Sumário:
I - Num concurso limitado por prévia qualificação, perante a não apresentação de todos os documentosexigidos o júri deve propor a exclusão das candidaturas - artigo 184.º, n.º 2, e), do CCP;
II - Exigindo-se no programa de concurso, para verificação do cumprimento dos requisitos mínimos obrigatórios de capacidade financeira, «Declarações de IES validadas pelos serviços de finanças, referentes aos anos de 2007, 2008 e 2009, caso o candidato tenha três exercícios de actividade, ou referentes aos anos concluídos, que devem ser enviadas em ficheiro com a designação "IES _[designação_candidato]_[ano].pdf», e tendo o candidato enviado três declarações com a identificação daqueles três anos mas com o lapso de, no ano de 2008, ter integrado a declaração de 2009, que, assim, seguiu duas vezes, deve considerar-se esse lapso equivalente a erro material, se, ainda antes da reunião do júri, embora depois do prazo, o candidato fez o envio do documento certo, não existindo qualquer dúvida de que ele preexistia e que não podia ser adulterado ou manipulado;
III - Nessa situação, não é aplicável o regime de exclusão da primeira parte da alínea e) do n.º 2 do artigo 184.º do CCP.
Texto Integral:
Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1.
1.1. A........., SA, propôs no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa (TAC Lisboa), ao abrigo do disposto nos artigos 100.º e seguintes do CPTA, uma acção de contencioso pré-contratual contra a Agência Nacional de Compras Públicas, EPE (ANCP, EPE), pedindo anulação da sua deliberação de 25 de Outubro de 2010, que a excluiu do concurso «limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo quadro para o fornecimento de veículos automóveis e motociclos de aluguer operacional», devendo ainda a ré «ser condenada à adopção dos actos e operações necessários para reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, designadamente, proferindo uma decisão que aceite a candidatura da A...... no procedimento concursal sub iudice».
Indicou diversos contra-interessados.
1.2. O TAC Lisboa, por sentença de 28-2-2011, julgou a acção improcedente (fls. 289/300 dos autos).
1.3. Inconformada, a autora interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), que, por acórdão de 30.06.2011 (fls. 422 e segs.), revogou a sentença, anulou a deliberação impugnada e anulou ainda "o procedimento subsequente, condenando a ANCP, EPE a admitir a candidatura da 'A........., SA', aprovar novo relatório final em que aquela também seja qualificada, e a dirigir aos candidatos assim admitidos, entre os quais a recorrente, novos convites à apresentação de propostas".
1.4. É desse acórdão que a ANCP, EPE interpõe para este Supremo Tribunal Administrativo o presente recurso de revista, sob invocação do artigo 150º do CPTA, concluindo nas respectivas alegações:
«1. O acórdão recorrido determinou a anulação da deliberação do Conselho de Administração da Recorrente de 25.10.2010, que indeferiu a impugnação administrativa apresentada pela Recorrida e manteve a proposta de exclusão da candidatura desta, nos termos constantes do "Relatório preliminar da fase de qualificação" elaborado, em 11.10.2010, pelo Júri do "Concurso limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo quadro para o fornecimento de veículos automóveis e motociclos e aluguer operacional de veículos".
2. Foi ainda decidido "anular o procedimento subsequente, condenando a ANCP, EPE a admitir a candidatura da "A........., SA", aprovar novo relatório final em que aquela também seja qualificada, e a dirigir aos candidatos assim admitidos, entre os quais a recorrente, novos convites à apresentação de propostas. "
3. Para esse efeito, entendeu o TCA Sul que a deliberação impugnada violou o disposto na aI. e) do n.º 2 do art. 184.° do CCP ao excluir a candidatura, nos termos propostos pelo Júri do Concurso, na medida em que não admitiu a "rectificação de manifesto erro material no carregamento do documento [declaração IES referente ao ano de 2008]", nos termos do art. 249.° do Código Civil.
4. Ora, as questões jurídicas que carecem de apreciação por parte desse Venerando Supremo Tribunal, e que, segundo cremos, pela primeira vez se colocam nesta sede, prendem-se com a interpretação e aplicação do novo regime previsto no art. 184.°, n.º 2, aI. e), do CCP (atinente ao dever de exclusão das candidaturas no âmbito do relatório preliminar da fase de qualificação), e as consequências que do mesmo decorrem para os candidatos que não apresentem todos os documentos da candidatura exigidos nas peças do procedimento, conjugado com a nova regulamentação instituída pela Portaria n.º 701-G/2008, de 29 de Julho (doravante Portaria), designadamente no que concerne ao disposto nos seus arts. 10.°, 18.°, 19.° e segs. relativos ao modo de carregamento e submissão das candidaturas através de plataformas electrónicas de contratação pública.
5. Por outro lado, atendendo à ruptura operada pelo CCP com o anterior regime da contratação pública (previsto no Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho), é extremamente importante que esse Venerando Supremo Tribunal estabeleça uma orientação jurisprudencial sobre a questão de saber se, em face das disposições injuntivas constantes dos arts. 183.°, n.º 2, 2ª parte (proibição de suprir omissões que determinam a exclusão nos termos do artigo), e 184.°, n.º 2, aI. e), ambos do CCP, pode o Júri do Concurso aceitar a apresentação de novos documentos de qualificação quando já se encontra ultrapassado o prazo fixado nas peças do procedimento para a apresentação das respectivas candidaturas.
6. Esta questão ganha particular relevância na medida em que, ao contrário do que se estabelecia no art. 118.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, não existe no CCP a possibilidade de o Júri do Concurso proceder à "admissão condicional de candidaturas".
7. As questões acima enunciadas revestem-se de importância fundamental, quer pela sua relevância jurídica, quer pela sua relevância social. No que respeita à sua relevância jurídica, é evidente que, atenta a novidade do regime jurídico em causa, se exige ao interprete e também ao julgador complexas operações de natureza lógica e jurídica indispensáveis à resolução das questões suscitadas e, por conseguinte, do caso dos autos, sendo ainda seguro que existe forte capacidade de expansão da controvérsia (indo além dos limites da situação em apreço e podendo repetir-se num número não determinado de situações futuras).
8. No que concerne ao novo regime jurídico instituído pelo CCP, as alterações introduzidas na actividade contratual pública foram muito profundas, o que se apreende, desde logo, pela leitura do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, onde se encontram bem patentes as preocupações do legislador do CCP em introduzir mudanças substanciais na modernização, simplificação e celeridade na tramitação procedimental, o que passa pela desmaterialização dos actos relativos aos procedimentos de formação de contratos.
9. As questões que se colocam à apreciação desse Venerando Supremo Tribunal decorrem do modo como os motivos enunciados pelo legislador foram vertidos no CCP (em cumprimento também do direito comunitário), isto é, na forma como ali se "uniformiz[ou] a nomenclatura e regras procedimentais aplicáveis", o que determinou, na nova coordenação sistemática, que fosse criado um novo figurino para o procedimento de concurso público por prévia qualificação (eliminando-se, no que ora releva, a "admissão condicional dos concorrentes"), e, sobretudo, que obrigou a que se procedesse a uma verdadeira e inovadora revolução na tramitação procedimental, criando-se "um sistema alternativo ao clássico papel", através da utilização de plataformas electrónicas para a condução dos respectivos procedimentos concursais.
10. As enunciadas alterações legislativas reflectiram-se obrigatoriamente no Concurso lançado pela ora Recorrente, conforme resulta evidente, entre o mais, do teor do Programa de Concurso.
11. Para além da importância jurídica fundamental das questões enunciadas, importa ainda ter presente que as mesmas se revestem de especial relevância social, na medida em que a Recorrente ocupa uma posição de destaque no panorama da contratação pública nacional, enquanto entidade congregadora das necessidades aquisitivas do Estado. Na verdade, a criação da ora Recorrente e do Sistema Nacional de Compras Públicas (SNCP) teve como desiderato último a redução da despesa pública, mediante uma organização centralizada das compras públicas, com vista a obter economias de escala e poupanças, racionalização das aquisições e melhoria da competitividade entre os fornecedores do Estado.
12. É ainda imperioso salientar que, por força do Despacho n.º 13478/2009, de 27 de Maio (cfr. Diário da República n.º 111 , Série 11, de 9 de Junho de 2009), a Recorrente assumiu a condução dos procedimentos de contratação das aquisições (e não meramente da celebração de acordos quadro), designadamente a adjudicação das propostas em representação das entidades compradoras, relativas às categorias de Veículos Automóveis e de Motociclos e de Seguro Automóvel, sendo vedado, ao mesmo tempo - por força do n.º 4 do artigo 5.° do Decreto-Lei n.º 37/2007 e do n.º 2 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.º 170/2008 -, às "entidades compradoras vinculadas" e às unidades ministeriais de compras proceder à abertura de quaisquer procedimentos de aquisição e a renovações contratuais no âmbito das referidas categorias de bens e serviços.
13. Ou seja, desde Junho de 2009, a Recorrente assumiu, a condução integral dos procedimentos de contratação das aquisições relativas às categorias de Veículos Automóveis e de Motociclos e de Seguro Automóvel.
14. Assim, atendendo à especial posição da Recorrente no panorama da contratação pública, enquanto entidade congregadora das necessidades aquisitivas do Estado, revela-se extremamente importante e útil a admissão do presente recurso de revista, por forma a que esse Venerando Supremo Tribunal possa esclarecer as dúvidas patenteadas anteriormente e que, aliás, são comuns a todos os procedimentos pré-contratuais, existindo, por conseguinte, forte possibilidade de expansão da controvérsia.
15. É também consabido que o recurso às formas processuais relativos aos procedimentos de formação de contratos é dos mais utilizados para alcançar a tutela jurisdicional administrativa, pelo que importa clarificar situações jurídicas decorrentes da interpretação e conjugação de normas que assumem especial relevância na actividade contratual pública e na tutela de eventuais interesses dos particulares.
16. Actualmente, as questões a carecerem de clarificação por esse Venerando Supremo Tribunal encontram-se também em discussão em Tribunais de 1ª instância, no âmbito de outros Concursos limitados por prévia qualificação lançados pela aqui Recorrente com vista à celebração de acordos quadro (referimo-nos aos processos n.os 1965/10.0BELSB e 2186/10.7BESLB, pendentes no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa). Um desses processos (n.º 1965/10.0BELSB), com decisão favorável à Recorrente, encontra-se, actualmente, em fase de recurso jurisdicional no TCA Sul.
