Sumário:
I - Não é proibida, só por si, a participação simultânea num mesmo procedimento adjudicatório, com propostas autónomas, de empresas que se encontram entre si numa relação de domínio ou de grupo.
II - Só perante as circunstâncias concretas da actuação dessas empresas no procedimento concursal e da análise das propostas por elas apresentadas é que se terá de avaliar se foi falseada a concorrência, não se podendo fundar esse falseamento numa mera presunção decorrente da sua antecedente e originária relação de domínio.
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO
1.1. A..., S.A., devidamente identificada nos autos, intentou, no TAF de Sintra, processo especial de contencioso pré-contratual contra o Instituto do Emprego e Formação Profissional, Instituto Público - IEFP, IP, na qual pediu a condenação desta entidade a abster-se de excluir a sua proposta do Concurso Público n.º 2009.210.0050, para fornecimento de refeições e serviço de bar no Centro de Formação Profissional do Porto, e de adjudicar à B... o fornecimento objecto desse concurso, bem como a proceder à avaliação da sua proposta de acordo com o critério de adjudicação definido no artigo 6.º do Programa do Concurso e, consequentemente, a ordenar em 1.º lugar a sua proposta e a adjudicar-lhe o fornecimento objecto desse mesmo concurso.
Por sentença do TAF de 30/4/2010, foi a acção julgada totalmente procedente.
O IEFP interpôs recurso dessa sentença para o TCAS, ao qual foi concedido provimento, por acórdão de 31/8/2010, tendo a sentença sido revogada e a acção julgada improcedente.
Inconformada, a A... interpôs recurso de revista excepcional para este Supremo Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 150.º, n.º 1, do CPTA, que foi admitido pela formação estabelecida no n.º 4 do mesmo preceito legal.
Nas suas alegações formulou as seguintes conclusões:
1.ª A questão que se coloca na presente revista é a de saber se sendo duas ou mais sociedades detidas em 100% por uma terceira sociedade, tal facto, por si só, as impede de concorrerem ao mesmo procedimento concursal, apresentado cada uma a sua proposta.
2.ª O Júri do Concurso deliberou excluir as propostas da A... e do C... do concurso público internacional n.º 2009.210.0050 ao abrigo do disposto na alínea i) do n.º 2 do artigo 146º e na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º do CCP, com fundamento exclusivo no facto de a sociedade D... ser detentora de 100% do capital social daquelas duas sociedades, considerando ter havido, por esse facto, violação dos Princípios da Concorrência e da Igualdade.
3.ª A douta Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra considerou que o mero facto de o capital social da A... e do C... ser detido em 100% pela D... não constitui motivo suficiente para se concluir pela violação dos princípios da concorrência e da igualdade e assim excluir as propostas do procedimento concursal.
Porém,
4.ª O douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 31 de Agosto de 2010 considerou que o facto de A... e C... serem detidas em 100% pela D... consubstancia, por si só, factos que em abstracto configuram uma violação às regras e aos princípios da concorrência, assim como ao princípio da igualdade.
5.ª O próprio Tribunal Central Administrativo Sul decidiu já a mesma questão em sentido contrário ao Acórdão ora recorrido (cf. Acórdãos de 29 de Janeiro de 2009, processo 04105/08, de 25 de Março de 2010, processo 05806/09 e, em especial, de 14 de Setembro de 2010, processo n.º 06482/10, junto sob o documento n.º 1).
6.ª O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, no Acórdão Assitur, Processo C - 538/07, de 19 de Maio de 2009, decidiu que é contrária ao direito comunitário uma disposição nacional que instaure uma proibição absoluta, para as empresas entre as quais exista uma relação de domínio ou que estejam associadas entre si, de participar de forma simultânea e concorrente num mesmo concurso, sem lhes dar a possibilidade de demonstrar que a dita relação não teve influência sobre o seu comportamento respectivo no âmbito desse concurso.
7.ª Encontramo-nos, pois, na presença de decisões de sentido oposto.
8.ª A questão colocada na presente revista reveste de relevância jurídica fundamental na medida em que é de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar e é, também, uma questão nova relativamente à qual o Supremo Tribunal Administrativo não teve ainda a oportunidade de se pronunciar.
9. Por outro lado, a questão reveste de relevância social fundamental na medida em que é susceptível de se colocar em futuros procedimentos concursais.
10.ª Face à existência de decisões em sentido contrário, é manifestamente útil a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo para acabar com a incerteza e a instabilidade na resolução desta questão.
