdicional a A... e por acórdão do Tribunal Central Administrativo - Norte (doravante, TCAN) de 25 de Fevereiro de 2010 foi negado provimento a tal recurso.
Deste acórdão do TCAN interpôs a A... o presente recurso de revista excepcional.
Este recurso jurisdicional foi admitido por acórdão deste STA de 2/6/2010 (fls. 447 a 449).
A recorrente A..., nas suas alegações formula as seguintes conclusões:
A) O presente recurso é interposto porque, no entender da ora recorrente, constitui questão da mais ampla relevância social saber se, em sede de ajuste directo, é lícito ao júri, ao apreciar as propostas apresentadas, definindo os factores e respectiva quantificação mesmo depois de conhecidas as propostas e, consequentemente, os concorrentes.
B) O acórdão recorrido entende que sim, tendo-se nele escrito que "mostra-se igualmente cumprido o disposto na al.b), do n°2 do artº115º do CCP, independentemente do júri posteriormente (depois de conhecidas as propostas) haver decidido quanto aos quatro factores «Características técnicas», «Preço»,, « Valor da retoma» e «Manutenção correctiva» fraccioná-los numa escala de 1 a 100 pontos nos termos supra transcritos".
C) Face ao teor do artº115º n°2, al. b) do CCP, sobretudo quando cotejado com o art°132° nº1, al. n) do mesmo CCP, o Júri tem plenos poderes para fixar, como bem entender, a densificação dos subfactores, podendo considerar os subfactores que entender, sem que tenha a obrigação de os dar a conhecer aos concorrentes antes de conhecer as propostas deles, pelo que é lícito, em tese geral e sem referência ao caso concreto, ao Júri - sem violar o princípio da imparcialidade - moldar as grelhas de apreciação das propostas, considerando relevantes subfactores que possam favorecer a proposta de qualquer concorrente, bem como densificá-los de forma a atribuir a característica de proposta mais vantajosa a uma proposta que pretenda colocar em primeiro lugar.
D) Entende, porém, a ora recorrente que, mesmo em sede de ajuste directo, continuam a aplicar-se as regras do procedimento administrativo, em especial os seus princípios gerais, consagrados nos artigos 3° a 12° do CPA e se, no âmbito do ajuste directo, do convite deve constar "o critério de adjudicação e os eventuais factores e subfactores que o densificam, não sendo, porem, necessário um modelo de avaliação das propostas", pelo facto de não ser necessário que conste do convite ou do programa do procedimento de ajuste directo, a indicação dos subfactores e a sua densificação, ou seja, o modo de avaliação que, no âmbito do concurso público, devem constar directamente do programa de concurso, isso não significa que o júri não deva pautar a sua acção pelos princípios da transparência e da imparcialidade, que se exigem para todos os procedimentos públicos.
E) Como consta do Ac. do STA (Pleno) de 23/5/2006, proferido no recurso 1328/03, "o simples risco de lesão e o perigo parcialidade, constituem fundamento bastante para a anulação, mesmo que se desconheça, em concreto, a efectiva violação dos interesses de algum concorrente" e esse risco existe efectivamente quando no mesmo acto se quantificam as notações dos subfactores e se procede à classificação dos concorrentes, pois há o risco de essa quantificação ter sido determinada pelo conhecimento prévio das propostas.
F) Violou o acórdão ora recorrido o art°6° do CPA, onde o júri quantificou os factores de selecção, depois de conhecidas as propostas concorrentes.
G) Face a estas situações e à frequência com que se usa e vai passar a usar do ajuste directo na contratação pública, trata-se de uma questão que poderá colocar-se muitas vezes, pelo que é matéria de reconhecida importância para todas as pessoas, singulares ou colectivas, que concorrem a situações concursais da Administração Pública, segundo o método do ajuste directo.
H) Por outro lado, não se conhece qualquer decisão deste STA sobre a questão em debate, a qual se reveste de complexidade bastante para justificar a intervenção deste Supremo Tribunal, em ordem a contribuir para uma melhor aplicação do direito e clarificar uma situação que pode degenerar em situação de frequente suspeita sobre as entidades públicas que lancem ajustes directos, com os consequentes efeitos nocivos sobre o bom nome da Administração Pública.
I) Por fim, está claramente em causa a moralização dos comportamentos da Administração Pública, num momento em que essas situações estão na ordem do dia, pelo que se verificam todas as circunstâncias que permitem o recurso de revista excepcional previsto no artº150º do CPTA, onde se determina que "das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito", pelo que deve ser admitido o presente recurso excepcional de revista.
J) Como já se referiu nos artigos 28º a 30° da petição inicial, impõe-se que a quantificação dos subfactores preceda o conhecimento das propostas apresentadas, pois, como se alcança do Ac. do STA (Pleno) de 23/5/2006, proferido no recurso 1328/03, no qual foi decidido que "o simples risco de lesão e o perigo parcialidade constituem fundamento bastante para a anulação, mesmo que se desconheça em concreto a efectiva violação dos interesses de algum concorrente".
K) Esse risco existe efectivamente quando no mesmo acto se quantificam as notações dos subfactores e se procede à classificação dos concorrentes e há o risco de essa quantificação ter sido determinada pelo conhecimento prévio das propostas e existem várias situações, elencadas, nessa petição inicial que demonstram que esse conhecimento determinou a notação quantificada.
L) Tal como se apresenta a decisão do Júri pode respeitar o princípio da objectividade, mas não garante a imparcialidade desse mesmo Júri, pelo que, por violar o princípio da imparcialidade, previsto no art°6° do CPA, deve ser anulado o acto recorrido, pelo que, nesta parte, a sentença recorrida deve ser revogada.
M) Verifica-se, também, que na questão do prazo de garantia, a sentença recorrida não considerou devidamente o caderno de encargos, pois no art°15º do Caderno de Encargos é referido expressamente que "os concorrentes obrigam-se a indicar o prazo de garantia para todos os equipamentos, módulos ou solução propostos, durante este período do garantia a manutenção será gratuita", o que significa que a questão do prazo de garantia também foi posto à concorrência, ao contrário do que erradamente se refere na sentença recorrida.
N) Só a autora A... aceita uma garantia de 24 meses da central por si proposta fornecer e as restantes concorrentes apenas aceitam uma garantia de 12 meses.
O) Se se entender, como a decisão recorrida, que o prazo legal de garantia é sempre e só de 2 anos, como emerge do Dec. Lei nº67/2003, de 8 de Abril, então os concorrentes que apresentaram um prazo de garantia menor deviam ter sido excluídos, nos termos do art°70°, nº2, al. b) do Código dos Contratos Públicos, segundo o qual "são excluídas as propostas cuja análise revele que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspectos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos a concorrência", pelo que não deviam ter sido aceites as propostas, quer da C..., quer da D....
P) Ao indicarem prazos de garantia inferiores aos legalmente admissíveis, deviam ter sido rejeitadas as propostas da D... e da C..., pelo que, por ilegalidade deve ser anulado o acto recorrido, pelo que, nesta parte, a sentença recorrida deve ser revogada.
Q) O preço proposto pela A. foi de 9.301,00 Euros, mas sobre esse preço, a A. declarou que fazia um "desconto de 10% sobre total da proposta -930,10euros " -, tendo no final da sua proposta declarado por extenso qual o valor da proposta "são: oito mil trezentos e setenta euros e noventa cêntimos".
R) Nos termos do art°60°, nº2 do Código dos Contratos Públicos: "quando os preços constantes da proposta forem também indicados por extenso, em caso de divergência, estes prevalecem, para todos os efeitos, sobre os indicados em algarismos".
S) Assim sendo, por força do legalmente determinado a proposta da A. é de 8.370.90 euros (oito mil. trezentos e setenta euros e noventa cêntimos) e este preço é inferior ao preço considerado pela contra-interessada que ficou em lº lugar, ou seja, 8.454,70 euros.
T) Ao serem considerados preços, em violação das normas legais aplicáveis, como o disposto no art°60º nº2 do Código dos Contratos Públicos, deveria a proposta da A. ser classificada em 1° lugar por ser mais baixa que as outras propostas apresentadas, pelo que, por ilegalidade deve ser anulado o acto recorrido, pelo que, nesta parte, a decisão ora recorrida deve ser revogada.
U) Por fim, o dever de fundamentação, nos termos do art°125° nº1 do CPA, "deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão", o que manifestamente não acontece no presente caso.
V) Por isso, por manifesta insuficiência de fundamentação, porque não são indicadas as razões das notações atribuídas aos diferentes concorrentes, nomeadamente em sede de características técnicas, deve, com fundamento em ilegalidade, ser anulado o acto recorrido, pelo que, nesta parte, a decisão ora recorrida deve ser revogada.
X) Deste modo, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 6° e 125° do CPA, bem como o disposto no artº60° n°2 e art°70° nº2, al. b), ambos do Código dos Contratos Públicos pelo que, em provimento do presente recurso, deve ser revogado o acórdão recorrido e substituído por outra decisão que, julgando procedente a presente acção, declare anulada a deliberação do Conselho de Administração do Hospital do Arcebispo João Crisóstomo, que deliberou adjudicar à D... a aquisição de uma solução de comunicação integral, que inclua o serviço fixo e móvel, como é de lei e de justiça!
Contra-alegou a recorrida B..., terminando com as seguintes conclusões:
1) Em face da concretização claramente elaborada pelo STA, dos pressupostos de aplicação do artigo 150° nº1, conclui-se que o recurso interposto pela Recorrente não deverá ser admitido.
2) No que respeita à relevância social da questão em apreço, antes de mais, há que sublinhar que não se trata aqui de qualquer interesse difuso.
3) A questão em causa, apesar de poder vir a verificar-se no futuro, o que simplesmente resultará da massificação dos procedimentos de contratação pública, questão expectável tendo em conta as novas regras aos mesmos aplicáveis, não se crê que venha a ser contenciosamente impugnada por um vasto número de interessados, até porque a adopção da solução em causa por parte da entidade adjudicante mais não é que a solução que resulta de uma interpretação comum da Lei - ainda que a recorrente não concorde com a mesma - e porque, por outro lado, o STA já se pronunciou de forma transparente sobre a legalidade de uma tal opção.