17. Importa referir que, ao nível do TCA Sul, foi já proferido um acórdão relacionado com a problemática patenteada nos presentes autos e que consagrou uma solução diametralmente oposta à que vingou, recentemente, no acórdão recorrido, para surpresa da Recorrente (cfr. o acórdão do TCA Sul de 19.11.2009, proferido no Proc. N.º 05418/09, in www.dgsi.pt).
18. Prevaleceu, naquele caso, a jurisprudência firmada pelo STA no sentido de que, não obstante existir o compromisso genérico de cumprir as condições constantes das peças concursais, continua a ser "dever dos concorrentes instruir devidamente as respectivas propostas sofrendo as necessárias consequências se o não fizerem." (cfr. Acórdão do STA de 28.05.2003, Proc. 0132/03, in www.dgsi.pt).
19. Não podemos deixar de concluir que doutrina fixada nos aludidos arestos é muito actual (em face das modificações introduzidas pelo CCP) e vale mutatis mutandis para a apresentação das candidaturas no âmbito de um procedimento de concurso limitado por prévia qualificação.
20. Mais recentemente, o Tribunal Central Administrativo Norte (TCA Norte) veio dar razão à ora Recorrente num caso em que também havia sido apresentado um documento "desconforme" ao exigido no PC, o que motivou a caducidade da adjudicação (cfr. o acórdão do TCA Norte de 20.01.2011, Proc. N.º 00840/09.5BEVIS, in www.dgsi.pt).
21. Do citado aresto, resulta inequivocamente que a apresentação de um documento desconforme ao exigido nas peças do procedimento deve equivaler à sua não apresentação (caso contrário, tudo deve ser aceite pela entidade adjudicante mesmo que não corresponda, minimamente, ao exigido nas peças do procedimento).
22. Este entendimento decorre ainda de ser necessário introduzir factores de segurança e certeza na actividade pré-contratual pública, conforme se defendeu, e bem, no acórdão do TCA Sul de 18.11.2010, Proc. N.º 06659/10 (in www.dgsi.pt).
23. A manter-se na ordem jurídica o acórdão recorrido - o que se admite, sem contudo conceder -, tornar-se-á muito difícil e extremamente dúbia a aplicação, quer pelo membros dos júris, quer pelas entidades adjudicantes, de variadas normas do CCP atinentes à exclusão das propostas e candidaturas, mesmo quando se verifiquem todos os pressupostos necessários para o efeito, e apesar de o teor e sentido dessas normas ser, por vezes, tão cristalino, como sucede no caso dos autos.
24. Em face do exposto, a Recorrente requer a esse Venerando Supremo Tribunal o esclarecimento das questões formuladas nas presentes Alegações, uma vez que as controvérsias em torno das normas referentes à exclusão de candidaturas (bem como das propostas) se irão suscitar, seguramente, em futuras contendas judiciais.
25. Acresce que o acórdão recorrido incorre em erro grave na aplicação do direito, fazendo incorrecta interpretação e aplicação do disposto no art. 95.°, n.º 3, do CPTA - ao condenar a Recorrente a admitir a candidatura da Recorrida e a aprovar novo relatório final em que esta também seja qualificada, bem como a dirigir aos candidatos assim admitidos, entre os quais a Recorrida, novos convites à apresentação de propostas - o que configura o exercício pelo Tribunal de "administração activa" pois condenou a Recorrente a actos e operações que envolvem a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa.
26. Ademais, não existe nenhum elemento nos autos que demonstre que a candidatura da Recorrida deveria ser qualificada no presente Concurso, por preencher os requisitos de qualificação predeterminados no PC, sendo igualmente seguro que essa avaliação apenas cabia ao Júri do Concurso e já não, com o devido respeito, ao Tribunal recorrido.
27. Por outro lado, o acórdão recorrido padece ainda de um outro erro grave na aplicação do direito, porquanto encerra incorrecta interpretação e aplicação do disposto no art. 149.° n.ºs 3, 4 e 5, do CPTA, na medida que se aditou matéria de facto nova (cfr. ponto xv, pág. 6 do acórdão recorrido) e a Recorrente não foi ouvida, em sede de recurso, sobre a ampliação do objecto do pedido, matéria cujo conhecimento, recorde-se, havia ficado prejudicado na sentença de 28.02.2011 do TAC de Lisboa.
28. No presente Concurso, as candidaturas, que deveriam ser apresentadas até às 17 horas do dia 31.08.2010, teriam de ser instruídas, sob pena de exclusão, com os documentos indicados no art. 10.° do PC, para verificação do cumprimento dos requisitos mínimos obrigatórios de capacidade técnica e financeira definidos no art. 7.° do PC. Essa exclusão, deve ser proposta, obrigatoriamente, pelo Júri do Concurso no relatório preliminar da fase de qualificação.
29. Ficou provado nos autos que a Recorrida apresentou a sua candidatura em 26.08.2010, às 16h34m (cfr. Relatório Preliminar da Fase de Qualificação), antes ainda de terminar o prazo para apresentação das candidaturas (17 horas do dia 31.08.2010).
30. Contudo, ficou igualmente provado - por confissão, por documento e por acordo das partes - que a candidatura apresentada a Concurso não foi instruída com a declaração de IES referente ao ano de 2008, em clara violação, pois, dos arts. 10.°, n.º 1, aI. a), e 11.°, n.º 1, do PC.
31. Com efeito, a própria Recorrida confessa não ter entregue, atempadamente, a declaração de IES referente ao ano de 2008 em virtude de ter ocorrido um "lapso informático" - unicamente imputável à Recorrente - durante o carregamento do aludido documento na plataforma electrónica, que serviu de base à tramitação do presente Concurso.
32. Mais ficou provado que, somente em 06.09.2010, a Recorrida apresentou "um novo ficheiro "/SE_A........./_2008" na plataforma electrónica, sendo que, nesta data, já havia terminado, há muito, o prazo legalmente fixado - 17 horas do dia 31.08.2010 - para a apresentação das candidaturas (cfr. art. 13.°, n.º 1, do PC).
33. Ora, perante tão flagrante violação do bloco de legalidade aplicável ao presente Concurso por parte da Recorrida, e considerando os fundamentos elencados na decisão do Júri do Concurso, que aplicou, de forma correcta, isenta, objectiva e neutral, as normas do Concurso, a Recorrente só podia tomar uma posição em face da impugnação que lhe foi dirigida pela ora Recorrida: indeferir a impugnação e manter "a proposta de exclusão da sua candidatura, nos termos exarados no "Relatório preliminar da fase de qualificação", elaborado pelo Júri do Concurso em 11/10/2010."
34. Acresce que, no caso vertente, as normas aplicáveis à entrega das candidaturas e aos documentos que as acompanham, prevêem, expressamente, a cominação para a falta de algum dos documentos exigidos: a exclusão da candidatura.
35. Trata-se, como é bom de ver, de um acto de conteúdo vinculado a praticar, quer pelo Júri do Concurso, quer pelo órgão competente para a decisão de qualificar (no caso, o Conselho de Administração da Recorrente).
36. Na tentativa vã de justificar o sucedido, a Recorrida referiu, tão só, ter ocorrido um "lapso informático", não invocando qualquer razão impeditiva de apresentar a declaração de IES, relativa ao ano de 2008, dentro no prazo fixado no PC.
37. Porém, ao produzir afirmações que não têm qualquer sustentação factual credível, a Recorrida enjeitou de forma flagrante as suas responsabilidades, caindo em total descrédito ao aludir a aspectos de índole técnica, que por natureza os Tribunais não dominam, sem procurar ancorar as suas posições em documentação técnica minimamente fiável.
38. Esse "erro informático" - que, em bom rigor, apenas se pode imputar à Recorrida - não se pode sequer considerar "manifesto", "evidente", palmar", e que fosse fácil de detectar pelo Júri do Concurso.
39. O Júri do Concurso apenas podia detectar, porque era evidente e manifesto, que estava em falta um documento de candidatura obrigatório, essencial para a verificação do cumprimento dos requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira indicados no art. 7.° do PC, cuja falta implicava, ope legis, a exclusão forçosa da candidatura.
40. Nem se diga que o facto de ter sido apresentado um outro documento (no caso a declaração de IES referente ao ano de 2009) seria suficiente para se dar por preenchido o requisito relativo à declaração de IES do ano de 2008.
41. Na verdade, se na a) do n.º 1 do art. 10.° PC se exige aos candidatos a entrega de um determinado documento (declaração de IES relativa ao ano de 2008), para verificação do cumprimento dos requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira indicados no art. 7.° do PC, e os candidatos apresentam um outro documento que não corresponde ao solicitado pela entidade adjudicante, esta situação tem de equivaler à falta de apresentação do documento concretamente exigido na referida a) do n.º 1 do art. 10.° PC.
42. E porque assim é, a ausência da declaração de IES referente ao ano de 2008 não pode configurar-se como um erro que possa ser rectificado nos termos do art. 249.° do Código Civil.
43. Em bom rigor, a "rectificação" pretendida pela Recorrida representou, nada mais, nada menos, do que a apresentação extemporânea de um documento que devia instruir a candidatura ab initio.
44. Saliente-se ainda que a actuação do Júri do Concurso no procedimento pré-contratual está fortemente limitada também ao nível dos esclarecimentos a solicitar aos candidatos, designadamente sobre os documentos destinados à sua qualificação.
45. O Júri do Concurso nada podia fazer relativamente ao invocado "lapso informático" da Recorrida, porquanto, verificando-se a falta de um documento de candidatura - porque, repita-se, não constava da candidatura apresentada dentro do prazo -, não pode o Júri do Concurso deixar de propor a exclusão dessa candidatura.
46. Acresce que a "resposta" dada pela Recorrida - entrega extemporânea do documento em falta - visou suprir uma omissão que determina a sua exclusão nos termos do disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 184.° do CCP.
