Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14 de Outubro de 2009 (proc. 960/09)

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Sumário:

Não é de admitir a revista de acórdão do TCA em que a questão fundamental a dirimir se centra, basicamente, na interpretação de cláusulas do caderno de encargos, que não levantam problemas exegéticos particularmente complexos, sendo que, por outro lado se não evidência, no caso em análise, a existência de interesses comunitários significativos.

 

Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:


I - RELATÓRIO
1.1. A... vem interpor recurso de revista, ao abrigo do n.º 1, do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do TCA Sul, de 06-08-09, que, negando provimento ao recurso jurisdicional por si interposto, confirmou a decisão do TAF de Sintra, de 20-04-2009, que julgou improcedente a acção administrativa de contencioso pré-contratual. - Cfr. fls. 288.
No tocante à admissão da revista, o Recorrente refere, designadamente, o seguinte nas conclusões da sua alegação:
"1. A admissão do presente recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
(...)
3. A questão que se coloca é, pois, a de saber se, exigindo o Caderno de Encargos a presença ao longo de todos os dias do ano de um trabalhador com certa categoria profissional, durante um período normal de trabalho que extravasa os limites previstos na legislação laboral, apresentando o concorrente proposta de quadro de pessoal em que apenas consta um trabalhador com essa categoria, essa proposta viola o disposto no Caderno de Encargos e, consequentemente, deve ser excluída nos termos do disposto nos art.ºs 122º nº 2, 146º n.º 2 al.o) e 70.º n.º2 a), b) e f) do Código dos Contratos Públicos.
4. Entende a recorrente, salvo o devido respeito, que o tribunal a quo incorreu em erro manifesto de julgamento dado que, impondo o Caderno de Encargos a presença do encarregado de refeitório no período supra referido em 2., tendo os concorrentes de apresentar um quadro pessoal que cumpra essa exigência e que, simultaneamente, respeite o imposto pela legislação laboral (que, naturalmente, não permite que um só trabalhador possa exercer a sua profissão durante a totalidade de tal período), uma proposta na qual se prevê a colocação de apenas um trabalhador com essa categoria profissional não cumpre as exigências do Caderno de Encargos. (...)
8. É ilegal uma proposta que não satisfaz um dos requisitos exigidos pelo Caderno de Encargos (Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 19/93/2003, proc.492/03 e do Tribunal Central Administrativo Sul de 17/01/2008, processo 3301/07.
9. Ao decidir em sentido contrário cometeu o tribunal a quo um erro manifesto de julgamento.
10. A questão em análise nos presentes autos é susceptível de ressurgir em casos futuros já que é frequente que os documentos concursais exijam a presença no local da prestação de serviços de trabalhador com determinada categoria profissional e com um determinado horário de trabalho e que o cumprimento desse horário por uma só pessoa viole o disposto na legislação laboral.
11. Termos porque deverá ser admitido o presente recurso de revista nos termos do disposto no art.º 150º n.º 1 do CPTA." - Cfr. fls. 337 a 339
1.2 Não foram apresentadas contra-alegações.
1.3. Cumpre decidir.


2- FUNDAMENTAÇÃO
2.1. O recurso de revista a que alude o n.º 1, do artigo 150.º do CPTA, que se consubstancia na consagração de um duplo grau de recurso jurisdicional, ainda que apenas em casos excepcionais, tem por objectivo possibilitar a intervenção do STA naquelas situações em que a questão a apreciar assim o imponha, devido à sua relevância jurídica ou social e quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Por outro lado, se atendermos à forma como o Legislador delineou o recurso de revista, em especial, se olharmos aos pressupostos que condicionam a sua admissibilidade, temos de concluir que o mesmo é de natureza excepcional, não correspondendo à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, na medida em que das decisões proferidas pelos TCA's em sede de recurso não cabe, em regra, recurso de revista para o STA.
Temos assim, que de acordo com o já exposto, a intervenção do STA só se justificará em matérias de maior importância sob pena de se generalizar este recurso de revista o que, se acontecesse, não deixaria de se mostrar desconforme com os fins obtidos em vista pelo Legislador (cfr., a "Exposição de Motivos", do CPTA).
Vejamos, então.
2.2 Como já atrás se assinalou, o TCA negou provimento ao recurso jurisdicional interposto pela ora Recorrente da decisão do TAF de Sintra, de 20-04-09, que julgou improcedente a acção de contencioso pré-contratual que tinha intentado contra os ora Recorridos.
O TCA coonestou, no essencial, as posições assumidas na 1ª instância, sendo que, no tocante à questão que a Recorrente identifica como sendo a principal a dirimir no âmbito da presente revista, concretamente, a referenciada na 3ª conclusão da sua alegação, o Acórdão recorrido considerou, em síntese, que, face ao Caderno de Encargos, designadamente, os seus artigos 27º, nºs 2 e 7 e 18º, nºs 3 e 4, não era imperativo que o encarregado de refeitório tivesse de ser sempre a mesma pessoa, podendo o adjudicatário substituir o trabalhador em causa por outro com a mesma categoria, assim cumprindo a legislação laboral, concluindo que "a não inclusão de pelo menos dois encarregados de refeitório (o mesmo valendo para os cozinheiros) na proposta apresentada pela contra-interessada não era idónea a conduzir inevitavelmente à respectiva exclusão e, por conseguinte, à anulação do acto de adjudicação (...)", sendo que, para o TCA "(....) o elemento determinante na interpretação das referidas cláusulas resume-se, afinal, à presença permanente de um trabalhador com a categoria de encarregado de refeitório, durante os sete dias da semana, no período compreendido entre as 7h30 e as 17horas; (...) - cfr. fls. 296.
Ora, contra o que sustenta a Recorrente, da argumentação expandida pelo TCA não se evidencia que a pronúncia emitida no Acórdão recorrido enferme de erro grosseiro, antes se inserindo o decidido na 2ª instância no espectro das soluções jurídicas plausíveis para as questões sobre que se debruçou, com o que afastada fica a possibilidade de fazer ancorar a admissão da revista numa hipotética necessidade de melhor aplicação do direito.
Por outro lado, a resolução das questões abordadas pelo TCA no seu Acórdão não demanda a realização de operações exegéticas de grande complexidade,
centrando-se, basicamente, na interpretação e aplicação das já aludidas cláusulas do caderno de encargos, que não levantam problemas interpretativos transcendentes, o que tudo nos leva a concluir no sentido de as questões a que se reporta a Recorrente na sua alegação não assumirem especial relevância jurídica.
Acresce que também se não evidencia que tais questões se revistam de particular relevo social, não se surpreendendo, na situação em análise, a existência de interesses comunitários significativos, susceptíveis de, por si só, legitimar, a admissão da revista.
É, assim, de concluir que se não verificam os pressupostos de admissão da revista.


3 - DECISÃO
Nestes termos, acordam em não admitir o recurso de revista interposto pela Recorrente.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 14 de Outubro de 2009. - Santos Botelho (relator) - Rosendo José - Angelina Domingues.