4) O segundo pressuposto de admissão do recurso de revista, a ampla e fundamental relevância jurídica da questão em causa, não se verifica.
5) Seja porque não é uma questão que tenha suscitado incerteza nas instâncias inferiores, seja porque não se trata de um assunto novo, sobre o qual o STA não se tenha pronunciado.
6) A Recorrente demonstra, no recurso interposto, que o que pretende é que seja reavaliada a interpretação que foi feita, neste processo, da matéria de facto em causa, de forma a, individualmente, poder beneficiar da mesma.
7) Mas a simples discordância com a decisão recorrida não poderá justificar um recurso desta natureza.
8) O recurso interposto pela Recorrente não deverá ser admitido por esse Supremo Tribunal, devendo ser liminarmente rejeitado.
9) Não tem razão o fundamento do recurso interposto pela Recorrente, porquanto esta alega mas não prova, nem está considerado como provado pelas instâncias judiciais a que recorreu, que a escala de pontuação foi fixada depois de conhecidas as propostas pelo júri.
10) No presente caso, o Júri entendeu transmitir aos concorrentes, no relatório preliminar que antecedeu a decisão de adjudicação que a Recorrente alega estar viciada, quais os meios através dos quais concluiu que a proposta da B... é, efectivamente, a proposta economicamente mais vantajosa.
11) Sendo a Lei que fixa a inexigência de um modelo de avaliação do procedimento de Ajuste Directo, não poderá proceder qualquer alegação no sentido de que viola o princípio da imparcialidade qualquer entidade pública que, estando desobrigada de o fixar, ainda assim, indica claramente quais os cálculos efectuados para aplicar o critério de adjudicação predefinido.
12) Não pode, por isso, de forma alguma aceitar-se que, em cada procedimento de Ajuste Directo em que o respectivo Júri claramente indique, em sede de relatório preliminar, qual a fórmula utilizada para concluir pela adjudicação de uma proposta, seja a correspondente decisão de adjudicação impugnada por falta de imparcialidade.
13) Considera-se, por isso, improcedente qualquer alegação da Recorrente no que respeita à violação do princípio da imparcialidade e, consequentemente, deverá ser mantido, nesta parte, o Douto Acórdão recorrido.
14) O prazo de garantia não é factor que densifique o critério de adjudicação definido pelo digníssimo Júri, pelo que não pode a proposta da Recorrente ser valorizada em função do prazo que apresenta.
15) Pelo que ter-se-á, obrigatoriamente, por não escrita, qualquer informação relativa ao prazo de garantia que, ainda que por lapso de escrita, conste de uma proposta apresentada no âmbito de um qualquer procedimento de contratação pública e que não corresponda aos critérios mínimos legalmente definidos.
16) Não é por isso passível de ser anulada, por ilegalidade, a decisão de adjudicação impugnada, devendo ser mantido o Acórdão recorrido que bem conclui que o fornecedor está sempre sujeito, por força da lei, ao prazo mínimo de garantia de 2 anos, sendo inócuo que tenha sido apresentado na proposta um prazo inferior, nem constituindo tal facto motivo para exclusão da proposta.
17) O preço apresentado pela B... é de 8.454,70 euros.
18) O valor que a A... propõe para a aquisição da central telefónica e restante equipamento é de 9.301,00 euros, não podendo ser valorizado o desconto apresentado pela Recorrente, uma vez que não se trata de um factor submetido à concorrência.
19) Também quanto a este ponto, a decisão de adjudicação encontra-se em conformidade com as regras do procedimento e, bem assim, com as exigências da legislação aplicável, devendo a apreciação que da mesma fez a Douta Sentença e, bem assim, o Acórdão recorrido, ser mantida.
20) A escala de pontuação divulgada pelo Júri, em sede de Relatório Preliminar, não mais fez que demonstrar claramente quais os motivos que estiveram na base da escolha da proposta da B... como sendo a economicamente mais vantajosa entre as restantes propostas apresentadas.
21) A Recorrente demonstrou ter apreendido quais foram as razões das notações atribuídas, ou não teria intentado uma acção com base, designadamente, na alegação da ilegalidade do acto recorrido por erro nos pressupostos de facto.
22) Se considera a Recorrente que conhece suficientemente quais os pressupostos de facto que estiveram na base da decisão de adjudicação, de forma a poder afirmar que tais pressupostos são erróneos, devendo ter sido considerados outros, então claramente sabe quais os motivos pelos quais a decisão de adjudicação foi num sentido e não no outro, pelo que a mesma se apresenta devidamente fundamentada.
23) Deverá ser mantido o Acórdão recorrido, também na parte em que considera que a decisão de adjudicação em causa não padece de falta de fundamentação.
Emitiu o Exmo. Magistrado do Ministério douto parecer com o seguinte teor:
"A questão cujo conhecimento justificou a admissão de revista é a que se prende com a observância do princípio da imparcialidade no procedimento tendente à formação do contrato de adjudicação, através de ajuste directo, que aqui está em causa. Salvo melhor opinião, o acórdão sob censura não se poderá manter. A matéria em análise tem a ver com os critérios de selecção no âmbito da alternativa 1 a que alude o caderno de encargos. Em primeiro lugar, parece-nos ser de realçar que a circunstância de o art. 115° nº2, alínea b) do CCP, não exigir que do convite à apresentação da proposta conste o modelo de avaliação não pode significar que seja admissível, já após serem conhecidas as propostas, estabelecer as pontuações dos concretos elementos a valorar dentro de cada critério. A isso se opõe o princípio da imparcialidade consagrado no art°266° n°2 da CRP e no art°6° do CPA, intrinsecamente conexionado, na contratação pública, com o princípio da transparência, expressamente consagrado no art°1° do CCP. Se é certo que, em relação à pontuação em abstracto dos critérios de selecção numa escala de 0 a 100, não vemos reparos a fazer, aliás na linha da jurisprudência deste STA sobre a matéria de que é exemplo o acórdão do Tribunal Pleno de 2005.10.06, no processo n°227/04, o mesmo já não se dirá relativamente à pontuação que, dentro do critério «manutenção correctiva», foi atribuída a cada um dos aspectos que a integram, do seguinte modo: - Valor hora, de 0 a 30 pontos, tendo por base o valor hora mais baixo: - Despesas de deslocação, de 0 a 10 pontos, tendo por base o valor mais baixo; - Subsídio de alimentação, de 0 a 10 pontos, tendo por base o valor mais baixo; - Tempo máximo de resposta, de 0 a 50 pontos, atribuídos da seguinte forma: - Igual ou inferior a 1hora - 50 pontos: - Igual ou inferior a 2 horas -40 pontos; - Igual ou inferior a 3 horas - 30 pontos; - Igual ou superior a 4 horas -20 pontos. A pontuação destes aspectos já revela um certo grau de concretização relativamente a unidades estanques, que tem o expoente máximo na pontuação dos tempos de resposta, pontuação que, será legítimo concluir, poderia ter sido ditada pelo conhecimento das propostas. É que a maior ou menor valoração atribuída a cada um dos aspectos acabados de referir e o modo de valorar não é indiferente para a classificação final da proposta. Alega a recorrente na sua petição que «os critérios e as pontuações definidas no Relatório Preliminar revelam bem que o Júri já conhecia as propostas» e que «exemplo claro é o tempo máximo de resposta em sede de manutenção correctiva, onde para igualarem os concorrentes definiram apenas os tempos até 3 horas e acima das 4 horas, para que a ora recorrente não tirasse proveito da situação» (arts. 26° e 27°). Ainda que tal não tenha acontecido, será de dar por violados os princípios da transparência e da imparcialidade, já que basta o facto de, como ocorre neste caso, a actuação do júri configurar, segundo critérios de razoabilidade, o perigo de favorecimento de determinada proponente - cfr., por todos, o acórdão do Tribunal Pleno de 2003.10.01, no processo n°48035. Nestes termos, emitimos parecer no sentido do provimento da revista".
No douto acórdão do TCAN foram dados como assentes os seguintes factos:
1- Com data de 21 de Maio de 2009 a autora foi convidada para apresentação de uma proposta referente a - solução de Comunicação Integral Ajuste Directo nº 740197/2009 - (fls. 17 do processo físico e fls. 5 b) do PA).
2 - Ao concurso em causa corresponde o Programa de Concurso e o Caderno de Encargos, referente ao ajuste directo nº 740197/2009 constantes do PA fls. 6-29, que aqui se dão como integralmente reproduzidas.
3- No caderno de encargos consta no seu artigo 7º os critérios de selecção, vindo discriminados, para as três alternativas, os critérios a ter em conta. Assim para a alternativa 1, constam como factores: 1º Características técnicas (40%); 2º Preço (40%); 3º Valor da retoma (5%) e 4º Manutenção correctiva (15%). Este último divide-se nos seguintes subfactores: Valor hora; Despesas de deslocação; Subsídio de alimentação e Tempo máximo de resposta.
4- Foi elaborado relatório preliminar, com data de 13 de Julho de 2009, que concluiu que o Júri propõe a adjudicação das alternativas 1 e 2 ao concorrente D... (fls. 51/54. e fls. 40/43 do PA que aqui se dão como inteiramente reproduzidas).
5- A entidade demandada procedeu à audiência prévia, nos termos do artigo 123º do Código dos Contratos Públicos (fls. 50).
6- A autora respondeu à audiência prévia, de acordo com o referido a fls. 55 e segs., tendo a entidade demandada apreciado a sua reclamação (fls. 71 e segs.).
7- A entidade demandada após audiência prévia procedeu a correcções na análise das propostas como consta de fls. 73 e segs. do PA.
8 - Foi elaborado relatório Final tendo o Conselho de Administração por deliberação datada de 1 de Setembro de 2009 deliberado adjudicar à concorrente D... o concurso em causa (fls. 79 do PA).