47. Ora, a rectificação pretendida pela Recorrida era manifestamente ilegal!
48. Ainda que estivéssemos perante uma situação de "justo impedimento" - situação objectiva que impedisse a Recorrida de apresentar o aludido documento em tempo e não lhe fosse directamente imputável, e que não se verificou no presente caso - o Júri do Concurso, e a ora Recorrente, correriam o risco de ver uma decisão favorável à pretensão da Recorrida vir a ser anulada pelo TCA Sul (cfr. Acórdão de 18.11.2010, Proc. N.º 06659/10, in www.dgsi.pt), porquanto ali se entendeu que: "Atentos os valores da transparência, igualdade e concorrência, que devem estar presentes nos concursos públicos, não devem ser aceites propostas entregues fora de prazo, mesmo que tal tenha ocorrido por justo impedimento, não sendo aqui aplicável o referido princípio." - negrito nosso.
49. Como se demonstrou à saciedade, perante o bloco de legalidade aplicável ao presente Concurso, os actos do Júri e da ora Recorrente assumem um carácter vinculado, uma vez que o quadro legal em apreço não admite outra interpretação e aplicação que não fosse a seguida por aqueles órgãos, pelo que, repita-se, a única decisão que se impunha era no sentido de excluir do Concurso a candidatura apresentada pela aqui Recorrida.
50. Ao decidirem desse modo, quer o Júri, quer a Recorrente, limitaram-se a aplicar a lei de forma isenta, objectiva, neutral, independente, sem favoritismos nem privilégios, pelo que foram imparciais não quebrando a confiança que os candidatos depositaram na sua actuação.
51. E, tendo sido estritamente vinculada a actuação da Recorrente (bem como a do Júri do Concurso), nunca poderão assumir relevância anulatória da deliberação impugnada a violação dos princípios norteadores da contratação pública (e, em geral, reguladores da actividade administrativa), uma vez que aquela só ocorre quando a Administração actua no exercício dos seus poderes discricionários.
52. Com efeito, ao exercitar poderes vinculados esses princípios consomem-se no princípio da legalidade - cfr., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 25.10.2007, Proc. N.º 0392/07, in www.dgsi.pt).
53. No presente caso, quer o Júri do Concurso, quer a Recorrente, não gozam de prerrogativa de avaliação ou de discricionariedade, pelo que terá de concluir-se que a deliberação impugnada não tem alternativa juridicamente válida, fosse qual fosse a intervenção, quer do Júri, quer da Recorrente, no procedimento pré-contratual, a decisão final não poderia ter outro sentido.
54. Em suma: não se vê que os princípios invocados tenham sido violados, já que a Recorrente se limitou a cumprir as normas ou imperativos legais.
55. Na verdade, os aludidos princípios genéricos, e abstractos, não colidem com aquelas regras legais e/ou regulamentos, porquanto estas regras não só pressupõem esses princípios na sua estatuição como visam, sobretudo, prossegui-los.
56. Ademais, os princípios conflituam muitas vezes entre si e só perante o caso concreto é que se verificará a prevalência de um ou uns sobre os outros.
57. No caso vertente, prevalece o princípio da legalidade, aliado ao princípio da transparência, da imparcialidade e até o da igualdade, pois a legalidade em causa assegura precisamente a prevalência destes princípios.
58. Sintetizando: do exame dos documentos que regem o concurso - o PC e o CE, complementados pelos esclarecimentos prestados pelo Júri - e da deliberação do Júri vertida no Relatório Preliminar de Qualificação - resulta manifesto que a deliberação do Conselho de Administração da Recorrente de 25.10.2010 é absolutamente válida, respeitando todas as normas legais e regulamentares aplicáveis a procedimentos concursais, maxime o disposto no CCP.
59. Com efeito, ao contrário do decidido no acórdão recorrido, a deliberação impugnada encerra correcta interpretação e aplicação do art. 184.°, n.º 2, aI. e), do CCP, ao determinar a exclusão da candidatura da Recorrida por esta não conter, ab initio, um documento de qualificação expressamente exigido no Programa do Concurso.
60. Face a tudo o que antecede, e por ser plenamente válido o acto impugnado, deve ser revogado o douto acórdão recorrido.
NESTES TERMOS,
Deve ser admitido o presente recurso de revista, e, consequentemente, ser julgado procedente o seu mérito, revogando-se o acórdão recorrido do TCA SUL de 30.06.2011, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA».
1.5. A recorrida alegou em contrário, concluindo:
«I. O presente recurso de revista foi interposto pela Agência Nacional das Compras Públicas, E.P.E. (ANCP), ora Recorrente, do douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30.06.2011 (Proc. n.º 07645/11), que concedeu provimento ao recurso jurisdicional interposto pela A........., S.A., ora Recorrida, da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, de 28.02.2011 (Proc. n.º 2595/10.1 BESLB).
II. Sucede que o presente recurso é claramente inadmissível, se não mesmo inepto, pois:
A ANCP não invoca ou demonstra a verificação in casu dos requisitos previstos no art. 150.° do CPTA para o recurso de revista; e
A ANCP formula diversos quesitos a este Venerando Supremo Tribunal que, para além de assentarem numa petição de princípio quanto à procedência da tese da Recorrente, têm por base pressupostos que não se verificam (v. art. 690° do CPC; cfr. art. 1° do CPTA);
III. Mesmo que assim não se entendesse - o que apenas se admite por cautela de patrocínio e sem conceder minimamente -, o presente recurso sempre seria claramente improcedente.
IV. Na verdade, como não pode deixar de se entender, o douto aresto recorrido não viola o CCP ou os princípios da igualdade, concorrência e intangibilidade das candidaturas, tal como alegado pela Recorrente, sendo antes esta entidade que viola tais princípios, ao pretender subsumir o direito aos factos e não os factos ao direito, como se impõe!
V. A verdade, sempre assumida pela Recorrida desde o primeiro momento, é que ocorreu um lapso no carregamento ("upload') da declaração IES de 2008 da Recorrida na plataforma electrónica, já que o ficheiro informático carregado na plataforma, com a designação "IES_A.........2008', continha a informação IES referente ao ano de 2009 e não aquela referente ao ano de 2008.
VI. Sendo que a Recorrida se limitou, de forma totalmente transparente e inócua, a rectificar o carregamento de um ficheiro na plataforma - ficheiro esse contendo um documento de carácter oficial e de conteúdo intangível - não a fazer uma apresentação extemporânea de um documento.
VII. Não pode assim aceitar-se a tese, que a Recorrente tenta a todo custo fazer prevalecer - com o propósito de tornar aplicáveis as disposições do Código dos Contratos Públicos visadas -, de tratar indistintamente algo que é indistinto.
VIII. Devendo refutar-se veemente a tese alarmista da Recorrente que fazer crer que a confirmação por esse Venerando Supremo Tribunal do douto acórdão recorrido lançará os membros dos júris dos concursos e as entidades adjudicantes na incerteza sobre a aplicação das normas do Código dos Contratos Públicos!
IX. É pois a tese da Recorrente, refutada de forma irrepreensível pelo douto acórdão recorrido, que, pelo contrário,
- Viola flagrantemente o direito da candidata A......... a rectificar um mero lapso da sua candidatura sem relevância na intangibilidade das propostas e na estabilidade do procedimento, em desrespeito, designadamente do art. 249.° do Código Civil e do Princípio da Intangibilidade das Propostas ínsito no Princípio da Concorrência e da Igualdade (v. n.º 4 do art. 1.° do CCP);
- Viola flagrantemente os Princípios da Igualdade e da Concorrência, consagrados no n.º 4 do art. 1.° do CCP;
- Viola flagrantemente o Princípio da Proporcionalidade consagrado no art. 5.° do CPA;
X. Acresce que, ao contrário do que a Recorrente quer também fazer crer, não há qualquer condenação que invada espaços de valoração própria do Recorrente mas apenas um comando jurisdicional que impõe à Recorrente a prática de um acto procedimental que lhe era exigível por lei e que esta, por ter excluído ilegalmente a candidatura da Recorrida, não cuidou de praticar.
XI. E, ademais, improcede o imputado erro na aplicação do artigo 149.° do CPTA, dado que o recurso de revista não pode ter por objecto a decisão de facto (v. art. 150°/1 e 2 do CPTA) e, em qualquer caso, trata-se de matéria constante do Processo Instrutor junto aos autos pela Recorrente pelo que não foi violado qualquer direito de contraditório da Recorrente
Termos em que, com o douto suprimento de V. Ex.as, não deve ser admitido o presente recurso, ou, caso assim não se entenda, deve ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se o douto Acórdão recorrido, como é de Lei e de Justiça!».
1.6. O digno magistrado do Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
«I Vem o presente recurso de revista interposto do douto acórdão do TCAS que, revogando a sentença proferida pelo TAC de Lisboa que julgara improcedente a acção de contencioso pré-contratual intentada por A........., SA contra a ora recorrente, anulou a deliberação impugnada que manteve a proposta de exclusão da candidatura da recorrida, constante do Relatório Preliminar elaborado pelo júri do concurso limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo quadro para o fornecimento de veículos automóveis e motociclos de aluguer operacional, e bem assim o subsequente procedimento, condenando a autoridade recorrente a admitir aquela candidatura, aprovar novo relatório final em que a recorrida seja também qualificada, e a dirigir aos candidatos assim admitidos novos convites à apresentação de propostas.
A recorrente imputa ao mesmo acórdão erro de julgamento, por indevida interpretação e aplicação, do artº 184º, nº 2, e) do Código de Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo DL nº 18/2008, de 29 de Janeiro, ao abrigo do qual foi determinada a exclusão da candidatura da recorrida, e ainda violação dos artºs 95º, nº 3 e 149º, nºs 3/5, ambos do CPTA - cf. conclusões 25, 27 e 59.
Em nosso parecer, o recurso merecerá provimento.
II A autoridade recorrente sustenta, em síntese, que a candidatura da recorrida não foi instruída com a declaração de IES referente ao ano de 2008, em clara violação dos artºs 10º, nº 1, a) e 11º, nº 1 do Programa do Concurso (PC), pelo que a exclusão da candidatura é a cominação legal da sua apresentação sem todos os documentos exigidos, tratando-se de acto de conteúdo vinculado a praticar, quer pelo júri do concurso, quer pelo órgão competente para a decisão de qualificar - cf., designadamente, conclusões 30, 34 e 35.