11.ª Em conclusão, a admissão da presente revista justifica-se não apenas pela importância fundamental da questão nela colocada mas também porque é necessária para uma melhor aplicação do direito.
12.ª Termos porque deverá a presente revista ser admitida nos termos do disposto no Art.º 150.º, n.º 1 do CPTA.
QUESTÃO PREJUDICIAL DE INTERPRETAÇÃO DO DIREITO COMUNITÁRIO
13.ª As disposições dos Art.ºs 70.º, n.º 1, al. g) e 146.º n.º 2, al. i) do CCP foram interpretadas pelo Tribunal Central Administrativo Sul como constituindo uma proibição absoluta à apresentação no mesmo procedimento concursal de propostas distintas por sociedades que estejam sob o domínio total de uma sociedade terceira.
14.ª A interpretação feita pelo Tribunal Central Administrativo Sul viola, no entender da Recorrente e do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, o direito comunitário, nomeadamente, os Princípios da Concorrência e da Proporcionalidade.
Com efeito,
15.ª O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias entendeu já que as legislações nacionais não podem consagrar proibições absolutas de participação simultânea em procedimentos concursais de empresas entre as quais exista uma relação de domínio ou que estejam associadas entre si, sob pena de violação do direito comunitário (cf. Acórdão Assitur, Processo C - 538/07, de 19 de Maio de 2009).
16.ª A questão que se coloca é, pois, a de saber se a interpretação dos Artigos 70.º, n.º 1, al. g) e 146.º, n.º 2, al. i) do CCP feita pelo douto Acórdão recorrido é ou não contrária ao direito comunitário.
17. Pelo que, nos termos do disposto no Art.º 234.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia (versão consolidada publicada no JOUE n.º C321E de 29/12/2006) o Supremo Tribunal Administrativo, julgando em última instância, deverá submeter esta questão prejudicial ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, se propender para o entendimento de que a interpretação feita pelo tribunal recorrido não viola o direito comunitário.
NULIDADE DO DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO
18.ª Como fundamento para a sua decisão, o Tribunal Central Administrativo Sul cita um seu Acórdão anterior, o Acórdão de 29 de Janeiro de 2009 proferido no processo n.º 04105/08.
19.ª Nesse Acórdão, o Tribunal Central Administrativo Sul considerou irrelevante a ligação existente entre os concorrentes para a verificação da prática concertada.
20.ª O Tribunal Central Administrativo Sul entendeu necessário analisar o conteúdo das propostas e só considerou existir prática concertada entre as empresas porque as suas propostas eram, em elevado grau, semelhantes contribuindo no caso concreto para possibilitar a obtenção de ganhos acrescidos no acesso ao mercado por efeito dessa conjugação das propostas.
21.ª Porém, e com fundamento neste Acórdão de 29 de Janeiro de 2009, o Tribunal Central Administrativo Sul acaba por tomar uma decisão contraditória com o mesmo, considerando que o facto de a A... e do C... serem detidas pela D... consubstancia, por si só, factos que em abstracto configuram uma violação às regras e aos princípios da concorrência, desinteressando-se totalmente pelo conteúdo das propostas apresentadas por estes concorrentes.
22.ª Termos porque o douto Acórdão recorrido é nulo nos termos do disposto no Art.º 668.º, n.º 1, al. c) do CPC, porquanto a sua fundamentação está em oposição com a sua decisão.
ERRO DE JULGAMENTO PELO DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO
23.ª O conceito de "concorrente" em procedimentos concursais é o constante do artigo 53.º do CCP.
24.ª Não existe qualquer lacuna no CCP que deva ser colmatada com recurso à aplicação analógica de outros preceitos legais.
25.ª As noções de "empresa", exarada no artigo 2.º da Lei n.º 18/2003 e de "sociedades coligadas", constante dos artigos 482.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais, apenas se aplicam nos respectivos ramos de Direito.
26.ª O legislador do CCP não foi indiferente a estas definições, mas decidiu introduzir no CCP um conceito próprio de "empresas associadas" e apenas para proibir a participação destas, verificados certos pressupostos, nos procedimentos de contratação dos sectores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais (cf. artigos 13.º e 14.º) e não para proibir a participação de empresas associadas na generalidade dos procedimentos.
27.ª Por outro lado, o Art.º 54.º, n.º 2 do CCP apenas proíbe que os membros de um agrupamento possam ser concorrentes no mesmo procedimento ou integrar outro agrupamento concorrente.