9- A decisão de adjudicação foi comunicada à autora com data de 4 de Setembro de 2009 (fls. 78).
10- Foi junto pela entidade demandada dossier contendo as características técnicas da Central Telefónica proposta pela contra-interessada que ficou em primeiro lugar, constando da mesma que os utilizadores podem ascender a 236 (fls. 181 e segs.).
Fixados que foram estes factos passamos a ver se procedem as críticas desferidas pela recorrente ao acórdão do TCAN.
No acórdão do STA de admissão do presente recurso escreveu-se: "A questão que a recorrente suscita como justificativa da admissão do recurso de revista excepcional - respeitante à observância do princípio da imparcialidade em procedimento concursal, tendente à formação de contrato de adjudicação, através de ajuste directo - é uma questão que assume relevância social de importância fundamental, face à frequência com que poderá colocar-se em matéria de reconhecida importância, como é o caso dos concursos públicos de contratação. Por outro lado, não se afigurando líquido que a situação dos autos seja coincidente com a que foi objecto de tratamento nos acórdãos deste S.T.A. citados na sentença do TAF e no acórdão recorrido, a decisão da questão colocada exige profundidade de análise e uso de raciocínios jurídicos suficientemente complexos para justificar a intervenção deste S.T.A., em ordem a contribuir para uma melhor aplicação do direito" (fls. 447 a 449 dos autos).
Passamos, então, a conhecer das conclusões A) a L) das alegações da recorrente e apurar se o princípio da imparcialidade foi violado por na hipótese de ajuste directo na contratação pública o júri quantificar os subfactores de selecção, depois de conhecidas as propostas.
No caso sub judice está posta em causa a violação do princípio da imparcialidade pela deliberação que adjudicou o contrato à B... porque a quantificação dos subfactores pelo júri foi feita já depois de este conhecer as propostas apresentadas.
Na hipótese de ajuste directo, estatui o artº 115º nº 2 al.b) do CCP que "quando for convidada a apresentar proposta mais de uma entidade, o convite deve também indicar «o critério de adjudicação e os eventuais factores e subfactores que o densificam, não sendo, porém, necessário um modelo de avaliação das propostas»".
Não obriga este preceito, ao contrário do que sucede com no artº 132º nº 1 al. n) do CCP relativamente ao concurso público, onde se obriga a indicação do modelo de avaliação no Programa de Concurso.
Ora, quando nos termos do artigo 122º do CCP foi elaborado o Relatório Preliminar, o júri para propor a ordenação das propostas teve que fundamentar porque procedeu a tal ordenação.
E procedendo com toda a transparência na referida ordenação das propostas, a Administração atribuiu no critério "manutenção correctiva" a pontuação que ia dar a cada um dos aspectos referidos em tal critério. Deste modo, os convidados para apresentar propostas ficaram a saber porque razão lhes foi dada determinada pontuação em tal critério.
A Administração ao proceder a esta valoração, a que não estava obrigada, ao invés do que defende a recorrente, só procurou fornecer aos apresentadores das propostas todos os elementos para que pudessem entender a razão de tal pontuação e a posterior reacção à mesma, no caso de ela ser portadora de qualquer vício.
Agindo a Administração com total transparência não se poderá defender que foi violado o princípio da imparcialidade, por a valoração em causa só ser apresentada depois do conhecimento do conteúdo das propostas.
Improcedem, face ao exposto, as conclusões A) a L) das alegações da recorrente.
Nas conclusões M) a P) das suas alegações defende a recorrente que ao indicarem prazos de garantia inferiores aos legalmente admissíveis, deviam ter sido rejeitadas as propostas da D... e da C..., pelo que, por ilegalidade deve ser anulado o acto recorrido, pelo que, nesta parte, a sentença recorrida deve ser revogada.
Para tanto sustenta que "na questão do prazo de garantia, a sentença recorrida não considerou devidamente o caderno de encargos, pois no art°15º do Caderno de Encargos é referido expressamente que "os concorrentes obrigam-se a indicar o prazo de garantia para todos os equipamentos, módulos ou solução propostos, durante este período do garantia a manutenção será gratuita", o que significa que a questão do prazo de garantia também foi posto à concorrência, ao contrário do que erradamente se refere na sentença recorrida (M). Só a autora A... aceita uma garantia de 24 meses da central por si proposta fornecer e as restantes concorrentes apenas aceitam uma garantia de 12 meses (N). Se se entender, como a decisão recorrida, que o prazo legal de garantia é sempre e só de 2 anos, como emerge do Dec. Lei nº67/2003, de 8 de Abril, então os concorrentes que apresentaram um prazo de garantia menor deviam ter sido excluídos, nos termos do art° 70°, nº2, al. b) do Código dos Contratos Públicos, segundo o qual "são excluídas as propostas cuja análise revele que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspectos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos a concorrência", pelo que não deviam ter sido aceites as propostas, quer da C..., quer da D... (O).
A recorrida B... quanto a esta matéria defendeu nas suas contra-alegações "que o prazo de garantia também foi posto á concorrência, ao contrário do que erradamente se refere na sentença recorrida, pelo que deviam ter sido rejeitadas as propostas da D... e da C... por indicarem prazos de garantia inferiores aos legalmente admissíveis. Na verdade, pretende a Recorrente que o prazo de garantia proposto pela A... seja excepcionalmente valorado por ser de 24 meses. Quanto a este argumento basta reiterar que o prazo de garantia também não é factor que densifique o critério de adjudicação definido pelo digníssimo júri. E ainda que, nos termos do artigo 444.° do Código dos Contratos Públicos, aplicável ex vi artigo 451° do mesmo diploma legal, o prazo de garantia que deverá ser cumprido legalmente é de 2 anos. Pelo que ter-se-á, obrigatoriamente, por não escrita, qualquer informação relativa ao prazo de garantia que, ainda que por lapso de escrita, conste de uma proposta apresentada no âmbito de um qualquer procedimento de contratação pública e que não corresponda aos critérios mínimos legalmente definidos. Assim se impõe que seja, ou não teria qualquer relevância a declaração que integra qualquer proposta apresentada no âmbito de um procedimento de contratação pública, prevista no artigo 57° n.º1, alínea a) do CCP, relativa à aceitação do conteúdo do caderno de encargos. Hipoteticamente, na verdade, apenas poderia ser valorada, o que não se verificou no presente procedimento, porque assim não ficou previamente definido - já que, como supra referido, o prazo de garantia não se traduz num factor que densifique o critério de adjudicação -, a concessão de um prazo de garantia adicional, considerados os 24 meses definidos por lei como o prazo mínimo aplicável à prestação de serviços e à venda de bens móveis. Não é por isso passível de ser anulada, por ilegalidade, a decisão de adjudicação impugnada, devendo ser mantido o Acórdão recorrido também nesta parte". (Pontos 59º a 65º).
Sobre este invocado vício escreveu-se no acórdão o seguinte: "Quanto à questão da garantia reitera a recorrente que a proposta da contra-interessada não dá a garantia de 2 anos o que se mostra satisfeito na proposta por si
apresentada. A este respeito dispõe o art° 15° do caderno de encargos que «os concorrentes obrigam-se a indicar o prazo de garantia para todos os equipamentos, módulos ou soluções propostos, durante este período de garantia a manutenção será gratuita». Porém, quanto a este aspecto, o júri considerou não ser o mesmo, um critério de selecção, uma vez que o período da garantia mínimo é definido pela própria lei. Com efeito, atento o disposto no art°444° do Código dos Contratos Públicos, aplicado quando está em causa a aquisição de bens móveis, o prazo de garantia destes é, legalmente, de 2 (dois) anos de acordo com n°5 do referido artigo e o disposto no DL. n°67/2003, de 08/04, que disciplina os aspectos relativos à venda de bens de consumo. Deste modo, e porque em caso de defeito, o fornecedor está sempre sujeito, por força da lei, ao prazo mínimo de garantia de 2 anos, é inócuo que tenha sido apresentado na proposta um prazo de garantia inferior, nem constituindo tal facto motivo para exclusão da proposta. O que podia suceder era terem sido apresentados prazos superiores de garantia ao legalmente previsto e aí sim poderiam ser valorados, mas como se deixou expresso não isso que in casu sucedeu, até porque esta questão nem sequer foi colocada à conc0rrência".
Começamos por transcrever o artº15º do Caderno de Encargos:
Art° 15° Manutenção e garantia
Os concorrentes obrigam-se a indicar o prazo de garantia para todos os equipamentos, módulos ou solução propostos, durante este período de garantia a manutenção será gratuita.
Os concorrentes apresentarão uma descrição do contrato de manutenção que propõem uma vez terminado o período de instalação e garantia. Nesta descrição deverão constar os tempos de actuação, as formas de actuação e os preços estimados do mesmo, assim como o cálculo para a sua actualização anual.
Considera-se manutenção as acções efectuadas pelo adjudicatário tendentes a manter ou repor as boas condições de funcionamento do equipamento incluindo revisões preventivas, reparações de avarias e substituição de peças ou equipamento defeituoso, bem como, de todos os materiais e peças de consumo relacionadas com o funcionamento do equipamento.
A manutenção terá lugar normalmente nas instalações onde o equipamento será instalado, podendo o adjudicatário retirar peças do equipamento para as suas oficinas quando entenda não ser viável a reparação no local, com conhecimento e autorização prévios.
Manutenção preventiva: as revisões preventivas Incluem todos os serviços necessários para manter o equipamento nas boas condições.
Manutenção correctiva: entende-se todo o serviço tendente a eliminar urna situação de paragem, por deficiente funcionamento que poderá implicar ou não a substituição de peças ou de equipamento, por outro sobressalente.
O prazo de garantia neste tipo de contratos é de dois anos. Na verdade, segundo o artº 444º nº 1 do Código dos Contratos Públicos "é aplicável, com as necessárias adaptações, aos contratos regulados no presente capítulo o disposto na lei que disciplina os aspectos relativos à venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas no que respeita à responsabilidade e obrigações do fornecedor e do produtor e aos direitos do consumidor".