O douto acórdão recorrido entendeu, porém, que a junção da declaração de IES do ano de 2008, já após o prazo limite para a entrega das candidaturas, não pode configurar a violação do PC, posto que se tratou da rectificação de manifesto erro material no carregamento do documento na plataforma do concurso, rectificação essa expressamente admitida pelo artº 249º do CC - cf. fls 429.
Para tanto, o mesmo acórdão considerou que o documento em causa "não se encontrava em falta: a candidata quis enviá-lo mas, por lapso alheio à sua vontade, foi carregada e enviada uma declaração de IES referente ao ano de 2009" e não ao ano de 2008 - cf. fls 430.
Salvo o devido respeito, entendemos não ser possível inferir da factualidade provada a conclusão de que o documento não estava em falta. Com efeito, resulta dos factos assentes, em particular, sob as alíneas vii e viii, que aquele documento não foi junto aquando da apresentação da candidatura, tendo-o sido apenas em 6/9/2010, já após o termo do respectivo prazo.
Como defende a autoridade recorrente, se a recorrida apresentou um documento que não corresponde ao exigido no PC, isso não pode deixar de equivaler à falta de apresentação do documento nele concretamente exigido, o que não é configurável como um erro susceptível de rectificação, nos termos do artº 249º do CC - cf. conclusões nºs 41 e 42 do recurso.
Na verdade, parece-nos claro que uma qualquer rectificação, neste caso, teria de reportar-se imediatamente à declaração de junção do documento apresentado, já que, nos termos daquele preceito, o erro de cálculo ou de escrita da declaração apenas dá o direito à rectificação desta.
Assim, a defender-se, ao abrigo deste preceito legal, a possibilidade de rectificação da declaração de junção de documento que instruiu a candidatura da recorrida, ela só poderia ter por objecto mediato o documento correspondente e não outro.
Nesta perspectiva, rectificável seria apenas, no caso em apreço, o lapso de identificação do documento junto com a menção de "IES_A........._2008", o qual se revela, manifesta e evidentemente, em face do respectivo conteúdo respeitar ao ano de 2009.
Diferentemente, a rectificação pretendida, incidindo imediatamente e só sobre documento distinto do apresentado no acto da candidatura, e junto já após ter terminado o respectivo prazo, mais não é do que a apresentação extemporânea de um novo documento, como igualmente defende a autoridade recorrente - cf., conclusão 43 das alegações.
Por outro lado, estando em falta um documento que deveria instruir a candidatura da recorrida, a sua exclusão impunha-se vinculadamente ao júri e à entidade adjudicante, nos termos do disposto no artº 184º, nº 2, e) do CCP e em conformidade com o disposto nos artºs 10º, nº 1, a); 11 º, nº 1; 13º, nº 1 e 16º, nº 3 do PC.
Na verdade, as causas de exclusão das candidaturas são de aplicação vinculada e obrigatória, sendo que a vinculação dos órgãos competentes não comporta excepções legais no que respeita ao dever de exclusão das candidaturas, uma vez preenchidos os respectivos pressupostos legais - cf. "Concursos e outros Procedimentos de Contratação Pública", Mário Esteves de Oliveira/Rodrigo Esteves de Oliveira, Almedina, 2011, pp. 838 e 954/955.
Ora, a causa de exclusão da candidatura prevista no artº 184º, nº 2, e) do CCP traduz-se na falta de apresentação de todos os documentos que constituam a candidatura, estabelecendo-se no mesmo preceito uma norma fechada e incondicional.
Acresce que, ao contrário do que expressamente se admitia no artº 101º, nº 4 do DL nº 197/99, o CCP não prevê um regime de admissão condicional da candidatura - cf. ob cit, pp. 943/944 e 958/960.
Em consequência, impõe-se concluir no sentido propugnado pela autoridade recorrente de que, não possuindo aquelas entidades prerrogativa de avaliação ou de discricionariedade na matéria, a deliberação impugnada não tem alternativa juridicamente válida - cf. conclusão 53 das alegações.
III Decidindo diversamente, o douto acórdão recorrido incorreu no alegado erro de interpretação e aplicação do artº 184º, nº 2, e) do CCP pelo que, em nosso parecer, o presente recurso de revista merecerá provimento, devendo o mesmo ser revogado e julgada improcedente a acção intentada contra a ora recorrente, nos termos da decisão de primeira instância».
1.7. Apenas a recorrida se pronunciou sobre o parecer, dizendo:
«1. Salvo o devido respeito, que é muito, a ora Recorrida não pode deixar de manifestar a sua discordância com as considerações vertidas no douto Parecer emitido pelo Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto.
2. Em primeiro lugar, cumpre notar que o advento da contratação electrónica torna exigível uma interpretação actualista da lei e não a esterilização do direito constituído em momento anterior à sua implementação.
3. Não pode desta forma aceitar-se a tese, simplista e desajustada da realidade procedimental electrónica vigente, nos termos da qual "... rectificável seria apenas, no caso em apreço, o lapso de identificação do documento junto com a menção de "IES_A........._200B" ... ".
4. Salvo o devido respeito, o art. 249.° do Código Civil, mesmo numa interpretação conservadora, há de permitir mais do que a rectificação da denominação de um ficheiro informático ...
5. Na verdade, o art. 249.° do Código Civil permite a rectificação de uma declaração - i.e. do seu conteúdo - como não pode deixar de se reconhecer - face ao conteúdo claro e expresso do dispositivo em causa.
6. Em segundo lugar, reitera-se ser inusitada, para sustentar o sentido do decidido, a citação de uma passagem de MÁRIO ESTEVES DE OLlVEIRA/RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA (cfr. Concursos e outros Procedimentos de Contratação Pública, Almedina, 2011, pp. 838 e 954/955), quando, como já teve a oportunidade de se referir, estes Autores sempre advogaram entre nós, e continuam ainda hoje inequivocamente a advogar, a "teoria das formalidades não essenciais", segundo a qual, "Existirá ( ... ) uma situação de irrelevância (substantiva) do vício procedimental sempre que, e na medida em que, os fins específicos que a imposição legal ou regulamentar da formalidade visava atingir tenham sido comprovadamente alcançados, no caso concreto, ainda que por outra via. Assegura-se desta forma o valor dos preceitos de forma, mas evita-se cair num formalismo excessivo ou estéril, tendo em consideração o carácter instrumental das prescrições procedimentais" (cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Concursos e outros procedimentos de contratação pública, Almedina, 2011, pág. 247)
7. Sendo certo que RODRIGO ESTEVES OLIVEIRA é peremptório em admitir esta rectificação e em refutar que a mesma viole a intangibilidade das propostas/candidatura (v. supra - Os princípios gerais da contratação pública, Ob. cit., pág. 76 e segs).
Termos em que, com o douto suprimento de V. Ex.as, deve o presente recurso ser julgado improcedente, nos termos e pelos fundamentos invocados nas Alegações da Recorrida, como é de Lei e de Justiça!».
1.8. O recurso foi admitido por acórdão da formação prevista no art. 150.º, n.º 5, do CPTA.
Cumpre apreciar e decidir.
2.
2.1. O acórdão recorrido contém o seguinte ponto autónomo em matéria de facto:
«FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida deu como assente a seguinte factualidade:
i. Em 23-7-2010 foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia, com o nº 2010/S 143-220480, e no Diário da República, II Série, nº 143, o anúncio de concurso limitado por prévia qualificação, aberto pela ora demandada, para a celebração de acordo quadro para o fornecimento de veículos automóveis e motociclos e aluguer operacional - cfr. doc. constante do processo administrativo digitalizado;
ii. Tendo o programa do concurso e o caderno de encargos [e respectivos anexos] sido estabelecidos conforme constam do processo administrativo digitalizado, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
iii. Do artigo 10º do Programa do Concurso, com a epígrafe "Documentos destinados à qualificação dos candidatos", consta o seguinte:
"1. Para verificação do cumprimento dos requisitos mínimos obrigatórios de capacidade técnica e financeira indicados no artigo 7º do presente programa de concurso, as candidaturas devem ser acompanhadas dos seguintes documentos, sob pena da sua exclusão: a) Declarações de IES validadas pelos serviços de finanças, referentes aos anos de 2007, 2008 e 2009, caso o candidato tenha três exercícios de actividade, ou referentes aos anos concluídos, que devem ser enviadas em ficheiro com a designação "IES _[designação_candidato]_[ano].pdf"";
iv. Consta do artigo 11º, nº 1 do Programa do Concurso, com a epígrafe "Documentos que constituem a candidatura" que "A candidatura é constituída pelos documentos referidos no artigo anterior destinados à qualificação e selecção do candidato, bem como pela declaração do candidato elaborada em conformidade com o modelo constante do Anexo I ao presente programa de concurso" - cfr. doc. constante do processo administrativo digitalizado;
v. Do nº 1 do artigo 13º do referido do Programa do Concurso consta que "as candidaturas devem ser apresentadas até às 17 horas do dia 31 de Agosto de 2010, na plataforma" - Idem;
vi. Em 26-8-2010, a autora apresentou, através de plataforma electrónica, a sua proposta no âmbito do referido concurso, relativamente ao lote 7 do grupo 2, lotes 28, 29, 31, 32, 34 a 37 e 43 a 47 do grupo 4 e lotes 50 a 55 e 60 a 65 do grupo 5 - cfr. págs. 4 e 17 do relatório preliminar da fase de qualificação, a fls. 49 e 62 dos autos;
vii. Aquando da apresentação da sua candidatura a autora não juntou a declaração "IES" referente ao ano de 2008 - acordo;
viii. A autora procedeu à entrega do documento em falta, mencionado em vii, em 6-9-2010 - acordo;
ix. Em 11-10-2010, foi elaborado pelo Júri do Concurso o relatório preliminar da fase de qualificação, no qual foi proposta a exclusão da autora do procedimento, com os fundamentos expostos a fls. 18-19 do relatório preliminar da fase de qualificação, a fls. 63-64 dos autos, que se passa a transcrever [doc. de fls. 46 a 150 e acordo]:
"Nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 10º do PC, as declarações de IES relativas aos exercidos de 2007, 2008 e 2009 deviam ser entregues com a candidatura para análise da mesma quanto ao requisito mínimo obrigatório de capacidade financeira a que se refere o nº 2 do artigo 7º do PC. O requisito em causa é de preenchimento obrigatório conforme se poderá verificar atento o disposto no nº 2 do artigo 165º do CCP, sendo as declarações de IES os documentos necessários para análise do seu cumprimento.