28.ª Não caindo na sua previsão as situações em que duas sociedades são detidas em 100% por uma sociedade terceira (cf. Acórdão do TCAS de 14 de Setembro de 2010, processo 06482/l0, junto sob o documento n.º 1).
29.ª Se o legislador do CCP quisesse ter proibido a participação no mesmo procedimento de sociedades detidas em 100% por uma sociedade terceira, tê-lo-ia previsto expressamente.
30.ª Concorrente é (apenas), uma entidade com personalidade jurídica, sendo irrelevantes eventuais relações de domínio ou de grupo entre dois ou mais concorrentes.
31.ª A... e C... têm personalidades jurídicas distintas e autónomas (cf. respectivas certidões permanentes com os códigos de acesso 5277-0834-3076 e 8532-0850- 6578, respectivamente - 12.º e 13.º) dos Factos Provados).
32.ª Pelo que, tanto A... como C... se consideram concorrentes.
33.ª A apresentação de propostas individuais por parte de A... e C... não consubstancia a apresentação de mais de uma proposta pelo mesmo concorrente.
34.ª Ao decidir que A... e C... são uma única empresa e, por isso, um só concorrente, violou o douto Acórdão recorrido a disposição do Art.º 53º do CCP.
35.ª Inexiste qualquer norma no nosso ordenamento jurídico que proíba a participação, no mesmo concurso, de empresas que se encontrem entre si em relação de domínio ou de grupo.
36.ª O artigo 70.º, n.º 1, al. g) do CCP apenas prevê a exclusão das propostas cuja análise revele a existência de fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras da concorrência.
37.ª Apenas se se puder concluir pela existência de tais fortes indícios é que se justificará a exclusão das propostas (cf. Acórdão de 25 de Março de 2010, proferido no processo 05806/09, disponível em www.dgsi.pt: "Não sendo proibida a participação simultânea num mesmo procedimento adjudicatório de empresas que se encontram numa relação de domínio ou de grupo, é perante as circunstâncias concretas que terá de se avaliar se foi falseada a concorrência." (sublinhado nosso)
38.ª No seu mais recente Acórdão de 14 de Setembro de 2010, proferido no processo n.º 06482/10, em que é igualmente recorrente o IEFP e igualmente recorridas a A... e o C..., no qual é discutida a legalidade de exclusão das propostas das recorridas de um outro procedimento concursal (concurso público n.º 20092100031), o Tribunal Central Administrativo Sul decidiu que "O Júri do concurso em causa não poderia excluir - como excluiu - as propostas da A... e da C... com o único fundamento que a D..., Ld.ª detinha 100% do capital dessas empresas. As disposições invocadas (arts. 70.º, n.º 2, alínea g) e 146.º, al. l), ambas do CCP) não proíbem a situação verificada - e se proibissem não poderiam ser aplicadas por, como vimos, serem contrárias ao direito comunitário -, pois, no caso, não está demonstrada a existência de fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras de concorrência, sendo certo também que as concorrentes eram a A... e a C... que apresentaram, cada uma delas, uma única proposta (cf.º art.º 53.º do CCP)" (cf. Acórdão junto sob o documento n.º 1).
39. Ao decidir que "o facto de a Autora e da C... pertencerem ao mesmo grupo de sociedades coligadas - D..., S.A. (S.G.P.S.) -, em domínio total inicial consubstancia, por si só, factos que em abstracto configuram uma violação às regras e aos princípios da concorrência", violou o douto Acórdão recorrido os Art.ºs 70.º, n.º 1, al. g) e 146.º, n.º 2, al. i) do CCP e os Princípios da proporcionalidade e da Concorrência.
40.ª O TJCE no seu Acórdão Assitur, proferido em 19 de Maio de 2009 no processo C-538/07 decidiu que: "o direito comunitário opõe-se a uma disposição nacional que, embora prosseguindo os objectivos legítimos da igualdade de tratamento dos proponentes e da transparência no âmbito dos processos de adjudicação dos contratos públicos, instaure uma proibição absoluta, para as empresas entre as quais exista uma relação de domínio ou que estejam associadas entre si, de participar de forma simultânea e concorrente num mesmo concurso, sem lhes dar a possibilidade de demonstrar que a dita relação não teve influência sobre o seu comportamento respectivo no âmbito desse concurso." (o sublinhado é nosso).
