Sumário:
Não é de admitir a revista de Acórdão do TCA que versa sobre questões sem especial relevo jurídico ou social, cujo grau de dificuldade não ultrapassa o comum e onde se não evidenciam interesses comunitários susceptíveis de legitimar a admissão do recurso.
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:
I - RELATÓRIO
1.1. A..., S.A., vem interpor recurso de revista, ao abrigo do n.º 1, do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do TCA Norte, de 17-06-2010, que, concedendo provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo ora Recorrido Município de Vila Nova de Gaia, revogou a decisão do TAF de Porto, de 22-02-2010, que tinha julgado parcialmente provada a Acção de Contencioso Pré-contratual que intentou contra o Município de Vila Nova de Gaia e Outros, acabando o TCA por julgar improcedente a dita acção.
Nas conclusões da sua alegação a Recorrente sustenta, designadamente, que "(...) foram criados factores e sub-factores/itens que não constavam do Programa de Concurso, como aconteceu, designadamente, com a avaliação do Currículo do Director Técnico apresentado pela ora Recorrente, ou seja, foram criados, efectivamente, factores e sub-factores de avaliação que não constavam do Programa de Concurso, como aconteceu com a questão da formação académica do Director Técnico, quando o que era exigido era a Experiência Profissional, e da Experiência em Limpeza de Praias quando o que era exigido era a Experiência em Limpeza Urbana."
Salientou, também que o "(...)Acto de Adjudicação está irremediavelmente ferido de vício de violação de lei e preterição dos princípios basilares da contratação pública - princípios da igualdade, legalidade, imparcialidade, transparência, boa fé e estabilidade das regras concursais consagrados no CCP e espelhados na Constituição da República Portuguesa o que o torna anulável nos termos do previsto no artigo 135.º do CPA, bem como nulos todos os actos subsequentes inclusive o Contrato de Concessão que, entretanto, foi assinado/celebrado entre o ora Recorrido e a Adjudicatária B...." - Cfr. fls. 573 - conclusão g) e 575 - conclusão q)-.
1.2. Por sua vez, o ora Recorrido, Município de Vila Nova de Gaia, pronuncia-se pela não admissão do recurso de revista, realçando, designadamente, nas suas contra-alegações, o seguinte:
(...)
"Sendo que a Recorrente além de não delimitar nem objectivar o thema decidendum porventura revidendum, o certo é que a Recorrente basta-se pela não conformação com o Acórdão recorrido e pela asserção de que "o douto acórdão interpretou de forma incorrecta os factos bem como o direito/lei aplicável"(...)
Acresce que, e sem delongas, não será despiciendo referir que "in casu" não se vislumbra hipotética necessidade de melhor aplicação do direito, sendo que o julgado da 2.ª instância, e bem, inseriu-se no espectro das soluções jurídicas sobre que se debruçou, adentro do seu cometido poder cognitivo.
Outrossim, não se vislumbra particular relevância social nas questões suscitadas, sendo que não ultrapassam, por natureza, os limites do caso concreto, nem substanciam especial relevância jurídica, ou seja, grau de dificuldade que ultrapasse o que é normal nas controvérsias judiciárias.
Só em matérias de maior importância, e como tal consideradas pelo Tribunal de revista, é que está(rá) excepcionalmente cometido o recurso de revista, o que o caso concreto não encerra."
(...) - Cfr. fls. 632 e 633 -.
1.3. Cumpre decidir.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. O recurso de revista a que alude o n.º 1, do artigo 150.º do CPTA, que se consubstancia na consagração de um duplo grau de recurso jurisdicional, ainda que apenas em casos excepcionais, tem por objectivo facilitar a intervenção do STA naquelas situações em que a questão a apreciar assim o imponha, devido à sua relevância jurídica ou social e quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Por outro lado, se atendermos à forma como o Legislador delineou o recurso de revista, em especial, se olharmos aos pressupostos que condicionam a sua admissibilidade, temos de concluir que o mesmo é de natureza excepcional, não correspondendo à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, na medida em que das decisões proferidas pelos TCA's em sede de recurso não cabe, em regra, recurso de revista para o STA.
Temos, assim, que de acordo com o já exposto, a intervenção do STA só se justificará em matérias de maior importância sob pena de se generalizar este recurso de revista o que, se acontecesse, não deixaria de se mostrar desconforme com os fins obtidos em vista pelo Legislador (cfr., a "Exposição de Motivos", do CPTA).
Vejamos, então.