O candidato apresentou atempadamente as declarações IES relativas a 2007 e 2009, tendo apresentado a declaração relativa a 2008 fora do prazo para entrega da candidatura. O Júri deliberou pela não admissão do documento apresentado fora do prazo concedido para o efeito [prazo limite para apresentação das candidaturas] atendendo ao princípio da igualdade e da boa-fé, já que a sua admissão determinaria um comportamento além do exigido pelas regras do procedimento a que o Júri se encontra vinculado, prejudicando, desse modo, todos os outros candidatos que as cumpriram.
A inexistência da declaração de IES relativa ao exercício de 2008 impossibilita a análise da candidatura relativamente ao requisito mínimo obrigatório a que se refere o nº 2 do artigo 7º do PC o que determina a sua exclusão nos termos da alínea e) do nº 2 do artigo 184º do CCP.
Encontra-se, por isso, prejudicada a análise da candidatura relativamente ao cumprimento dos requisitos mínimos obrigatórios de capacidade técnica e financeira [artigo 7º do PC] e quanto à avaliação da capacidade técnica e financeira [artigo 8º do PC]".
x. Tendo a autora apresentado em 18-10-2010 a sua pronúncia, em sede de audiência prévia, relativamente à proposta da sua exclusão do procedimento, supra referida, nos termos constantes do requerimento de fls. 152 a 164;
xi. Em 25-10-2010, foi proferida a deliberação do Conselho de Administração da entidade demandada, ora impugnada, constante de fls. 166 a 170 dos autos e cujo teor que aqui se dá por integralmente reproduzido, confirmando a exclusão da candidatura da ora autora do procedimento concursal em causa, nos termos e com os fundamentos nela expostos;
xii. Em 25-11-2010, o Conselho de Administração da Entidade Demandada proferiu a deliberação constante de fls. 219 a 221, na qual foi deliberado:
"7. Aprovar o relatório final do Júri;
2. Qualificar os seguintes candidatos:
[...]
3. Notificar os candidatos da decisão de qualificação, remetendo-lhes o relatório final da fase de qualificação;
4. Fixar em 36 dias o prazo para apresentação de propostas;
5. Aprovar o convite à apresentação de propostas e enviá-lo, em simultâneo com a notificação referida no número três, aos candidatos qualificados";
xiii. Tendo sido efectuado em 26-11-2010 o convite à apresentação das propostas aos candidatos qualificados na primeira fase do procedimento - cfr. doc. de fls. 223 a 233;
xiv. A presente acção deu entrada em Tribunal em 25-11-2010, conforme registo constante de fls. 3 dos autos.
E, por se mostrar também com interesse para a decisão, ao abrigo do disposto no artigo 712º, nº 1, alínea a) do CPCivil, aplicável "ex vi" artigo 1º do CPTA, adita-se à matéria de facto dada como assente na 1ª instância, o seguinte facto:
xv. Na declaração a que alude o artigo 168º, nº 1 do CCP, a recorrente declarou expressamente que juntava as declarações de IES validadas pelos serviços de finanças referentes aos exercícios de 2007, 2008 e 2009 [cfr. declaração anexo I apresentada pela recorrente e constante do processo instrutor digitalizado]».
2.2.1. A questão primeira que foi a razão de admissão do presente recurso por parte do acórdão da formação releva da interpretação e aplicação ao caso dos autos do artigo 184.º, n.º 2, e), do Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo DL n.º 18/2008, de 29 de Janeiro.
Foi nessa matéria que a recorrente centrou a sua alegação para a admissão do recurso e foi por ela que o recurso foi admitido, como veremos mais adiante.
Mas antes da análise dessa matéria impõe-se fazer uma prevenção quanto ao âmbito do recurso de revista.
Conforme o artigo 12.º, 4, do ETAF, "A secção de contencioso administrativo conhece apenas de matéria de direito nos recursos de revista".
Consequentemente, o artigo 150.º do CPTA dispõe: «3 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado./ 4 - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.»
Ora, na conclusão 27, a recorrente alega: «Por outro lado, o acórdão recorrido padece ainda de um outro erro grave na aplicação do direito, porquanto encerra incorrecta interpretação e aplicação do disposto no art. 149.º, n.ºs 3, 4 e 5, do CPTA, na medida que se aditou matéria de facto nova (cfr. ponto xv, pág. 6 do acórdão recorrido) e a Recorrente não foi ouvida, em sede de recurso, sobre a ampliação do objecto do pedido, matéria cujo conhecimento, recorde-se, havia ficado prejudicado na sentença de 28.02.2011 do TAC de Lisboa».
Há-de notar-se que a recorrente funde a questão do aditamento de matéria de facto com a ampliação do objecto do pedido. Mas há que cindir.
Quanto à matéria de facto, a recorrente não tem razão quando entende que antes de fixar essa matéria teria de ser ouvida.
É que não se trata de o Tribunal Central ter conhecido de qualquer questão ou do mérito da causa, não conhecidos pelo TAC Lisboa. Para essas situações é que se aplica o disposto no artigo 149.º, n.º 5, do CPTA.
No caso, o acórdão recorrido limitou-se a um aditamento, no quadro do disposto no artigo 712, n.º 1, a), do CPC, como expressamente sinalizou, e esse quadro não vem contestado.
Depois, a recorrente não aponta que a matéria de facto tenha sido fixada nesse aditamento contra disposição expressa de lei exigindo certa espécie de prova para que se procedesse a tal fixação, ou que tenha sido realizada contra a força legal de determinado meio de prova.
Não estão, assim, preenchidos os requisitos que permitem a sindicância, em revista, de eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa. E diga-se, aliás, que nem sequer vem alegado qualquer erro.
Já quanto à alegada ampliação do objecto do pedido será discutida mais à frente, se for pertinente.
2.2.2. Regressemos, pois, à questão primeira que foi a razão de admissão do presente recurso.
O acórdão da formação, acolhendo o interesse da discussão dessa matéria, ponderou:
«A decisão da 1ª instância considerou, em síntese, que as candidaturas teriam, segundo o PC, de ser apresentadas obrigatoriamente até às 17 horas do dia 31.08.2010, e de ser instruídas, sob pena de exclusão, com os documentos indicados no art. 10º do Programa do Concurso (entre os quais a declaração de IES relativa ao ano de 2008), exclusão que o júri teria obrigatoriamente que propor ao órgão competente para a decisão de contratar no relatório preliminar da fase de qualificação.
Considerou, assim, que a situação dos autos se subsume inteiramente à previsão normativa do art. 184º, nº 2, al. e) do CCP, pelo que a exclusão da proposta em causa, por falta de apresentação atempada da referida declaração de IES relativa ao ano de 2008, era a única decisão legalmente correcta, chamando, aliás, a atenção para que o disposto no nº 1 do art. 183º (onde se prevê que o júri pode pedir esclarecimentos aos candidatos sobre os documentos) pressupõe a sua efectiva apresentação, não visando a norma desencadear a apresentação de um documento em falta.
O acórdão recorrido adoptou posição contrária, considerando que "a junção da declaração de IES do ano de 2008 já para além do prazo limite para a entrega das candidaturas não pode configurar a violação por parte da candidata do disposto nos artigos 10º, nº 1 e 13º, nº 1 do Programa do Concurso, posto que se tratou da rectificação de manifesto erro material no carregamento do documento na plataforma do concurso, rectificação essa expressamente admitida pelo artigo 249º do Cód. Civil", e que o lapso no carregamento do documento na plataforma electrónica do concurso não equivale a omissão de junção do documento, pelo que "o documento «declaração de IES referente ao ano de 2008» não se encontrava em falta: a candidatura quis enviá-lo mas, por lapso alheio à sua vontade, foi carregada e enviada uma declaração de IES referente ao ano de 2009".
Entendeu, pois, que a deliberação impugnada violou o disposto na al. e) do nº 2 do art. 184º do CCP, tendo anulado esta deliberação e todo o procedimento subsequente à mesma.
A recorrente sinaliza, na sua alegação, duas questões fundamentais que pretende ver reapreciadas por este STA:
a) interpretação e aplicação do novo regime previsto no art. 184º, nº 2, al. e) do CCP (atinente ao dever de exclusão das candidaturas no âmbito do relatório preliminar da fase de qualificação), e as consequências que do mesmo decorrem para os candidatos que não apresentem todos os documentos da candidatura exigidos nas peças do programa do procedimento, conjugado com a nova regulamentação instituída pela Portaria nº 701-G/2008, de 29 de Julho, designadamente no que concerne ao disposto nos seus arts. 10º, 18º, 19º e segs., relativos ao modo de carregamento e submissão das candidaturas através de plataformas electrónicas de contratação pública;
b) saber se, em face das disposições injuntivas constantes dos arts. 183º, nº 2, 2ª parte (proibição de suprir omissões que determinam a exclusão nos termos do art. 184º, nº 2, al. e), ambos do CCP, pode o Júri do Concurso aceitar a apresentação de novos documentos de qualificação quando já se encontra ultrapassado o prazo fixado nas peças do procedimento para a apresentação das respectivas candidaturas.
As questões suscitadas são de importância fundamental, do ponto de vista da sua complexidade e relevância jurídica, justificando, em nosso entender, a intervenção clarificadora do STA.
Está em causa controvérsia reportada ao novo regime consagrado no CCP (que rompeu com o anterior regime de contratação pública constante do DL nº 197/99, de 8 de Junho), no que toca à exclusão de candidaturas em sede de concurso limitado por prévia qualificação, por falta de apresentação (ou apresentação incorrecta passível de rectificação) dos documentos exigidos no programa do procedimento, à luz da regulamentação da submissão das candidaturas através de plataformas electrónicas de contratação pública.