41.ª As disposições dos Art. 70.º, n.º 1, al. g) e 146.º, n.º 2, al. i) do CCP foram interpretadas pelo Tribunal Central Administrativo Sul como constituindo uma proibição absoluta à apresentação no mesmo procedimento concursal de propostas distintas por sociedades que estejam sob o domínio total de uma sociedade terceira.
42.ª A interpretação feita pelo Tribunal Central Administrativo Sul viola, assim, o direito comunitário, na medida em que se traduz numa decisão desproporcionada que reduz injustificadamente a concorrência no mercado concursal.
43.ª A verificação de eventual acordo ou prática proibidos há-de traduzir-se na ocorrência de factos concretos que se consubstanciem nos pressupostos de facto exarados na norma do Art.º 4.º da Lei n.º 18/2003.
44.ª A jurisprudência nacional e comunitária entendem que para que as propostas possam ser excluídas com fundamento na existência de fortes indícios de práticas concertadas é necessário proceder a efectiva análise das propostas apresentadas por forma a aferir se existem semelhanças entre estas que permitam indiciar coordenação entre os concorrentes e comportamento paralelo.
45.ª Para concluir pela existência de uma prática concertada entre A... e C... no âmbito do concurso ajuizado, a entidade adjudicante teria que ter identificado factos de que resultasse a existência de contactos entre elas, através dos quais estas tivessem coordenado a sua actuação por forma a adoptarem um comportamento susceptível de falsear as regras da concorrência, que tivessem agido em coordenação no sentido da elaboração das propostas e dos preços a apresentar ou que tivessem adoptado comportamentos paralelos traduzidos numa homogeneidade das propostas.
46.ª Teria ainda a entidade adjudicante de ter evidenciado a existência de causalidade entre a alegada coordenação entre as concorrentes e o comportamento paralelo.
47.ª O Relatório Final do Júri do Concurso é absolutamente omisso quanto a factos em que se consubstanciasse a concertação ou paralelismo de comportamentos entre A... e C... e relação causa efeito (cf. 11.º dos Factos Provados).
48. A jurisprudência nacional (Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 29 de Janeiro de 2009 e 25 de Março de 2010) tem entendido que a coordenação da actuação das concorrentes e a homogeneidade das propostas extraem-se, designadamente, dos seguintes elementos:
a. Identidade de Administrações;
b. Identidade do representante que apresentou as propostas;
c. Identidade da estrutura formal e gráfica das propostas;
d. Identidade dos preços apresentados;
e. Identidade de outros elementos constantes das propostas, designadamente, o número de trabalhadores propostos.
Ora,
49.ª A... e C... têm sedes sociais e administrações distintas (cf. 13º dos Factos Provados).
50.ª A proposta da A... está assinada pelo Director-Geral E... (cf. 14.º dos Factos Provados).
51.ª O preço proposto pela A... para a refeição completa é de 2,28€ e para refeição em regime de mini-prato 1,94€ (cf. 1 5.º dos Factos Provados).
52.ª O preço proposto pelo C... para refeição completa é de 2,36€ (cf. al.16 dos Factos Provados).
53.ª As propostas apresentam uma estrutura gráfica semelhante apenas por exigência dos documentos concursais que impunham formulários pré - definidos e de preenchimento obrigatório.
54.ª Da confrontação das propostas apresentadas pelas concorrentes A... e C... decorre a absoluta divergência entre ambas, qualquer que seja a comparação efectuada.
55.ª Impondo-se a conclusão de que, no caso concreto, inexistem aspectos objectivamente indiciadores de ter havido qualquer espécie de articulação entre as empresas.
56.ª Assim, da análise das propostas não se retiram quaisquer indícios de acordo ou prática concertada entre A... e C... susceptível de falsear as regras da concorrência.
57.ª Ao retirar unicamente do facto de A... e C... serem detidas em 100% pela D... a conclusão da existência de fortes indícios de práticas susceptíveis de falsear as regras de concorrência violou o douto Acórdão recorrido o Art.º 4.º da Lei n.º 18/2003.
58.ª Em conclusão, deverá o presente recurso de revista ser julgado totalmente procedente e, em consequência, ser revogado o douto Acórdão recorrido.
1.2. O recorrido contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
1.ª O acórdão recorrido nos presentes autos fez uma correcta interpretação do direito do ora recorrido, e, nesse sentido, respeita integralmente o regime jurídico aplicável.