Ora, nos arts. 397º nº 2 al. c) do CCP (aplicável por remissão) e 5º nº 1 do DL. nº 67/2003, de 8/4 (regime geral de garantia do consumidor) é fixado o prazo de dois anos de garantia para o material adquirido.
É certo que o artº 15º do Caderno de Encargos se diz que "os concorrentes obrigam-se a indicar o prazo de garantia para todos os equipamentos, módulos ou solução propostos, durante este período de garantia a manutenção será gratuita". Mas tem de entender-se que impondo a lei o prazo mínimo de dois anos nada obsta a que as entidades apresentadoras das propostas não ofereçam um prazo maior, menor é que não pode ser por violar aqueles preceitos (arts. 397º nº 2 al. c) do CCP e 5º nº 1 do DL. nº 67/2003).
Neste sentido tem de ser entendido o artigo 15º do Caderno de Encargos.
Só que a recorrida B... na sua proposta apenas ofereceu um prazo de garantia de 12 meses para o material a fornecer.
Quais as consequências desta discrepância?
O Caderno de Encargos, segundo o artigo 42º nº 1 do CCP "é a peça do procedimento que contém as cláusulas a incluir no contrato a celebrar". Este conceito não difere do vertido nos DL. nºs 55/95 e 405/93.
O Caderno de Encargos é o documento onde constam, fundamentalmente, os termos do contrato ou acto a que o concurso tende, destinando-se a fazer parte integralmente dele (Esteves de Oliveira e Rodrigo de Oliveira, Concursos e outros procedimentos de adjudicação administrativa, pág. 139).
Não diverge muito o conceito de caderno de encargos que nos é fornecido Margarida Olazabal Cabral ao defini-lo como "uma pré-definição por parte da Administração dos termos do contrato". E, no seguimento deste conceito, continua a mesma autora a dizer que "estes (os termos do contrato) não serão objecto de conversações entre as partes mas antes impostos unilateralmente....(págs. 153/154).
É verdade que no Caderno de Encargos se refere apenas que "os concorrentes se obrigam a indicar o prazo de garantia para todos os equipamentos, módulos ou solução propostos, durante este período de garantia a manutenção será gratuita".
Porém, tem de entender-se este prazo de garantia terá pelo menos a duração de dois anos que é a legalmente obrigatória.
Aliás, como refere o acórdão recorrido " o fornecedor está sempre sujeito, por força da lei, ao prazo mínimo de garantia de dois anos, é inócuo que tenha sido apresentado na proposta um prazo de garantia inferior, nem constituindo tal facto motivo para exclusão da proposta" (fls. 361).
Todavia, a proposta escolhida apenas oferece uma garantia de 12 meses no do material a fornecer.
Ora diz-se no artº 11º nº1 do Programa de Concurso que "na proposta o concorrente manifesta a sua vontade e indica as condições em que se dispõe a fazê-lo".
E no artº 13 al. d) do mesmo Programa de Concurso estatui-se que "são excluídas as propostas cuja análise revele que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações ou regulamentares aplicáveis".
E a adjudicação vem definida no artº 18º nº 1 do mesmo Programa de Concursos como sendo "o acto pelo qual o órgão competente para a decisão de contratar aceita a única proposta apresentada ou escolhe uma entre as propostas apresentadas".
Em suma, o caderno de encargos contém as cláusulas jurídicas e técnicas, gerais e especiais, a incluir no contrato a celebrar, enquanto o Programa de Concurso é o regulamento do concurso. O caderno de encargos destina-se a especificar os termos do contrato que o concurso tem em vista. Segundo autores o caderno de encargos constitui parte integrante da declaração negocial pela qual a entidade adjudicante convida os interessados a apresentarem as suas propostas e define parte dos termos do futuro contrato (Margarida Olazabal Cabral, ob. cit., pág. 246).
Sendo assim, o caderno de encargos não pode violar o que consta do Programa de Concurso, onde estão as normas que regem o concurso em causa.
A proposta apresentada pela B... ao não cumprir o legalmente estatuído quanto ao prazo da garantia viola o disposto arts. 397º nº 2 al. c) do CCP e 5º nº 1 do DL. nº 67/2003, pelo que devia ter sido excluída nos termos do art.18º al. d) do Programa de Concurso e 70º nº 2 als. b) e f) do CCP..
Sendo a adjudicação o acto administrativo que põe fim ao processo concursal e define a situação jurídica dos concorrentes em relação ao dono da obra e a cada um dos concorrentes entre si (Acs. do STA de 9/3/1999-rec. nº41612, de 19/12/2000-rec. nº 31791e de 22-04-2004-rec. Nº 046764), este pode ser impugnado contenciosamente tendo por base qualquer erro no processo de formação.
No caso dos autos foi violada a disposição legal que fixava o prazo mínimo de dois anos da garantia dos bens a fornecer, pelo que o acto de adjudicação tal como a recorrente defende encontra-se inquinado com tal vício de violação de lei, o que conduz à sua anulabilidade. Ao não dar este vício como provado o acórdão recorrido violou as disposições legais acabados de referir, pelo procedem as conclusões M) a P) das alegações da recorrente.
Nas conclusões Q) a T) vem defender a recorrente que o acórdão recorrido viola o artº 60º nº 2 do Código dos Contratos Públicos por não ter sido considerado o valor de 8.370€90 que a recorrente indicou por extenso.
Não lhe assiste qualquer razão.
Analisando o decidido pelas instâncias apura-se que o mesmo não merece qualquer censura.
Na verdade, verifica-se que a recorrente propôs o montante referido de 8.370€90 se o pagamento fosse efectuado a 30 dias e de 9301€00 se o pagamento ultrapassasse os 30 dias. Ou seja, como se refere na proposta apresentada pela recorrente se o preço fosse pago para além do prazo de 30 dias o mesmo seria de 9301€00, se fosse pago dentro do prazo de 30 dias, sofreria um desconto de 10%, importando nessa altura em 8.370€90.
Aqui secunda-se o que foi decidido na 1ª instância, e que foi acolhido no acórdão recorrido, quando se refere que "da análise dos mapas comparativos das propostas verifica-se que o preço da proposta apresentada pela autora (ora recorrente, acrescentamos agora nós) ascende a 9301€00 enquanto a da contra-interessada ascende a 8454€70. Refere a autora que o valor da sua proposta, a 30 dias, seria inferior em 10%00, pelo que não estarão correctos os dados referidos pelo júri do concurso. A questão da oscilação do valor da proposta, conforme a data do pagamento, não foi posta à concorrência pelo que, sob pena de distorcer a mesma, tal facto não pode ser relevado pelo júri. A autora teria de apresentar uma proposta e não uma proposta com variantes. Não havendo parâmetros iguais, não pode haver equiparação das propostas. As propostas apresentadas pelos outros concorrentes eram a 30 dias ou mais. Como se iria comparar a proposta da autora se os outros concorrentes não estavam obrigados a graduar a sua proposta conforme o prazo de pagamento? Pelo exposto se conclui que o júri não fez errada interpretação ao ter considerado como valor da proposta da autora o valor sem o desconto."
Assim, o júri de concurso ao ter em conta o valor de 9301€00 apresentado pela recorrente sem o desconto de 10%, relativo ao pagamento em 30 dias, não elaborou em erro nos pressupostos de facto nem de direito, tal como foi decidido no acórdão recorrido.
Improcedem, por isso, estas conclusões das alegações da recorrente.
Finalmente, nas conclusões U) a X) das alegações vem defendido que o acto impugnado sofria de falta de fundamentação, pelo que ao não ser dado como provado este vício, o acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 6º e 125º nº 1 do CPA
Para tanto sustenta que "não são indicadas as razões das notações atribuídas aos diferentes concorrentes, nomeadamente em sede de características técnicas" (maxime conclusão V).
Nas suas alegações densifica mais a sua posição para a existência de falta de fundamentação do acto impugnado ao referir que "para classificar os concorrentes para aplicação de um factor - Características Técnicas - o júri, relativamente à proposta da ora recorrente apenas escreveu «quanto ao concorrente A..., propõe uma solução capaz e interessante mas sem se evidenciar relativamente aos outros concorrentes»".
Numa primeira análise, face a este enunciado sobre as características técnicas da proposta apresentada pela recorrente, não se ficaria a saber, em concreto, quais as razões que levaram a Administração a tomar aquela decisão.
Só que estas considerações não podem ser analisadas fora do contexto onde as mesmas se inserem.
É que quanto às características técnicas consta do relatório do júri, onde se insere o acto impugnado, o seguinte: "Características Técnicas - decidiu-se pontuar este item de 0 a 100 pontos. Todas as propostas analisadas vinham de encontro com o solicitado no caderno de encargos. As características técnicas das centrais telefónicas propostas pelos concorrentes C... e D... são idênticas, no entanto o que as diferencia é mais um acesso básico e 4 extensões analógicas no caso da solução proposta pela D.... Em contrapartida os telefones digitais propostos pelo concorrente C... são superiores aos da D.... Quanto ao concorrente A..., propõe uma solução capaz e interessante mas sem se evidenciar relativamente aos outros concorrentes".
Perante este quadro de características técnicas das propostas apresentadas por todos os concorrentes, em que nenhuma se evidencia relativamente a outras, foram todas as propostas e quanto às características técnicas, equitativamente, pontuadas com 90 pontos.
E não se diga que a recorrente não conhecia bem as características técnicas das outras propostas, pois a mesma as analisa detalhadamente, comparando-as, na sua resposta feita ao abrigo do disposto no artº 123º do CCP (fls. 55 a 70), resposta esta que por sua vez mereceu a resposta da Administração de fls. 72 a 77) e onde é explicada a pontuação atribuída à sua proposta relativamente às outras face em função das características técnicas por todas apresentadas.