As instâncias decidiram de modo diverso, com fundamentação que poderá ter-se como juridicamente plausível, sendo certo que as questões suscitadas não foram ainda objecto de específica apreciação por parte deste STA, não se encontrando jurisprudência concretamente incidente sobre tal matéria.
A intervenção deste Supremo Tribunal, em sede de revista, terá assim o condão de elaborar uma adequada exegese dos normativos referidos, dentro do actual regime de contratação pública proclamado no CCP, em matéria que assume inegável relevância jurídica e social».
A matéria assim identificada é a primeira discussão a travar.
Da decisão dessa questão dependerá a necessidade de discussão dos restantes elementos de ataque ao acórdão recorrido.
2.2.2.1. Como decorre da matéria de facto, através de aviso datado de 23-7-2010 foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia, com o nº 2010/5 143-220480, e no Diário da República, II Série, nº 143, o anúncio de concurso limitado por prévia qualificação, aberto pela Agência Nacional de Compras Públicas, EPE, ora recorrida, para a celebração de acordo quadro para o fornecimento de veículos automóveis e motociclos e aluguer operacional.
O artigo 10º, n.º 1, do Programa de Concurso (PC) prevê:
«1. Para verificação do cumprimento dos requisitos mínimos obrigatórios de capacidade técnica e financeira indicados no artigo 7º do presente programa de concurso, as candidaturas devem ser acompanhadas dos seguintes documentos, sob pena da sua exclusão: a) Declarações de IES validadas pelos serviços de finanças, referentes aos anos de 2007, 2008 e 2009, caso o candidato tenha três exercícios de actividade, ou referentes aos anos concluídos, que devem ser enviadas em ficheiro com a designação "IES _[designação_candidato]_[ano].pdf"»
Por sua vez, o artigo 11º, do mesmo Programa do Concurso, sob a epígrafe «Documentos que constituem a candidatura», estabelece, no n.º 1, que «A candidatura é constituída pelos documentos referidos no artigo anterior destinados à qualificação e selecção do candidato».
As candidaturas deveriam «ser apresentadas até às 17 horas do dia 31 de Agosto de 2010, na plataforma» (do artigo 13º, 1, do referido do Programa do Concurso).
Logo que propôs a acção, a A........., SA sustentou que, por mero lapso informático, o ficheiro correspondente à declaração de IES [informação empresarial simplificada] relativa ao ano de 2008 havia sido carregado na plataforma com o conteúdo da informação correspondente à declaração IES de 2009, circunstância esta que rectificara, no dia 6-9-2010, portanto, já para além do prazo previsto no artigo 11º, nº 1, do Programa do Concurso.
Esse lapso informático - manifesto, no entender da recorrente - permitiria a rectificação da declaração, nos termos preconizados pelo artigo 249º do Código Civil, pelo que não lhe deveria ter sido aplicada a sanção de exclusão prevista no 184°, n.º 2, e), do CCP, sanção retomada no artigo 16.º, n.º 3, do Programa do Concurso, estabelecendo que no relatório preliminar «o Júri deve também propor a exclusão das candidaturas relativamente às quais se verifique alguma das situações a que alude o n.º 2 do artigo 184.º do CCP».
A sentença não acolheu a pretensão da Autora, considerando que o que se passara se integrava na previsão de exclusão por falta de entrega de documentos, pelo que a entidade administrativa estivera bem ao excluí-la.
2.2.2.2. Essa decisão veio a ser revogada pelo acórdão sob recurso, que teve o seguinte núcleo fundamentador:
«A recorrente admite que só em 6-9-2010 - portanto já fora do prazo previsto no nº 1 do artigo 13º do Programa do Concurso para a apresentação das candidaturas - juntou a declaração de IES referente ao ano de 2008, mas sustenta que tal junção se destinou a colmatar um lapso evidente, já que a declaração de IES do ano de 2008 enviada tempestivamente incorporava, de facto, a declaração referente ao ano de 2009, que deste modo seguiu em duplicado.
Isso mesmo parece demonstrar a factualidade apurada, já que a declaração que a recorrente fez a acompanhar a sua candidatura dá nota de que aquela juntou - ou pretendeu juntar - as declarações de IES referentes aos anos de 2007, 2008 e 2009, o que só não aconteceu com a de 2008, pois por lapso no respectivo carregamento aquela seguiu contendo a declaração de IES referente ao ano de 2009.
E, a ser assim, como nos parece que é, a junção da declaração de IES do ano de 2008 já para além do prazo limite para a entrega das candidaturas não pode configurar a violação por parte da candidata do disposto nos artigos 10º, nº 1, e 13º, nº 1, do Programa do Concurso, posto que se tratou da rectificação de manifesto erro material no carregamento do documento na plataforma do concurso, rectificação essa expressamente admitida pelo artigo 249º do Cód. Civil.
A conclusão de que se tratou de um erro manifesto, evidente, decorre da natureza do documento - declaração de informação empresarial simplificada, que contém uma nova forma de entrega de obrigações declarativas de natureza contabilística, fiscal e estatística, permitindo o cumprimento de quatro obrigações legais de uma vez, de forma electrónica e totalmente desmaterializada e uma nova forma de prestação de informação sobre as contas anuais das empresas a quatro entidades públicas diferentes, através de formulários únicos [cfr. DL nº 8/2007, de 17/1] -, que é apresentado na plataforma electrónica fiscal e é validado pela Administração Fiscal, não podendo ser adulterado ou manipulado, visto o seu conteúdo ser fixo e inalterável, após a referida validação, tal como não se pode alterar ou adulterar uma declaração de IRS depois de submetida e validada pela Administração Fiscal.
Deste modo, constituem realidades distintas o facto de um candidato pura e simplesmente omitir a junção de determinado documento de habilitação que o programa do concurso reputa de obrigatório e o facto de se pretender juntar e efectivamente juntar tal documento, mas por lapso no respectivo carregamento, o mesmo não dizer respeito ao ano pretendido. "In casu", ao contrário do alegado pela entidade recorrida, o documento "declaração de IES referente ao ano de 2008" não se, encontrava em falta: a candidata quis enviá-lo, mas por lapso alheio à sua vontade, foi carregada e enviada uma declaração de IES referente ao ano de 2009.
Constituindo realidades distintas, também o seu tratamento jurídico deve ser distinto, não podendo ir ao ponto de conduzir a uma interpretação meramente [ou exclusivamente] literal das normas do concurso que prevêem a exclusão das candidaturas com base na falta de documentos de habilitação reputados de obrigatórios para verificação do cumprimento dos requisitos mínimos obrigatórios de capacidade técnica e financeira dos candidatos, tal como fez o júri do concurso [e também a entidade competente para a qualificação dos candidatos], que equiparou a apresentação dum documento desconforme com o exigido no programa do procedimento à falta de apresentação desse mesmo documento no prazo naquele fixado.
Ora, o entendimento perfilhado pelo júri e pela ré - e ora recorrida - conduziria pura e simplesmente ao esvaziamento do direito à rectificação de erros previsto no artigo 249º do Cód. Civil, o que não é justo nem razoável, mesmo no âmbito dos procedimentos concorrenciais, já que o facto do CCP não prever, tal como o fazia o DL nº 197/99, de 8/6, no nº 3 do artigo 118º, a possibilidade do júri, verificando a não entrega de qualquer documento ou dado exigidos, notificar os concorrentes das faltas detectadas, concedendo-lhes um prazo até três dias para completarem as suas candidaturas, não significa que proíba a rectificação de erros manifestos detectados no carregamento de documentos reputados obrigatórios pelo programa do procedimento.
E, por outro lado, também não colhe a invocação da entidade recorrida no sentido de que a admissão da rectificação do lapso evidente no carregamento de determinado documento, permitindo a junção ou o carregamento do documento correcto para além do prazo limite previsto no programa do concurso, viola o princípio da intangibilidade das propostas/candidaturas.
É que o referido princípio significa apenas que, com a entrega da proposta ou candidatura e com o termo do respectivo prazo de apresentação, o concorrente/candidato fica vinculado ao que propôs, não a podendo mais retirar nem alterar até que seja proferido o acto de adjudicação ou até ao termo do prazo de validade da proposta ou, como refere exemplificativamente Rodrigo Esteves de Oliveira, "não é admitido ao concorrente «mexer» ou alterar a proposta durante a pendência do procedimento, integrando, modificando, reduzindo ou aumentando a pretensão ou a oferta inicialmente apresentada, seja para a tornar conforme aos parâmetros vinculativos constantes das peças do procedimento, seja para a tornar mais competitiva" ["Os Princípios Gerais da Contratação Pública", in Estudos da Contratação Pública, tomo I, a págs. 77/78].
Aqui chegados, importa concluir que a exclusão da candidatura da recorrente [tal como proposta pelo júri no relatório preliminar da fase de qualificação], determinada pela deliberação impugnada, datada de 25-10-2010, violou o disposto na alínea e) do nº 2 do artigo 184º do CCP, pelo que ao decidir pela não verificação de tal vício, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento».
Como se vê, elemento basilar do juízo do acórdão recorrido foi o de que a candidata A......... cometera um lapso material no carregamento do documento "declaração de IES referente ao ano de 2008". Assim, estava subtraída da aplicação do artigo 184°, n.º 2, e), primeira parte, do CCP, e do artigo 16.º, n.º 3, do Programa do Concurso.
2.2.2.3. Interessa recordar o texto dos artigos 183.º e 184.º do CCP.
«Artigo 183.º
Esclarecimentos sobre os documentos destinados à qualificação dos candidatos
1 - O júri do procedimento pode pedir aos candidatos quaisquer esclarecimentos sobre os documentos, da sua autoria, destinados à qualificação que considere necessários para efeitos da análise das candidaturas.
2 - Os esclarecimentos referidos no número anterior fazem parte integrante das respectivas candidaturas, desde que não contrariem os elementos constantes dos documentos que as constituem ou não visem suprir omissões que determinam a sua exclusão nos termos do disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo seguinte.»
«Artigo 184.º
Relatório preliminar da fase de qualificação
1 - Após a análise das candidaturas e a aplicação às mesmas do critério de qualificação, o júri elabora fundamentadamente um relatório preliminar, no qual deve propor a qualificação dos candidatos.