2.ª Na verdade, conforme bem andou o Tribunal "a quo" na decisão ora impetrada, não obstante a "administração das requerentes não é idêntica, as propostas são diferentes em conteúdo e montantes" - decorre do próprio regime jurídico aplicável a respectiva subordinação e interdependência relativamente à sociedade dominante - D..., S.A. (SG.P.S.).
3.ª Isto é, o regime vertido no Título VI - Sociedades Coligadas do Código das Sociedades Comerciais, que como resulta do respectivo n.º 1 do artigo 481.º do C.S.C., é aplicável a relações que entre si estabeleçam sociedades por quotas, sociedade anónimas e sociedades em comandita por acções.
4.ª Ora, sem prejuízo da transcrição do aresto comunitário por parte da Autora, ora Recorrente, em nenhuma passagem do mesmo é afastada a respectiva natureza da mesma e da C..., S.A.;
5.ª E, de acordo com a alínea c) do artigo 482.º do C.S.C., consideram-se sociedades coligadas as sociedades em relação de domínio;
6.ª Quer isto dizer que, para efeitos do Código das Sociedades Comerciais a Autora, ora Recorrente e a C..., SA., são sociedades coligadas, por se encontrarem em situação de relação de grupo, de domínio total inicial por parte da D..., S.A. (S.G.P.S.), face ao estabelecido no artigo 488.º do C.S.C.;
7.ª E, por constituir um grupo de domínio total por remissão do artigo 491.º do C.S.C., a D..., SA. (S.G.P.S.), tem direito de dar instruções às sociedades subordinadas, isto é, a Autora, ora Recorrente e a C..., S.A., como expressamente resulta do artigo 503.º do C.S.C;
8.ª A D..., S.A. (S.G.P.S.), ao agregar um conjunto de sociedades comerciais que, conservando embora as respectivas personalidades jurídicas próprias e distintas, se encontram subordinadas a uma direcção económica unitária e comum;
9.ª Por outras palavras, "há uma combinação entre a manutenção da individualidade jurídico - formal e a dissolução da autonomia económico - material das sociedades comerciais componentes;
10.ª "A atenção que a lei de defesa da concorrência presta a favor destas operações é perfeitamente compreensível. Com efeito, não é indiferente ao ordenamento jurídico que as empresas conjuguem os seus esforços, uma vez que podem, através dessa congregação de esforços, vir a lesar os interesses económicos da generalidade, criando situações de oligopólio ou mesmo situações de monopólio. Portanto é uma matéria que está de certo modo condicionada.";
11.ª A mesma orientação foi perfilhada pelo Tribunal Central Administrativo do Sul, e vertida no Acórdão de 29 de Janeiro de 2009, no âmbito do Processo n.º 04105/08: "a prática concertada entre duas empresas no âmbito dos procedimentos concursais não necessita da prova material da ligação entre os concorrentes ..., ou da prova do conhecimento mútuo antecipado das respectiva propostas, mas basta-se com um juízo de objectividade resultante das próprias propostas, traduzido em factos, tendo em conta que as semelhanças em elevado grau ou identidade das mesmas possam contribuir, no caso concreto, para possibilitar a obtenção de ganhos acrescidos no acesso ao mercado por efeito da conjugação das propostas. " (cfr. Acórdão de 29 de Janeiro de 2009, do Tribunal Central Administrativo do Sul, Processo 04105/08);
12.ª Aliás, como o próprio Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, no aresto de 4 de Junho de 2009: "não é necessário que a concorrência seja efectivamente impedida, restringida ou falseada, nem que haja uma ligação directa entre essa prática concertada e os preços finais de venda ao consumidor. A troca de informações entre concorrentes tem um objectivo anti concorrencial quando é susceptível de eliminar as incertezas quanto à actuação planeada pelas empresas em causa. (...) sempre que a empresa que participa na concertação permaneça activa no mercado de referência, é aplicável a presunção de nexo de causalidade entre a concertação e o comportamento da referida empresa no mercado".