Sabia, pois, a recorrente muito bem quais as razões que levaram o autor do acto a decidir no sentido em que decidiu, ou seja, a dar uma pontuação igual a todas as propostas quanto às características técnicas.
É que, como este STA tem uniformemente decidido, "a fundamentação é um conceito relativo, variável em função do tipo de acto e das circunstâncias concretas da decisão e o que importa é que o destinatário imposto pela ordem jurídica possa entender as razões daquela" (Ac. de 3/7/2001 - rec. nº 45 058.
No caso dos autos há que olhar a fundamentação mais do que numa visão formalista, numa visão de índole substancialista em que mais do que uma dimensão discursiva e justificatória há que considerar a natureza procedimental do acto, acentuando-se "o carácter heterogéneo do material fundamentante - discursos-observações, factos, normas - logo tudo aquilo que possa explicar a decisão tomada..., a suficiência da fundamentação identifica-se com a suficiência de todo o material justificativo em que se apoia a decisão tomada" (Colaço Antunes, in Para um Direito Administrativo de garantia do Cidadão e da Administração, fls. 18 e 19).
A recorrente face a toda a sua intervenção no procedimento concursal ficou a saber quais os motivos levaram àquela pontuação das características técnicas de todas as propostas, incluindo a sua, e não a outra. E tanto conhecia a fundamentação que por isso a entendeu e a impugnou.
Improcedem, por isso, as conclusões U) a X) das alegações da recorrente.
Em concordância com tudo o exposto, julgando-se improcedentes todas as conclusões das alegações da recorrente, com excepção das conclusões M) a P), viola, por isso, a deliberação do Conselho de Administração do Hospital do Arcebispo João Crisóstomo, que adjudicou à D... a aquisição de uma solução de comunicação integral os arts. art° 70°, nº 2, al. b) e 397º nº 2 al.c) ambos do Código dos Contratos Públicos e 5º nº1 do DL. nº 67/2003, de 8/4, vício este que não foi dado como verificado no acórdão recorrido, pelo que, nestes termos, se concede provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se o acórdão recorrido e a sentença da 1ª instância e concedendo-se provimento à acção administrativa, anula-se o acto impugnado pelas razões apontadas.
Custas em todas as instâncias pela ora recorrida.
Lisboa, 2 de Novembro de 2010. - Américo Joaquim Pires Esteves (com declaração de voto que junto) (relator) - António Bernardino Peixoto Madureira - António Políbio Ferreira Henriques.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Na hipótese de ajuste directo, estatui o artº 115º nº 2 al. b) do CCP que "quando for convidada a apresentar proposta mais de uma entidade, o convite deve também indicar «o critério de adjudicação e os eventuais factores e subfactores que o densificam, não sendo, porém, necessário um modelo de avaliação das propostas»".
Temos assim que, no caso dos autos, a entidade adjudicante não estava obrigada além dos critérios de adjudicação e factores e subfactores a indicar mais nada.
E se assim fosse, a valoração dos vários factores e subfactores seria a indicada na fundamentação e por aí se verificariam as possíveis ilegalidades do acto de adjudicação relativamente à valoração dos factores e subfactores.
Só que a entidade adjudicante entendeu por bem, e após conhecer as propostas apresentadas, dentro do factor "manutenção correctiva" proceder à pontuação dos subfactores: valor/hora, despesas de deslocação, subsídio de alimentação e tempo máximo de resposta.
E aqui é que reside o problema. A entidade adjudicante não estava obrigada a elaborar aquela grelha valorativa mas elaborou-a.
Pois, se a elaborou tem que se sujeitar às suas consequências.
E quais são?
Não podemos fugir muito da disciplina do que sucede nos outros tipos de procedimento para a formação de contratos onde se exige os factores e subfactores e a respectiva escala de pontuação (artº 132º nº 1 al. n) do CCP, relativamente ao concurso público).
E várias são as razões que nos levam a tomar esta posição.
Uma, é que o ajuste directo, lá por ter uma forma simplificada, não deixa de ser um dos tipos de procedimento para a formação de contratos. E nos procedimentos desta natureza deve a Administração proceder com toda a transparência e cumprimento de todos os princípios procedimentais enunciados nos arts. 6º a 12º do CPA).
Depois, é a própria lei que chama às entidades adjudicatárias apresentadoras de propostas de concorrentes (arts. 119º, 120º nºs. 1, 2, 3, 4 e 5, 121º, 122º nº3, 123º nºs 1 e 2, 124º nºs 1 e 2, 125º nº2, todos do CCP). Sinal que para o legislador o ajuste directo não deixa de ter também a natureza concursal.
Ainda se dirá que quando no artº 1º nº 4 do CCP se refere que "à contratação pública são especialmente aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência", também aqui está contemplado o ajuste directo que como já se disse é um dos tipos de procedimento legalmente previsto para a formação de contratos públicosº1 al.a) do mesmo diploma legal.
Apurado que à hipótese dos autos se aplica o regime descrito, relativo ao concurso público, cabe perguntar se a fixação da escala da pontuação dos subfactores após o conhecimento das propostas viola o princípio da imparcialidade?
Apurado que à hipótese dos autos se aplica o regime descrito, relativo ao concurso público, cabe perguntar se a fixação da escala da pontuação dos subfactores após o conhecimento das propostas viola o princípio da imparcialidade?
Mas o que deve entender-se por imparcialidade?
Enuncia o artº 266º da Constituição da República Portuguesa os princípios gerais pelos quais a Administração Pública se deve nortear.
Assim, no nº 1 refere-se que "a Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos". No nº 2 seguinte acrescenta-se que "os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé".
Para Vieira de Andrade "a actividade administrativa será imparcial sempre que as decisões respectivas sejam determinadas exclusivamente com base em critérios próprios, adequados ao cumprimento ao cumprimento das suas funções específicas no quadro da actividade geral do Estado, e na exacta medida em que os critérios não sejam substituídos ou distorcidos por influência de interesses alheios à função, sejam estes interesses pessoais do funcionário, interesses de indivíduos, de grupos sociais, de partidos políticos, ou mesmo interesses políticos concretos do Governo" (A Imparcialidade da administração como princípio constitucional, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. L - 1974, págs. 219 e ss.).
O princípio da imparcialidade, nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira, "respeita essencialmente às relações entre a Administração pública e os particulares, podendo circunscrever-se a dois aspectos fundamentais: (a) o primeiro, relacionado com os princípios constitucionais consagrados no nº1, consiste em que, no conflito entre o interesse público e os interesses particulares, a Administração deve proceder com isenção na determinação da prevalência do interesse público, de modo a não sacrificar desnecessária e desproporcionadamente os interesses particulares (imparcialidade na aplicação do princípio da proporcionalidade); (b) o segundo refere-se à actuação da Administração em face dos vários cidadãos, exigindo-se igualdade de tratamento dos interesses dos cidadãos através de um critério uniforme de prossecução do interesse público. O princípio da imparcialidade, que se relaciona, embora não se confunda, com o princípio da igualdade, deve, por outro lado, distinguir-se do princípio da neutralidade, pois a Administração não pode conceber-se como neutral em relação à prossecução do interesse público. A garantia da imparcialidade da Administração implica, entre outras coisas, o estabelecimento de impedimentos dos titulares de órgãos e agentes administrativos para intervirem em assuntos em que tenham interesse pessoal, directo ou indirecto" (CRP Anotada, 3ª edição revista, pág. 925).
Neste mesmo sentido, vão Jorge Miranda e Rui Medeiros, quando escrevem que "o princípio da imparcialidade impõe, de um lado, à Administração Pública, na prossecução dos específicos interesses públicos legalmente definidos, um tratamento equitativo de todas as partes envolvidas, impedindo os seus órgãos ou agentes de favorecer amigos e/ou prejudicar inimigos, bem como proibindo-os de intervir em procedimentos onde se pode suspeitar que tenham comportamentos de favorecimento ou de prejuízo, concretamente procedimentos onde possam ter interesses pessoais ou familiares (garantias de imparcialidade do procedimento); de outro, o princípio impõe à Administração Pública que pondere todos os interesses envolvidos na decisão, não deixando interesses por analisar, impondo ainda, nessa ponderação, a utilização de critérios objectivamente válidos, de tudo dando completo esclarecimento através da fundamentação expressa da decisão. O uso de critérios objectivamente válidos na decisão faz coincidir, nesta parte, o princípio da imparcialidade com o princípio da igualdade" (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, pág. 566).
Segundo Maria Teresa de Melo Ribeiro, o princípio da imparcialidade traduz-se na prossecução objectiva, exclusiva e transparente do interesse público definido por lei, através da ponderação de todos os interesses públicos e privados juridicamente relevantes na situação a conformar (O Princípio da Imparcialidade da Administração Pública, pág. 161).
Assim, a Administração Pública, no cumprimento deste princípio deve, em primeiro lugar, ser objectiva, quer no procedimento, quer na escolha dos meios destinados à satisfação das necessidades públicas, objectividade na decisão, objectividade na execução, objectividade na organização.
Mas além de objectiva, a Administração Pública deve prosseguir apenas o interesse público, pelo que deve haver exclusividade na prossecução deste interesse, não prosseguindo a satisfação de interesses privados, seja qual for a natureza destes.
Além destes dois corolários (objectividade e exclusividade), a imparcialidade tem ínsito um terceiro, que é o da isenção. Por imposição desta, a imparcialidade exige o distanciamento das autoridades administrativas em relação aos interesses prosseguidos, afastando a existência de interesses pessoais na sua realização e garante o exercício desinteressado da função administrativa. Da imparcialidade como isenção resulta para a Administração Pública a proibição de praticar actos ou tomar decisões sobre assuntos em que esteja pessoalmente interessada, directa ou indirectamente, e, consequentemente, o dever de se abster de intervir no procedimento, acto ou contrato administrativo em causa.