2 - No relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve também propor a exclusão das candidaturas:
a) Que tenham sido apresentadas depois do termo fixado para a sua apresentação;
b) Que sejam apresentadas por candidatos em violação do disposto no n.º 2 do artigo 54.º;
c) Que sejam apresentadas por candidatos relativamente aos quais ou, no caso de agrupamentos candidatos, relativamente a qualquer dos seus membros, a entidade adjudicante tenha conhecimento que se verifica alguma das situações previstas no artigo 55.º;
d) Que sejam apresentadas por candidatos que não preencham os requisitos referidos no n.º 4 do artigo 164.º, desde que o programa do concurso assim o preveja expressamente;
e) Que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos, salvo por aqueles que se refiram ao requisito de capacidade financeira previsto no n.º 2 do artigo 165.º desde que tenha sido apresentado um dos documentos previstos no n.º 3 do artigo 179.º;
f) Que não cumpram o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 168.º;
g) Que sejam constituídas por documentos destinados à qualificação não redigidos em língua portuguesa ou, nos casos previstos no n.º 2 do artigo 169.º, não acompanhados de tradução devidamente legalizada;
h) Que sejam constituídas por documentos destinados à qualificação que contenham qualquer referência indiciadora de algum dos atributos da proposta;
i) Que não observem as formalidades do modo de apresentação das candidaturas fixadas nos termos do disposto no artigo 170.º;
j) Que sejam constituídas por documentos falsos ou nas quais os candidatos prestem culposamente falsas declarações;
l) Cuja análise revele que os respectivos candidatos não preenchem os requisitos mínimos de capacidade técnica ou de capacidade financeira.
3 - No caso de a qualificação assentar no sistema de selecção, previsto no artigo 181.º, o relatório preliminar da fase de qualificação deve propor a ordenação dos candidatos que preencham os requisitos mínimos de capacidade técnica e de capacidade financeira exigidos.
4 - Do relatório preliminar da fase de qualificação deve ainda constar referência aos esclarecimentos prestados pelos candidatos nos termos do disposto no artigo anterior.»
E pois que na discussão foi estabelecida comparação com o regime do DL n.º 197/99, de 8 de Julho, interessa lembrar, também, o seu artigo 118.º.
«Artigo 118.º
Admissão de candidaturas
1 - No dia útil imediato à data limite para entrega das candidaturas, o júri procede, em sessão privada, ao exame formal das mesmas.
2 - O júri deve excluir as candidaturas que:
a) Não sejam recebidas no prazo fixado;
b) Incluam qualquer referência que seja indiciadora da proposta a apresentar.
3 - Verificando-se a não entrega de qualquer documento ou dado exigidos, o júri notifica os concorrentes das faltas detectadas, por via postal, telegrama, telefone ou telefax, concedendo-lhes um prazo até três dias para completarem as suas candidaturas.
4 - Sempre que a notificação a que se refere o número anterior seja feita pelo telefone, deve a mesma ser confirmada por carta registada, enviada o mais tardar no dia útil imediato, sem prejuízo da notificação se considerar feita na data da primeira comunicação.
5 - Cumprido o disposto nos números anteriores, o júri deve excluir as candidaturas quando:
a) Os documentos em falta não sejam entregues no prazo fixado;
b) Na nova documentação apresentada seja omitido qualquer dado exigido, desde que a falta seja essencial;
c) Não sejam entregues, no prazo fixado, os dados solicitados, desde que a falta seja essencial;
d) Na nova documentação apresentada incluam qualquer referência que seja indiciadora da proposta a apresentar.
6 - Os concorrentes devem ser notificados dos motivos da respectiva exclusão».
Não se encontra controvertido que entre o regime do CCP e o do DL 197/99 há uma efectiva mudança no que respeita às consequências da não apresentação de documentos exigidos.
O diploma de 97 permitia ao júri verificar a não entrega de algum documento, logo devendo notificar os concorrentes para a supressão da falta, sob pena, só então, de exclusão.
O regime do CCP não contém esse dever.
E não contém uma outra coisa que com ele estava relacionada. É que no CCP deixou de existir uma verdadeira fase de saneamento do concurso.
A inexistência dessa fase de saneamento foi alvo de crítica pela doutrina. Veja-se a reflexão de MARGARIDA OLAZABAL CABRAL: «A não previsão de uma fase de saneamento do concurso [...] não me parece um bom serviço prestado ao concurso público.
Do mesmo modo, faria sentido admitir a possibilidade de sanação de algumas irregularidades formais, evitando quer os concorrentes sejam drasticamente excluídos por razões menores», O concurso público no Código dos Contratos Públicos, em "Estudos de Contratação Pública I", Coimbra Editora 2008, pág. 200.
Assim, é possível afirmar, sem grandes dúvidas, que, ao contrário do que acontecia no regime de 97, a efectiva falta de documento exigido integra, em regra, a previsão de exclusão.
2.2.2.4. A questão está em que, no caso, o acórdão recorrido entende, afinal, que o documento havia sido entregue em tempo, mas com falha. E entendeu que essa falha, por constituir erro material, era suprível.
Vejamos.
Está fixado que «Na declaração a que alude o artigo 168º, nº 1 do CCP, a recorrente declarou expressamente que juntava as declarações de IES validadas pelos serviços de finanças referentes aos exercícios de 2007, 2008 e 2009 [cfr. declaração anexo I apresentada pela recorrente e constante do processo instrutor digitalizado»
Trata-se, portanto, da candidatura querer corresponder ao exigido no artigo 10.º Programa de concurso:
«1. Para verificação do cumprimento dos requisitos mínimos obrigatórios de capacidade técnica e financeira indicados no artigo 7º do presente programa de concurso, as candidaturas devem ser acompanhadas dos seguintes documentos, sob pena da sua exclusão: a) Declarações de IES validadas pelos serviços de finanças, referentes aos anos de 2007, 2008 e 2009, caso o candidato tenha três exercícios de actividade, ou referentes aos anos concluídos, que devem ser enviadas em ficheiro com a designação "IES _[designação_candidato]_[ano].pdf»
Simplesmente, no carregamento da declaração IES de 2008 foi incorporada a declaração de 2009.
Trata-se de carregamento electrónico. Mas é equivalente ao que poderia ocorrer, se se tratasse de entrega física, se se incorporasse em envelope com a identificação do documento exigido um documento que não lhe correspondia.
O tratamento das situações com este tipo de lapso pode ser diverso. Melhor dizendo, perante situações assim configuradas, aparentemente do mesmo tipo, pode, afinal, descobrir-se diferente natureza, a implicar, portanto, diferente tratamento.
Nomeadamente, para a caracterização como lapso material ou equivalente a lapso material (cujos estreitos limites são sublinhados no parecer do digno magistrado do Ministério Público), é necessário que seja possível fixar que o documento exigido e que se declarava entregar existia à data da primitiva entrega só não tendo seguido, efectivamente, por troca, por manuseio indevido.
Ora, no caso, foi possível fixar, que a IES «que é apresentado na plataforma electrónica fiscal e é validado pela Administração Fiscal, não pode ser adulterado ou manipulado, visto o seu conteúdo ser fixo e inalterável, após a referida validação».
E na verdade, nem a recorrente vem sequer colocar qualquer dúvida sobre a veracidade desse documento.
Nestas circunstâncias, nestas estritas e muito limitadas circunstâncias, deve o lapso ocorrido corresponder e ter tratamento equivalente ao de erro de escrita, sendo que é revelado no próprio contexto da declaração e das circunstâncias em que a declaração é feita, desde logo pelo quadro de sucessão de IES entregues 2007 (correcto), 2008 (incorrecto), 2009 correcto.
Assim, o primeiro juízo do acórdão recorrido é de acompanhar.
2.2.2.5. Aquela conclusão não resolve definitivamente o problema.
É que, mesmo considerando ter existido lapso material ou erro equivalente a lapso material, poder-se-ia entender que para o CCP, ainda assim, se deve considerar estar-se perante falta de documento, com a consequência da exclusão.
MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, "Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública", Almedina, 2011, ao discutir a delicadeza do problema da admissão condicional de propostas, abordam uma hipótese muito próxima da dos autos:
«Como quer que seja, consideramos um prejuízo grave para o interesse da entidade adjudicante e dos concorrentes em geral ter que se excluir propostas por falhas formais menores, rápida e facilmente sanáveis - imagine-se que, por exemplo, uma folha de um ficheiro da proposta que estando em perfeita sequência literal com a que antecede e a que lhe sucede) não vem, ao contrário de todas as outras, numerada ou rubricada - justificando-se por isso a ponderação da admissibilidade ou legitimidade da figura da admissão condicional, desde que prevista no programa de procedimento e cingida a casos expressamente regulados e que não ponham em questão, de maneira sensível, os valores da concorrência e da igualdade».
Há, portanto, uma maior sensibilidade para a taxatividade das exclusões, pois que mesmo no caso que apontam, parece que os Autores fariam depender a admissão condicional de previsão no programa do procedimento.
Mas não é tanto assim, já que na nota 252, precisamente sobre o exemplo dado, os mesmos Autores sublinham: «Levou-se o exemplo ao extremo para mostrar a que ponto podem chegar as exigências ligadas à rejeição da figura da admissão condicional - embora, há que dizê-lo, nesse caso a figura da rectificação dos erros, omissões e lapsos manifestos dos actos jurídicos permitisse ao júri numerar (ou dar como rubricada) a dita folha)».
E, aliás, a pág. 203 da mesma obra, sustentam os mesmos a possibilidade de «sanação de lapsos evidentes ou a rectificação de erros manifestos».
Já JORGE ANDRADE da SILVA, no "Código dos Contratos Públicos, Comentado e Anotado" 2ª edição 2009, Almedina, parece considerar que a admissão condicional mesmo que não prevista no programa de concurso é possível.
Aquele autor discute o problema especialmente na anotação do artigo 146, n.º 2, d) («2. No relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas: [...]/ d) Que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do n.º 1 do artigo 57.º»).
Esse artigo 146.º, aplicável ao concurso público, é a matriz de que o artigo 184.º é uma adaptação para a fase de apresentação das candidaturas do concurso limitado por prévia qualificação.
