Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de janeiro de 2012 (proc. 1093/11)

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Sumário:

I. Nos termos do art. 150º, nº 1 do CPTA, das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, "excepcionalmente", recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo "quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental" ou "quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito".
II. À luz da orientação jurisprudencial enunciada, justifica-se a admissão do recurso de revista excepcional interposto de um acórdão do TCA em que se suscita questão relacionada com a alegada desconformidade do prazo de execução da obra constante da proposta de um concorrente, expresso em semanas, relativamente ao disposto no Programa do Concurso e no Caderno de Encargos, expresso em dias, discutindo-se se tal desajustamento é real, e se o mesmo transforma a proposta em proposta variante, proibida pelo PC e, nessa medida, motivo de exclusão do concurso, nos termos da disposições conjugadas dos arts. 59º, nº 7 e 146º, nº 2, al. f) do CPP.

 

Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

( Relatório )

O MUNICÍPIO DE OVAR interpôs para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do art. 150º, nº 1 do CPTA, recurso de revista do acórdão do TCA Norte, de 23.09.2011 (fls. 311 e segs.), que confirmou, embora com fundamentação diversa, sentença do TAF de Aveiro pela qual foi julgada procedente a acção de contencioso pré-contratual contra si intentada por A..., LDA, com os sinais dos autos, com vista à impugnação de actos administrativos relativos ao procedimento de concurso público da empreitada de obra pública "Edifício Sede da Junta de Freguesia de S. João de Ovar", adjudicada à contra-interessada B..., LDA, e que, em consequência, anulou, por violação de lei, o acto de adjudicação da empreitada, e condenou o primeiro recorrente a proferir novo acto de adjudicação a favor da A., por a respectiva proposta apresentar o preço mais baixo (único critério de adjudicação) logo a seguir ao da contra-interessada cuja proposta deveria ter sido excluída.

Alega, em abono da admissibilidade da revista, estar em causa uma questão de manifesta complexidade e relevância jurídica e social, que diz ter sido mal decidida, justificando-se assim essa admissão também na perspectiva de uma melhor aplicação do direito: saber quais as consequências jurídicas a retirar de normas de contratação pública, ao nível da admissão ou exclusão de propostas no âmbito de um procedimento de formação de contratos, bem como ao nível da qualificação de propostas como variantes e à conformidade do conteúdo das mesmas com as peças procedimentais que se lhes aplicam, e concretamente, se uma aparente divergência entre os elementos da proposta apresentada por um concorrente e o caderno de encargos poderá conduzir à qualificação da mesma como proposta variante e à exclusão do concurso, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 59º, nº 7 e 146º, nº 2, al. f) do CCP.

( Fundamentação )

O art. 150º n° 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, "excepcionalmente", recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo "quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental" ou "quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito".
A jurisprudência do STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n°s 92/VIII e 93/VIII, de uma "válvula de segurança do sistema" que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.
Deste modo, a intervenção do STA só se justificará em matérias de assinalável relevância e complexidade, sob pena de se generalizar este recurso de revista, o que não deixaria de se mostrar desconforme com os aludidos fins tidos em vista pelo legislador.

O Supremo Tribunal Administrativo tem interpretado a norma do art. 150º como exigindo que, em relação à questão objecto de recurso de revista, seja possível entrever, "ainda que reflexamente, a existência de interesses comunitários especialmente relevantes" (Ac. de 19.06.2008 - Proc. nº 490/08), ou ainda que a mesma se relacione com "matéria particularmente complexa do ponto de vista jurídico" (Ac. de 14.04.2010 - Rec. 209/10) ou "particularmente sensível em termos do seu impacto comunitário" (Acs. de 26.06.2008 - Procs. nº 535/08 e nº 505/08), exigindo ao intérprete e ao julgador complexas operações de natureza lógica e jurídica indispensáveis à resolução das questões suscitadas.
A admissão da revista para melhor aplicação do direito terá lugar, designadamente, e segundo a referida jurisprudência, quando, em face das características do caso concreto, ele revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros, e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou quando suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, assim fazendo antever como objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.

No caso sub judice, e à luz da orientação jurisprudencial enunciada, entendemos que se justifica a admissão da revista.

Vejamos.

Esta formação teve já oportunidade de se pronunciar no sentido da admissão da revista relativamente à aludida questão, no Proc. nº 421/11 (Ac. de fls. 250).
Na sequência desse acórdão, que admitiu a revista para apreciação de duas questões ali concretamente sinalizadas (uma delas a aqui suscitada), foi proferido pela 2ª Subsecção o Ac. de fls. 263 e segs., que anulou o acórdão ali recorrido por existência de nulidade processual decorrente de ilegal preterição do disposto no nº 5 do art. 149º do CPTA, mas tendo limitado a sua pronúncia a essa 1ª questão, considerando "em consequência prejudicada a apreciação da 2ª questão", justamente a que ora nos ocupa, e que veio a ser decidida pelo TCA no sentido já anteriormente adoptado, de anulação do acto de adjudicação.

Afirmou-se no referido acórdão de admissão da revista, no que concerne à questão ora colocada pelo recorrente:
"Quanto à segunda questão, prende-se a mesma com a desconformidade (afirmada pelo acórdão recorrido e negada ou, pelo menos, considerada apenas aparente pelo recorrente Município de Ovar) do prazo de execução da obra constante da proposta da contra-interessada, "de 56 semanas", relativamente ao disposto no Programa do Concurso e no Caderno de Encargos, "de 420 dias", pretendendo o recorrente que seja definido se tal desajustamento é real, e se o mesmo transforma a proposta em proposta variante, proibida pelo PC e, nessa medida, motivo de exclusão do concurso, nos termos da disposições conjugadas dos arts. 59º, nº 7 e 146º, nº 2, al. f) do CPP.
O que passará naturalmente pela análise da deliberação do júri do concurso que justificou no respectivo relatório a não exclusão da proposta com o argumento de que neste caso se deve ter em conta "as semanas completas e as semanas que resultam da soma dos dias para além da semana completa", explicação ilustrada pelo quadro nº 4, mas que foi desmontada pelo acórdão recorrido com a afirmação de falta de correspondência dos números indicados com o prazo de 56 semanas da proposta da contra-interessada.

Cremos que as questões assinaladas se revestem de manifesta relevância jurídica e social, pela capacidade de expansão da controvérsia em matéria tão sensível como a da contratação pública, e também pela ausência de uma orientação jurisprudencial definida sobre tais matérias, tudo aconselhando uma intervenção clarificadora do STA, enquanto tribunal de revista."

Estando aqui em causa a mesma questão já colocada anteriormente (acima assinalada a negrito), mas cuja apreciação foi então considerada prejudicada, não se vê razão para alterar o juízo de admissibilidade que então lhe foi conferido por esta formação, justificando-se assim a admissão da presente revista.

( Decisão )

Com os fundamentos expostos, acordam em admitir a revista.
Sem custas.
Lisboa, 12 de Janeiro de 2012. Luis Pais Borges (relator) - José Manuel da Silva Santos Botelho - Alberto Acácio de Sá Costa Reis.