Um outro corolário da imparcialidade (o 4º nesta enunciação) é o da independência, ou seja, na prossecução do interesse público devem estarem afastados todos os interesses alheios que lhe são alheios. Assim, imparcialidade significa independência perante os interesses privados, individuais ou de grupo, independência perante os interesses partidários e independência perante os concretos interesses políticos do Governo.
Impõe, ainda, a imparcialidade a neutralidade da Administração Pública.
Segundo Baptista Machado, "o Estado é neutro, se na resolução de qualquer conflito de interesses, assume uma posição valorativa de simultânea e igual consideração de todos os interesses em presença" Participação e descentralização, pág. 145).
Neutralidade tem, assim, subjacente uma equidistância entre as partes com interesses conflituantes.
Finalmente, um outro corolário da imparcialidade é a transparência da Administração no exercício das suas funções. A transparência administrativa garante, por um lado, que não haja segredo administrativo que isola a Administração e não a deixa comunicar (cfr. Colaço Antunes, Mito e Realidade da Transparência Administrativa, pág. 3) e por outro, destina-se "a assegurar a protecção da confiança dos cidadãos numa Administração Pública imparcial e a garantir, simultaneamente, a imagem e bom nome da Administração, deste modo, não basta que a Administração seja efectivamente imparcial na prossecução do interesse público, é necessário que os cidadãos acreditem na efectividade dessa imparcialidade e só uma Administração Pública transparente consegue criar nos particulares essa confiança" (cfr. Teresa Melo Ribeiro, ob. cit., págs. 191 e ss., obra que se seguiu de perto).
Como refere António Francisco de Sousa "a transparência desempenha o papel importantíssimo de pára-fogo e protecção da imparcialidade. A transparência contribui decisivamente para assegurar a boa imagem e o bom-nome da Administração Pública, gerando confiança nos cidadãos que com ela se relacionam (incluindo os que nela trabalham).
Ao impedir ou dificultar substancialmente actuações parciais, a transparência previne situações de violação do princípio da imparcialidade. A falta de transparência equivale a um manto que oculta a actuação administrativa e que levanta a suspeita de falta de imparcialidade. Se não há transparência, não há «aparência de imparcialidade», mas suspeita de parcialidade" (Direito Administrativo, pág. 342).
A imparcialidade deve, pois, ser entendida como comando de tomada de consideração e ponderação, por parte da administração, dos interesses públicos e privados relevantes para cada concreta actuação sua (Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 2ª ed., pág. 213).
Assim, já este STA (TP) defendia que "o princípio da imparcialidade significa que a Administração Pública deve tomar decisões determinadas exclusivamente com base em critérios próprios, adequados ao cumprimento das suas funções específicas no quadro da actividade geral do Estado, não tolerando que tais critérios sejam substituídos ou distorcidos por influência de interesses alheios à função, sejam estes interesses pessoais do funcionário, interesses de indivíduos, de grupos sociais, de partidos políticos, ou mesmo interesses políticos concretos do Governo. Ou, numa formulação mais sintética, o princípio da imparcialidade impõe que os e agentes administrativos ajam de forma isenta e equidistante relativamente aos interesses em jogo nas situações que devem decidir ou sobre as quais se pronunciem sem carácter decisório". (Ac. de 16/11/1995, in AD. nº411, pág. 372 e ss.)
Para a prossecução do interesse público a Administração Pública desenvolve uma actividade administrativa que essencialmente consiste em elaborar normas jurídicas (regulamentos), praticar actos jurídicos sobre casos concretos (actos administrativos) e celebrar contratos de vários tipos (contratos administrativos) (cfr. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. 1º, 2ª ed., pág.235; Marcelo Caetano, Manual, Vol. 1º, 10ª ed., pág.79; Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 2ª ed., pág. 42).
Ora, a imparcialidade "deve ter um lugar enorme no seio dos princípios gerais da actividade e do procedimento administrativo (Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco Amorim, in CPA, Comentado, 2ª ed., pág. 107).
Tal é a importância deste princípio que alguns autores o qualificam como um princípio de 1º grau (cfr. Melo Alexandrino, in O Procedimento Pré-contratual nos Contratos de Empreitada de Obras Públicas, 85).
O princípio da imparcialidade consagrado no nº 2 do artigo 266º da C.R.P. obriga a Administração, nas suas relações com os particulares, à igualdade de tratamento dos interesses dos cidadãos, através de um critério uniforme de prossecução do interesse público (Ac. do TP de 11/2/1993-rec. nº 25411).
Deve, pois, a Administração Pública nortear-se pela imparcialidade no exercício da sua actividade administrativa (actos administrativos, regulamentos e contratos administrativos).
A aplicação do princípio da imparcialidade à actividade pré-contratual já resultava do revogado artigo 181º do Código do Procedimento Administrativo que mandava aplicar à formação dos contratos, com as necessárias adaptações, as disposições do CPA relativas ao procedimento administrativo e hoje é imposto pelo artigo 1º nº 4 do Código dos Contratos Públicos (aprovado pelo DL. nº 18/2008, de 29/1) que refere que "à contratação pública são especialmente aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência".
Hodiernamente, a actividade contratual está num contínuo crescendo devendo-se tal facto, por um lado, ao alargamento do campo do interesse público, devido às constantes necessidades dos cidadãos que o Estado Social ou de Providência tem de satisfazer sendo-lhe, por isso, conferidas novas atribuições para esse fim e, por outro, à diversificação das próprias espécies de contrato a que a Administração recorre (neste sentido: Maria João Estorninho, in Contratos da Administração Pública, pág. 43).
Ora, o princípio da imparcialidade (ou da impessoalidade como lhe chama a constituição brasileira), tem especial relevo prático no domínio dos concursos públicos.
Segundo Esteves de Oliveira e Rodrigo de Oliveira "o princípio da imparcialidade é, nos procedimentos adjudicatórios, um princípio de valor reforçado, de observância estrita por parte da entidade adjudicante (ou de qualquer comissão ad hoc). Levar à apreciação duma candidatura ou duma proposta interesses alheios à escolha do melhor concorrente ou proposta como afinidades políticas ou outras similares, simpatias ou referências locais ou regionais, conhecimentos pessoais ou antigos, etc. - é fazer padecer a respectiva avaliação do vício de imparcialidade. Claro que, muitas vezes, a imparcialidade, submergida pela sua confluência com o princípio da igualdade, nem vem «à tona»: privilegiar ou desprezar um concorrente (por consideração ou atenção a interesses ou valores concursalmente irrelevantes ou, pelo menos, não recebidos ou plasmados naquele procedimento) configurará, a maior parte das vezes, uma desigualdade de tratamento, manifestada nos actos diferentes que se praticarem face a ele e a outros concorrentes. Mas, se o princípio da igualdade não puder levar-nos facilmente à invalidação de tais actos - pode, por exemplo, tratar-se de formalidades diferentes aquelas que não foram cumpridas por um concorrente "preferido" e por outro "menosprezado" -, aí estará o princípio da imparcialidade a impor (com a mesma força com que o impõe nos casos acima citados o princípio da igualdade) a invalidação do acto de favorecimento ou desfavorecimento parcial de um concorrente. Para prevenir violações do princípio da imparcialidade - violações, muitas vezes, fáceis de escamotear e esconder - vigora qualificadamente no direito concursal, além do princípio da publicidade, o princípio da transparência (confluente, de resto, com todos os principais princípios deste tipo de procedimentos). A transparência não se realiza aqui apenas através do princípio da publicidade - embora este contribua significativamente para ela se poder realizar (e sindicar). Mas transparência é também, por exemplo, dar garantias que os sobrescritos da proposta (sobretudo eles), enquanto não forem abertos e verificados pela comissão, estão convenientemente guardados e inacessíveis - senão mesmo exigir que sejam sempre confiados a uma autoridade que dê garantias quanto a matéria, seja, por exemplo, o Ministério Público ou outra entidade alheia ao concurso (com atribuições próximas), eventualmente, até, ao órgão director da entidade adjudicante, em suma alguém que vele por eles como fiel depositário. Transparência (e proporcionalidade) é dar um tempo razoável, no acto público do concurso, para consulta das propostas e sua documentação, correspondente ao número e tamanho delas aos objectivos que se têm em vista em cada fase. Transparência é designar formal e antecipadamente quem são os membros das comissões de abertura e de avaliação das propostas. Transparência é fazer tudo (quanto possível) na presença dos interessados, metodicamente e sem pressas, para não calar as suas reacções e intervenções (pertinentes) e permitir-lhes o tempo (que não pode ser muito, claro) para decidirem e fundamentarem minimamente as suas opções sobre as posições concursais próprias e de outros concorrentes. Transparência é, finalmente, decidir e fixar (senão comunicar), antes de analisar as propostas, quais são os valores ponderados dos diversos critérios de adjudicação e os micro critérios em que se desdobrará a apreciação de cada um deles e manifestá-lo formalmente (pelo menos, em acta devidamente autenticada)" (Concursos e Outros Procedimentos da Adjudicação Administrativa, págs. 121 e segs.).
À observância destes princípios da transparência e da publicidade por parte da Administração Pública se refere também Maria João Estorninho (in Contratos da Administração Pública, pág. 127).
Aliás a nível comunitário devem as Instituições Comunitárias orientar-se pela transparência (cfr. Tratado de Direito Administrativo Especial, Vol. I, pág.481, Coordenação de Paulo Otero e de Pedro Gonçalves).
É que a Administração, no acto de escolha do co-contratante, está sujeita à directiva teleológica consubstanciada no fim do contrato em causa, ou seja, de seleccionar a proposta e o concorrente que melhor realiza o interesse público que lhe cumpre prosseguir (cfr. Parecer da Procuradoria Geral da República de 20/3/1996, in DR, 2ª Série, nº 224, de 26/9/1996, págs. 13512 e ss).
Na verdade, no concurso público não se pretende apurar uma qualquer proposta, mas a proposta mais vantajosa para o contraente público e para o interesse público. Por isso, nem é necessário que a lei diga que a adjudicação será efectuada a favor da proposta mais vantajosa, porque é essa a função essencial do concurso (cfr. Fausto Quadros, O Concurso Público na Formação do Contrato Administrativo, pág. 718).