Ora, depois de informar da história do preceito, pondera, na anotação 8:
«A letra desta alínea d) não ajuda a resolver a questão, dado que não se trata da falta de um documento, mas da regularização de um documento formalmente deficiente.
Significará esse silêncio o afastamento da admissão condicional? Ou poder-se-á dizer que corresponde antes à atribuição à entidade adjudicante do poder discricionário de decidir em cada caso? Se assim for, o júri poderá convidar o concorrente a, no prazo que lhe for designado, suprir a falta. Como decorre do que antes foi dito, esta parece ser a solução mais lógica e mais conveniente mas sempre subordinada ao respeito pelos antes aludidos valores e princípios da certeza, segurança, imparcialidade, moralidade e insuspeição».
Como se viu, no caso em apreciação não se trata, em rigor, de admissão condicional para supressão de falta de documento, trata-se, antes, de possibilidade de rectificação de erro material ou equivalente a erro material, em documento.
Mas, com certeza que não sendo rectificado o erro a candidatura haveria de sofrer a consequência dessa falta, no que existe similitude com o regime anterior da admissão condicional.
E na verdade, poder-se-á, perguntar, afinal, até quando se poderá corrigir o erro.
Ora, aí, aplica-se o disposto no artigo 183.º do CCP:
«1 - O júri do procedimento pode pedir aos candidatos quaisquer esclarecimentos sobre os documentos, da sua autoria, destinados à qualificação que considere necessários para efeitos da análise das candidaturas.
2 - Os esclarecimentos referidos no número anterior fazem parte integrante das respectivas candidaturas, desde que não contrariem os elementos constantes dos documentos que as constituem ou não visem suprir omissões que determinam a sua exclusão nos termos do disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo seguinte.»
Decorre que se o júri pode pedir esclarecimentos pode, por maioria de razão, solicitar aos candidatos que procedam à rectificação dos erros materiais que tiver detectado.
Frise-se que esse dispositivo é aplicável desde que se considere, como se considera, que não se está, no caso dos autos, em sede de supressão de omissão determinante de exclusão.
E, mais evidente, no caso concreto nem tinha o júri de proceder a qualquer convite de esclarecimento. É que, antes de se ter reunido, já dispunha do documento rectificado.
Finalmente, deve salientar-se que à falha/incorrecção do documento em crise, referente ao requisito da capacidade financeira, sempre se poderia aplicar o regime da segunda parte da alínea e) do n.º 2 do artigo 184, no qual se ressalva da exclusão, apesar de não apresentação de todos os documentos, a falha em documentos referentes a esse requisito. É que, pela mesma ordem de razões, e pois que estavam indiscutivelmente apresentadas as IES de 2007 e 2009, a falha/incorrecção da IES de 2008 também não levaria à exclusão, suprida que fosse, como foi.
Não procede, pois, a crítica que neste segmento vem dirigida ao acórdão recorrido.
2.2.2.6. Deve sublinhar-se, ainda, que nas estritas e únicas circunstâncias do caso concreto, não só a solução a que se chega não põe em causa os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência, princípios especialmente aplicáveis à contratação pública (artigo 1.º, n.º 4, do CCP), como, ao contrário, pois que, não relevando da intangibilidade das candidaturas, é a solução que permite a melhor expressão da concorrência, que será, naturalmente, decisiva na fase seguinte, de apresentação e análise das propostas e da adjudicação (artigos 189.º e seguintes do CCP).
Ademais, sempre se poderia clamar por uma violação do princípio da proporcionalidade em geral contemplado no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República e no artigo 5.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, se se chegasse a solução contrária; na verdade, não estando já em causa nenhum dos princípios concursais indicados, e estando ainda garantido o objectivo de celeridade que enforma o CCP, pois que à data da reunião do júri já estava completamente suprida a falha, a exclusão apresentar-se-ia sem nenhuma razão que a justificasse, de modo que seria, por isso mesmo, desnecessária, desadequada e excessiva.
2.2.3. Logo no início da discussão de direito (2.2.1.), vimos que a recorrente fundiu na conclusão 27 das suas alegações a questão do aditamento de matéria de facto com o que considerou ser ampliação do pedido.
Ali, resolvemos a primeira questão, deixando a segunda para mais tarde.
É este o momento de ser analisada.
Ora, a questão da dita ampliação do pedido está coligada com o que foi decidido pelo acórdão recorrido ao condenar a Recorrente a admitir a candidatura da Recorrida, matéria que, por sua vez, também merece crítica da recorrente, sintetizada nas duas conclusões precedentes, as conclusões 25 e 26.
Revejam-se, agora, essas três conclusões:
«25. Acresce que o acórdão recorrido incorre em erro grave na aplicação do direito, fazendo incorrecta interpretação e aplicação do disposto no art. 95.°, n.º 3, do CPTA - ao condenar a Recorrente a admitir a candidatura da Recorrida e a aprovar novo relatório final em que esta também seja qualificada, bem como a dirigir aos candidatos assim admitidos, entre os quais a Recorrida, novos convites à apresentação de propostas - o que configura o exercício pelo Tribunal de "administração activa" pois condenou a Recorrente a actos e operações que envolvem a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa.
26. Ademais, não existe nenhum elemento nos autos que demonstre que a candidatura da Recorrida deveria ser qualificada no presente Concurso, por preencher os requisitos de qualificação predeterminados no PC, sendo igualmente seguro que essa avaliação apenas cabia ao Júri do Concurso e já não, com o devido respeito, ao Tribunal recorrido.
27. Por outro lado, o acórdão recorrido padece ainda de um outro erro grave na aplicação do direito, porquanto encerra incorrecta interpretação e aplicação do disposto no art. 149.° n.ºs 3, 4 e 5, do CPTA, na medida que se aditou matéria de facto nova (cfr. ponto xv, pág. 6 do acórdão recorrido) e a Recorrente não foi ouvida, em sede de recurso, sobre a ampliação do objecto do pedido, matéria cujo conhecimento, recorde-se, havia ficado prejudicado na sentença de 28.02.2011 do TAC de Lisboa.»
Deve começar por salientar-se que o acórdão recorrido não decidiu nada que não lhe tivesse sido solicitado.
Com efeito, no recurso jurisdicional para o Tribunal Central a ora recorrida A........., SA, expressamente pediu:
«VIII. Nestes termos, deve a sentença proferida ser revogada e substituída por uma decisão que, relevando todos os factos que consubstanciam a causa de pedir da Recorrente, julgue procedente a presente acção, anulando a Deliberação da ANCP, de 25 de Outubro de 2010, que propugna pela exclusão da A......... concurso público designado "Concurso limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo quadro para o fornecimento de veículos automóveis e motociclos e aluguer operacional" e condenando a ANCP à adopção dos actos e operações necessários para reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, designadamente proferindo uma decisão que, atentos os fundamentos expostos, aceite a candidatura da A......... no procedimento concursal sub judice».
A ora recorrente teve, portanto, oportunidade de, também nessa fase de recurso, se pronunciar, e fê-lo aliás expressamente sobre um acto posterior do procedimento, como se vê da seguinte conclusão dessas contra-alegações: «GG. Por essa razão, é igualmente válida a decisão de qualificação tomada pelo Conselho de Administração da recorrida em 25.11.2010» (fls. 388).
Assim, o tribunal recorrido não tomou qualquer decisão no desrespeito do princípio do contraditório.
Agora, especificamente, quanto à bondade do decidido.
Lembre-se todo o decisório do acórdão:
«a) Conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida;
b) Anular a deliberação do Conselho da Agência Nacional de Compras Públicas, EPE, datada de 25 de Outubro de 2010, que indeferiu a impugnação administrativa apresentada pela recorrente "A........., SA" e manteve a proposta de excluir a candidatura daquela, constante do Relatório Preliminar elaborado pelo júri do concurso limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo quadro para o fornecimento de veículos automóveis e motociclos de aluguer operacional de veículos;
c) Anular o procedimento subsequente, condenando a ANCP, EPE a admitir a candidatura da "A........., SA", aprovar novo relatório final em que aquela também seja qualificada, e a dirigir aos candidatos assim admitidos, entre os quais a recorrente, novos convites à apresentação de propostas».
Aqui está apenas em causa o segmento c).
Se se observar o discurso fundamentador do acórdão recorrido verifica-se que ele não sustenta a decisão de determinar a admissão e qualificação (mais adequadamente devia falar-se, só, de qualificação) da candidatura da A........., SA, em elementos que permitam afirmar que, necessariamente, a ora recorrente terá de assim proceder.
Na realidade, o que simplesmente resultou afastado e foi apreciado foi a razão invocada no acto impugnado para a exclusão daquela candidatura.
O acórdão observou, no entanto, que a ANCP, após aprovar o relatório final do júri e qualificar os candidatos admitidos, lhes havia dirigido em 26-11-2010 convite à apresentação de propostas «não o tendo feito, obviamente, em relação à ora recorrente, cuja candidatura foi [ilegalmente, como se concluiu] excluída».
Assim, o que o acórdão quis significar é que havia ser retomado tudo, de modo a reconstituir a situação que existiria se o acto impugnado não tivesse sido praticado, o que tinha sido pedido pela A........., como vimos.
Com certeza que tendo sido analisada, apenas, a existência do vício de exclusão daquela candidata no contexto determinado, não poderia o tribunal estar seguro de que a A......... haveria necessariamente de ser qualificada.
Assim, aquele julgado, apesar da sua expressão literal, deve ser entendido e, de qualquer modo, assim se julga, agora, como determinando a qualificação da ora recorrida, conforme indicado, se nenhum outro obstáculo legal a essa qualificação se verificar.
Assim, nessa parte, a decisão passa a seguir a seguinte:
- Anular o procedimento subsequente, condenando a ANCP, EPE a reapreciar a candidatura de "A........., SA", não podendo ela ser excluída pelo fundamento que aqui se considerou ilegal, e seguindo-se os demais termos, se nenhum outro obstáculo legal se verificar.
3. Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso mantendo-se o acórdão recorrido com a explicitação acabada de fazer constar.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 14 de Dezembro de 2011. - Alberto Augusto Andrade de Oliveira (relator) - Fernanda Martins Xavier e Nunes - Jorge Manuel Lopes de Sousa.