2.2. Na sua decisão, de 22-02-2010 o TAF do Porto, julgou parcialmente provada a Acção de Contencioso Pré-contratual intentada pela ora Recorrente, tendo considerado, para o efeito, verificados os arguidos vícios de: 1. erro nos pressupostos de facto sobre a avaliação do curriculum do Director Técnico da ora Recorrente, 2. bem como a violação dos princípios de igualdade e de transparência, devido à apresentação de um elemento adicional de qualificação, e, finalmente, 3. "por introdução de critério não previsto de classificação (...) e violação do princípio da igualdade, relativamente à apreciação e pontuação subfactor 2, do factor 1 (...)" - cfr. fls. 403 -.
Já para o TCA, os vícios elencados nos pontos 1. e 2. não se verificavam, pelas razões que se explicitam no Acórdão recorrido, a fls. 527-527, sendo que, quanto aos referenciados no ponto 3., apesar de reconhecer a existência de erro do júri "ao atribuir pontuação diferente à" aqui Recorrente "e à contra-interessada", o TCA, concluiu não ser anular o concurso, uma vez, ainda que fosse atribuída a pontuação devida, manter-se-iam inalteradas as restantes pontuações, não se alterando a posição final da ora Recorrente face à aludida contra-interessada e aos restantes concorrentes, como se retirar, designadamente, das seguintes passagens do questionado aresto: "lido atentamente o curriculum vitae do Director Técnico da recorrida pode-se concluir que aí não é referida qualquer actividade deste género; apesar de se tratar de um curriculum admirável, conclui-se que a sua actividade se situa, no essencial, em sede de planeamento e gestão do funcionamento das empresas, mas já não na execução e orientação concreta, no terreno, das tarefas de limpeza exigidas pelo contrato posto a concurso", bem como, "se é certo que na ponderação feita pelo júri do concurso relativamente ao Director Técnico da contra-interessada foram introduzidos elementos concretos que não faziam parte dos critérios classificativos dos concorrentes, por outro, não há qualquer dúvida que a classificação concretamente obtida sempre seria a mesma ainda que tais elementos concretos não tivessem sido ponderados, pelo que, tem que se concluir que os mesmos são irrelevantes para a classificação atribuída, não tendo, por isso, a virtualidade de inquinar o acto final do concurso."
Salienta-se, também, que "mostrando-se inalteradas as restantes pontuações atribuídas aos vários critérios de classificação que cada uma das concorrentes obteve, mesmo atribuindo-se à recorrida a classificação de 5 valores neste critério concreto isso não seria suficiente para alterar a sua posição final relativa face à contra-interessada (e aos restantes concorrentes) uma vez que aquela manteria a classificação de 3,65 e a recorrida apenas ascenderia à classificação de 3,34 (passava de 3,25 para 3,34), pelo que, não há qualquer utilidade em anular o concurso em causa com fundamento em tal ilegalidade." (cfr. fls. 528 a 530)
Por sua vez, a Recorrente discorda do decidido no Acórdão recorrido, por entender, em síntese, que o Acto de Adjudicação está ferido de violação de lei e "preterição dos princípios basilares da contratação pública (... )" -Cfr. fls. 575-.
Sucede que, contra o que sustenta a Recorrente, a posição assumida pelo TCA Norte se enquadra no espectro das soluções jurídicas plausíveis para as questões sobre que se debruçou não se evidenciando que a pronúncia emitida no Acórdão recorrido esteja inquinada de erro grosseiro, com o que afastada fica a hipótese de fazer ancorar a admissão da revista, numa hipotética necessidade de melhor aplicação do direito.
Acresce que também, atendendo ao que efectivamente foi decidido no TCA, não se vislumbra uma particular relevância social nas questões suscitadas pela Recorrente em sede de revista, não se surpreendendo, no caso dos autos, um interesse comunitário que, pela sua peculiar importância, pudesse levar, por si só, à admissão de revista, já que os interesses em jogo não ultrapassam significativamente os limites do caso concreto.
Finalmente, a resolução das questões ora levantadas não requer um esforço interpretativo particularmente acentuado, antes apresentando um grau de dificuldade que não ultrapassa o que é normal das controvérsias judiciárias, não se configurando, por isso, como de especial relevância jurídica.
É, assim, de concluir que, no caso dos autos, não se verificam os pressupostos de admissão da revista.
3 - DECISÃO
Nestes termos, acordam em não admitir o recurso de revista do Ac. do TCA Norte, de 17-06-2010.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 16 de Setembro de 2010. - José Manuel da Silva Santos Botelho (relator) - Rosendo Dias José - Maria Angelina Domingues.