Assim, e de acordo com a jurisprudência, viola o princípio da imparcialidade a entidade que, num concurso de concessão de exploração, "extinto já o prazo de apresentação das propostas, convida um dos candidatos a esclarecer a sua e por esse meio lhe faculta a oportunidade de aditar novos elementos com que a torna mais competitiva e depois concede preferência a essa proposta, determinada pelos elementos aditados" (Ac. do STA de 28/9/1993, in AD, 389, 516) e viola também o princípio da imparcialidade a entidade que divulgue os critérios a aplicar na decisão depois de conhecer as propostas apresentadas pelos candidatos (Ac. do STA de 11 de Outubro de 2006).
Em suma: duas são as vertentes que pode revestir o princípio da imparcialidade. A vertente negativa que impede que os titulares de órgãos e os agentes da Administração Pública estão impedidos de intervir em procedimentos, actos ou contratos que digam respeito a questões do seu interesse pessoal ou da sua família, ou de pessoas com quem tenham relações económicas de especial proximidade, a fim de que não possa suspeitar da isenção rectidão da sua conduta (cfr. arts. 44º a 51º do CPA). A vertente positiva impõe um dever á Administração de ponderar todos os interesses públicos secundários e os interesses privados equacionáveis para o efeito de certa decisão antes da sua adopção (Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. 2º, págs. 139 e ss.).
Nesta vertente, devem considerar-se parciais os actos ou comportamentos que manifestamente não resultem de uma exaustiva ponderação dos interesses juridicamente protegidos (cfr. Marcelo Rebelo de Sousa, in O Concurso Público na Formação do Contrato Administrativo, págs. 59 e ss.).
O princípio da imparcialidade, tal como o da igualdade, liga-se a exigências que, no plano contratual, se enquadram essencialmente num esquema concorrencial, como acontece no nosso ordenamento jurídico com a maioria dos contratos administrativos, aqueles que se movem num ambiente de pluralidade potencial de interessados (neste sentido CEDOUA-FDUC-IGAT, in Contratação Pública Autárquica, pág. 59).
Como escreve Marcelo Rebelo de Sousa "outro princípio fundamental do Direito Administrativo é o princípio da imparcialidade, acolhido pelo art. 266º nº 2 da Constituição da República Portuguesa. De todas as componentes substanciais do princípio merece menção específica a este propósito a da proibição de favoritismos ou perseguições relativamente aos administrados, independentemente de motivos ou razões invocados ou invocáveis: políticos, económicos ou sociais. Tal como todas as demais, ela entrelaça-se com o princípio da igualdade, por nós antes aludido. No que respeita à actividade contratual jurídico-administrativo da Administração Pública, o princípio da imparcialidade veda que se favoreça ou desfavoreça injustificadamente um qualquer virtual co-contratante. Mas, para além da intolerável discriminação de tratamento, o princípio da imparcialidade proíbe desigualdade devida a desígnio de identificação da posição da Administração Pública como um dos sujeitos jurídicos privados envolvidos. Ou seja, enquanto que a violação do princípio da igualdade pode não ser necessariamente intencional, a violação do princípio da imparcialidade por favoritismo implica sempre essa intenção, diversamente aliás do que se passa com a actuação parcial devida a intervenção em assuntos de interesse pessoal ou em matérias relacionadas com a Administração Pública. Por outro lado, no plano contratual como nos demais, o princípio da imparcialidade não impõe só a igualdade de tratamento, como ainda, e de modo especial o dever por parte da Administração Pública de ponderar todos os interesses públicos secundários e os interesses privados equacionáveis para o efeito de certa decisão antes da sua adopção. Significa isto que na formação de um contrato administrativo deve a Administração Pública proceder a exaustiva ponderação de interesses, o que supõe o conhecimento cabal dos dados de facto a eles respeitantes. Como corolário, essa exaustividade explica a natureza de poder-dever da faculdade de a Administração Pública diligenciar no sentido de apurar ou esclarecer todas as dúvidas essenciais relativas a propostas de privados apresentadas a concurso público aberto para a celebração de contrato administrativo" (O Concurso Público na Formação do Contrato Administrativo, págs.40 e 41).
O ajuste directo, como procedimento para a formação de contrato, vem previsto no artº16º nº1 al.a) do Código dos Contratos Públicos (doravante, CCP), que o artº112º do mesmo código define como "o procedimento em que a entidade adjudicante convida directamente uma ou várias entidades à sua escolha a apresentar proposta, podendo com elas negociar aspectos da execução do contrato a celebrar".
No ajuste directo a entidade é escolhida independentemente de concurso. Como escrevem Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim "...o que é específico das formas de concurso face às formas de ajuste directo é que naqueles há um procedimento público «contraditório» ou «concorrencial», digamos assim, de admissão, de avaliação e de preferência das propostas, enquanto que, nos procedimentos de ajuste directo, o contraente administrativo limita-se a consultar várias entidades sobre especificações dos seus bens e serviços - indicando-lhes naturalmente a que fim se destina a consulta - e procede depois, sem publicidade, à livre (mas fundamentada) apreciação das respostas das entidades consultadas, para ir negociar com aquela que lhe parecer mais conveniente os termos do contrato a celebrar. Ou seja, as entidades consultadas não apresentam propostas para um contrato projectado e clausulado (ao menos, em parte, como sucede nos concursos), respondem é a um pedido de informação da Administração sobre especificações técnicas e económicas dos serviços que prestam e dos bens que fornecem" (CPA, Comentado, pág.836).
O ajuste directo consiste, assim, num procedimento não formal em que a Administração escolhe livremente o seu co-contratante. Porém, apesar de livre, esta escolha não é arbitrária, pois que a Administração deve ponderar as exigências do interesse público para concluir qual o melhor contratante e quem está disposto em acordar com ela condições vantajosas para o interesse público prosseguido pelo contrato em causa (cfr. Margarida Olazabal Cabral, in O Concurso Público nos Contratos Administrativos, pág.130 e segs.).
Mas se o ajuste directo apresenta as vantagens da informalidade e da celeridade e ao mesmo tempo é uma poupança de recursos, de tal não resulta que a Administração não se reja pelos princípios gerais que a devem nortear e que vêm previstos não só na CRP (artº266º) mas também no Código do Procedimento Administrativo (arts. 3º a 7º), mormente os princípios da legalidade, da justiça, da igualdade, da imparcialidade, da transparência e da boa-fé.
Entende-se que quanto mais informal e livre for o actuar da Administração, como no ajuste directo, maior deve ser a exigência no cumprimento de alguns princípios, como o das igualdade, imparcialidade e transparência, para que os cidadãos tenham confiança na justeza da adjudicação do contrato.
Num contexto perfeitamente aqui aplicável escreve Vieira de Andrade que "as razões de eficiência que justificam a escolha de meios privados não prejudicam a vinculação (da Administração Pública, acrescentamos nós para melhor compreensão) pelos princípios constitucionais (como os princípios da igualdade, da proibição do arbítrio e da boa fé) e, em especial, pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Nesse sentido, v. o artigo 2º nº5 do CPA, que manda aplicar os preceitos constitucionais «a toda e qualquer actuação da Administração Pública, ainda que meramente técnica ou de gestão privada...No domínio do chamado direito administrativo (em que, afinal se combina a aplicação de normas de direito privado e de direito público), a Administração não pode estar isenta da vinculação aos direitos fundamentais e aos princípios constitucionais (incluindo o princípio da igualdade de tratamento, da proibição do arbítrio e da não descriminação)" (ob. cit., págs. 229/230).
Ora no caso dos autos, o Hospital do Arcebispo João Crisóstomo no artigo 7º do Caderno de Encargos fixa os critérios de selecção, discriminando para as três alternativas, os critérios a ter em conta. Para a 1ª alternativa constam os seguintes factores: 1º-características técnicas (40%); 2ª-preço (40%); 3º-valor da retoma (5%); e, 4º-manutenção correctiva (15%), dividindo-se este factor nos seguintes quatro factores: valor hora, despesas de deslocação, subsídio de alimentação e tempo máximo de resposta (Ponto 3 da matéria dada como provada; fls. 9 do PI).
Todavia, a entidade adjudicante, após a audiência prévia das entidades convidadas e o conhecimento das propostas por estas apresentadas, procedeu à pontuação que, dentro do critério "manutenção correctiva", foi atribuída a cada um dos aspectos que a integram, do seguinte modo: - Valor hora, de 0 a 30 pontos, tendo por base o valor hora mais baixo; - Despesas de deslocação, de 0 a 10 pontos, tendo por base o valor mais baixo; - Subsídio de alimentação, de 0 a 10 pontos, tendo por base o valor mais baixo; - Tempo máximo de resposta, de 0 a 50 pontos, atribuídos da seguinte forma: - Igual ou inferior a 1 hora - 50 pontos; - Igual ou inferior a 2 horas - 40 pontos; - Igual ou inferior a 3 horas - 30 pontos; - Igual ou superior a 4 horas -20 pontos (Ponto 3 da matéria de facto dada como provada; fls. 57 dos autos).
Relativamente a esta pontuação dos subfactores após o conhecimento das propostas apresentadas refere o Exmo. Magistrado Ministério Público, e bem, por isso com ele se concordando, que "a pontuação destes aspectos já revela um certo grau de concretização relativamente a unidades estanques, que tem o expoente máximo na pontuação dos tempos de resposta, pontuação que, será legítimo concluir, poderia ter sido ditada pelo conhecimento das propostas. É que a maior ou menor valoração atribuída a cada um dos aspectos acabados de referir e o modo de valorar não é indiferente para a classificação final da proposta".
Na verdade, a valoração dos subfactores tem que ser em momento anterior ao conhecimento das propostas apresentadas, pois como decidiu este STA "a fixação dos critérios de apreciação e ponderação da avaliação curricular, bem como do sistema de classificação final, incluindo a respectiva fórmula classificativa, deve ser feita em momento anterior ao conhecimento (real ou possível), pelo júri, da identidade dos candidatos e, consequentemente, à abordagem dos respectivos currículos, o que significa que a fixação desses elementos não pode ocorrer depois de decorrido o prazo para apresentação das candidaturas, numa altura em que o júri já tinha possibilidade de conhecimento da identidade dos candidatos" (Ac. de 11/1/2007-Proc. nº0899/06).
Neste mesmo sentido doutrinou o Tribunal Pleno desta Secção no seu acórdão de 23/1/2007) ao referir que "a observância dos princípios da legalidade, justiça, igualdade, transparência e imparcialidade que devem presidir ao procedimento concursal obriga a que na apreciação das propostas se não introduzam sub critérios ou sub factores de avaliação já depois de conhecidos os concorrentes e as suas propostas, pois que só assim será possível impedir a introdução de factores de diferenciação e de valoração em função desse conhecimento e só assim será possível evitar a possibilidade de um tratamento desigual e injusto dos concorrentes, beneficiando uns em detrimento de outros" (Proc. nº01541/03).
Esta orientação jurisprudencial é a seguida por este STA (i.a.: Acs. de 19/6/2008-Proc. nº 1057/07; de 18/3/2010-Proc. nº 781/09; de 25/7/2001-Proc. nº 47711; de 4/2/2004-Proc. nº 1495/03; de 18/12/2003-Proc. nº 1700/03; de 23/6/2004-Proc. nº 588/04; do TP de 5/7/2005-Proc. nº 1383/03; e do TCA de 18/1/2001-Proc. nº 205/97).
No caso presente, ao ser estabelecida a pontuação dos subfactores, já após o conhecimento das propostas, ainda que estes previamente fixados, foi teoricamente possível dar um tratamento desigual e injusto dos concorrentes, beneficiando uns em detrimento de outros.
Assim, em benefício da transparência e da objectividade, como corolários do princípio da imparcialidade, devia a valoração em causa ser dada a conhecer aos interessados num momento em que não fosse posta em causa os princípios da confiança e da boa-fé que a Administração deve transmitir aos administrados (Acs. do STA de 19/6/2008-Proc. nº 1057/07 e de18/3/2010-Proc. nº 781/09).
E refira-se que a violação dos princípios da imparcialidade, da transparência, da publicidade, objectividade, da boa fé e da confiança (arts. 266º nº 2 da CRP e 5º e 6º, ambos do CPA) não está dependente da prova de concretas actuações parciais, bastando que haja o perigo que tal possa acontecer (Ac. do STA de 22/4/2009-Proc. nº 881/08 e do TCAN de 12/4/2007-Proc. nº 234/02).
Como se decidiu no acórdão do TP de 23/5/2006 (Proc. nº1328/03) "o simples risco de lesão e o perigo de parcialidade, constituem fundamento bastante para a anulação, mesmo que se desconheça em concreto a efectiva violação dos interesses de algum concorrente" (no mesmo sentido: Acs. do STA de 9-12-2004 - rec. nº 594/04, de 9-12-2004 - rec. nº 594/04 e do Pleno da 1ª Secção, proferido no recurso 01126/02).
Esta orientação é também seguida por Francisco José de Sousa ao referir que "para que o princípio da imparcialidade seja violado não se exige a prova de uma actuação concreta de parcialidade. Basta que um determinado procedimento ponha em perigo as garantias de isenção, de transparência e de imparcialidade. Não basta à Administração ser imparcial, é preciso também que pareça imparcial já que o que está em causa é evitar a prática de certas condutas da Administração, que possam ser tidas como susceptíveis de afectar a imagem pública de imparcialidade (ob. cit., págs. 343 e 344).
E não colhe aqui o argumento retirado no acórdão recorrido dos arts. 115º nºs. 1 e 2 al. b) e 132º nº1 al. n) e 139º nº 3, todos do CCP.
Vejamos porquê.
Enumera o nº1 deste artigo 115º o conteúdo do programa do procedimento de ajuste directo e que deve constar do convite para apresentação de proposta. No seguinte nº2 al. b) refere-se que "quando for convidada a apresentar proposta mais de uma entidade, o convite também deve indicar o critério de adjudicação e os eventuais factores e subfactores que o densificam, não sendo, porém, necessário um modelo de avaliação das propostas".
Por sua vez, o nº 1 al. n) do artigo 132.º do CCP "o programa do concurso público deve indicar o critério de adjudicação, bem como, quando for adoptado o da proposta economicamente mais vantajosa, o modelo de avaliação das propostas, explicitando claramente os factores e os eventuais subfactores relativos aos aspectos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, os valores dos respectivos coeficientes de ponderação e, relativamente a cada um dos factores ou subfactores elementares, a respectiva escala de pontuação, bem como a expressão matemática ou o conjunto ordenado de diferentes atributos susceptíveis de serem propostos que permita a atribuição das pontuações parciais".
Ainda de acordo com o artigo 139º nº 3 do CCP "para cada factor ou subfactor elementar deve ser definida uma escala de pontuação através de uma expressão matemática ou em função de um conjunto ordenado de diferentes atributos susceptíveis de serem propostos para o aspecto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos respeitante a esse factor ou subfactor".
Com base nestes preceitos, diz-se no acórdão recorrido que "resulta do exposto uma notória diferença de exigência entre dois procedimentos concursais. Assim, no ajuste directo não se torna necessário que sejam definidos os coeficientes de ponderação (que, no entanto, no caso dos autos até se foi mais além e procedeu-se à sua fixação), pelo que, teremos de concluir que os elementos que constam do Caderno de Encargos em que foi fixado como critério de adjudicação ...o da proposta economicamente mais vantajosa, e em que foram ponderados e valorados os factores, características técnicas (40%), preço (40%), valor da retoma (5%) e manutenção correctiva (15%), que por sua vez se decompunham nos subfactores (não pontuados), valor hora, despesas de deslocação, subsídio de alimentação e tempo máximo de resposta, são manifestamente suficientes para o procedimento em causa, mostrando-se cumprido o critério de adjudicação, bem como, os factores e subfactores a ter em conta na análise das propostas, constando do mesmo os coeficientes de ponderação necessários para a apreciação das propostas. E deste modo, mostra-se igualmente cumprido o disposto na al. b), do nº 2 do art.° 115º do CCP, independentemente do júri posteriormente (depois de conhecidas as propostas) haver decidido quanto aos quatro factores "Características técnicas", Preço, Valor da retoma" e "Manutenção correctiva" "fraccioná-los numa escala de 1 a 100 pontos nos termos supra transcritos. E isto porque esta distribuição de pontos nestes itens não configura nenhuma violação do princípio da imparcialidade, designadamente, nos termos alegados pela recorrente, dado que se mostra cumprido na íntegra o caderno de encargos em que se fixaram previamente o critério de adjudicação e os factores e subfactores a ter em conta, face à natureza do procedimento em que o próprio legislador foi muito menos exigente nas condições fixadas, não impondo a divulgação do seu modelo de avaliação (que naturalmente terá de funcionar internamente aquando na análise a avaliação das propostas). E deste modo é correcta a decisão recorrida quando a este respeito se pronunciou da seguinte forma: "De acordo com este normativo não se torna necessário que seja consagrado um modelo de avaliação, apesar de se encontrar estabelecido o coeficiente de ponderação a que corresponderia cada factor. A entidade demandada não se encontrava vinculada a proceder a qualquer outra definição. Ou seja, o estabelecimento de uma escala de pontuação de 0 a 100 valores para a apreciação das propostas, em qualquer das suas vertentes é uma forma de o júri do concurso tornar a sua deliberação mais objectiva, mas através desta escala não se estão a criar novos factores. Ou seja, o Júri do concurso poderia analisar as propostas e atribuir a cada proposta um determinado valor, conforme considerasse que estas cumpriam ou não as características que considerava relevantes em qualquer dos itens, sem estabelecer uma pontuação. Se para fundamentar a sua escolha, escolha esta que poderia efectuar livremente, a entidade demandada optou por estabelecer uma determinada pontuação, pretendendo ser mais objectiva, não pode por esse facto sustentar-se que veio a violar o princípio da imparcialidade".
A recorrente entende, assim, que enquanto no ajuste directo não se exige que no programa de concurso conste o modelo de avaliação, a definição dos coeficientes de ponderação, já no concurso público se exige que no programa de concurso conste o critério de adjudicação, bem como, quando for adoptado o da proposta economicamente mais vantajosa, o modelo de avaliação, os factores e eventuais subfactores, relativos aos aspectos da execução do contrato a celebrar, os valores dos respectivos coeficientes de ponderação e, relativamente a cada um dos factores ou subfactores a respectiva escala de pontuação.
Genericamente este entendimento está correcto. Só que no caso dos autos o júri do procedimento do ajuste directo foi mais longe e aprovou uma escala de pontuação, só que o fez depois do conhecimento das propostas apresentadas. Ora, ao fazê-lo só agora pôs em perigo as garantias de isenção, de transparência e de imparcialidade, pois nada nos garante que não tenha sido em função de tais propostas que aquela pontuação não tenha sido encontrada.
No ajuste directo, nas palavras de Jorge Andrade Silva, viabiliza-se a adopção de meios simples, práticos e expeditos de comunicação para enviar o convite, sem prejuízo da salvaguarda dos princípios da actuação administrativa, designadamente dos da igualdade e da transparência, impondo-se o seu envio simultâneo às entidades a convidar (Código dos Contratos Públicos, Comentado e Anotado, 2ª ed., pág.389).
A aplicação destes princípios, aplica-se, a fortiori, no caso dos autos, pelo que não podia aos subfactores ser aplicada uma escala de pontuação só introduzida após o conhecimento das propostas apresentadas.
Por estas razões, votaria pela verificação da violação do princípio da imparcialidade.
Lisboa, 2 de Novembro de 2010. Américo Joaquim Pires Esteves