13.ª Ou seja, bem andou o Tribunal "a quo" no acórdão impetrado em considerar que o facto da Autora e da C..., S.A., se encontrarem coligadas, por se encontrarem em situação de relação de grupo, de domínio total inicial por parte da D..., SA. (S.G.P.S.), constituem uma única sociedade/empresa;
14.ª Aliás, os administradores de ambas as sociedades são nomeados pelo único sócio, ou seja, pela administração da D..., S.A. (S.G.P.S.), que também define os objectivos a alcançar e define a política comercial daquelas sociedades;
15.ª Facto que, por si só, é susceptível de eliminar as incertezas quanto à actuação planeada pelas sociedades/empresas em causa, na esteira do decidido pelo Tribunal "a quo";
16.ª Ao decidir dessa forma, o Tribunal "a quo" respeitou escrupulosamente as regras e os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência, consagrados no n.º 7 do artigo 59.º, na alínea g) do n.º 2 do artigo 70.º do C.C.P., e na alínea i) do n.º 2 do artigo 146.º todos do C.C.P., que o Júri do procedimento em crise, decidiu não admitir as propostas da Autora e da C..., SA, por violação: "Do princípio da igualdade, na medida em que se verifica uma situação de vantagem por parte das sociedades A..., S.A., C..., S.A., e D..., S.A, perante os restantes concorrentes, que apenas puderam apresentar uma única proposta, em violação do artigo 14.º do Programa do Concurso e do 7 do artigo 59.º do C. C. P.; Do princípio da concorrência, porque, consubstanciando-se as propostas da A..., S.A e C..., S.A., duas propostas de uma "única empresa" - a D..., SA, entre as mesmas não pode haver uma efectiva e sã concorrência."
17.ª Tanto assim é que, não é por acaso que todos as outros concorrentes (contra interessados no âmbito deste procedimento), suscitaram a questão da violação dos princípios da transparência, da igualdade e da concorrência, caso a proposta da Autora e da C..., S.A., fossem aceites;
18.ª Pelo que, afigura-se-nos manifestamente correcta a interpretação e em conformidade com o disposto no n.º 4 do artigo 1.º, e bem assim do estabelecido no artigo 52.º, no artigo 53.º, no n.º 7 do artigo 59.º, na alínea g) do n.º 3 do artigo 70.º do C.C.P., e na alínea i) do n.º 2 do artigo 146.º todos do C.C.P.;
19.ª Mas mesmo que assim não se entenda, o que se admite sem conceder, sempre se dirá que o artigo 29.º da Directiva n.º 92/591CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, não visa a proibição da legislação nacional ser mais exigente que a legislação comunitária, mas o respeito pelos princípios da igualdade de tratamento dos proponentes, da transparência no âmbito dos contratos públicos e da concorrência a nível comunitário;
20.ª E, a verdade é que a decisão proferida pelo Tribunal "a quo", visou precisamente impedir o tratamento desigual de situações desiguais (em termos de propostas), a opacidade (por falta de transparência) do procedimento em termos de adjudicação, assim como a defesa da concorrência sã e livre, ao invés do que parece defender a Recorrente;
21.ª Assim, ao ter decidido dessa forma, afigura-se-nos que o Tribunal "a quo", interpretou correctamente o Direito aplicável e, nesse sentido, deverá ser mantida a decisão recorrida.
1.3. O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPC, apresentou o parecer de "que se afigura que o recurso deverá merecer provimento pelos fundamentos aduzidos pela Recorrente, e que o TCA SUL, considerando ser esse o entendimento que se extrai da jurisprudência do TJUE citado nos autos, acolheu no seu acórdão de 30.09.2010, proferido no Proc. 0651/A/10 (processo cautelar dependente deste processo), bem como no A. de 14.09.2010, proferido no Proc. n.º 6482/10, sobre questão idêntica que se suscitou no concurso público n.º 20092100031".
1.4. Os autos vêm à conferência sem vistos, mas com distribuição prévia do projecto, pelo que cumpre decidir.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. OS FACTOS:
O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos:
1.º) O Réu lançou o Concurso Público Internacional n.° 2009.210.0050, para aquisição de serviços de fornecimento de refeições e serviços de bar para o Centro do Formação Profissional do Porto, cujo anúncio foi publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 187, de 25 de Setembro de 2009;
2.°) No âmbito do qual, o critério de adjudicação definido foi o do mais baixo preço, conforme decorre do n.º 12 do anúncio (cfr. Fls. 127 do Dossier n.º 1 do P.A.), bem como do programa do concurso constante do n.º 1 do artigo 6.º - cfr. Fls. 18 do Dossier n.º 1 do processo instrutor (doravante designado P.A.);
3.º) Ao referido procedimento foram apresentadas propostas pelas seguintes concorrentes:
- F..., S.A. - cfr. Fls. 335 e 336 - Dossier n.º 1 - cfr. Fls. 136 a 137;
- B..., S.A. - Dossier n.° 2 - cfr. Fls. 842 a 992;
- G..., S.A. - Dossier n.° 2 - cfr. Fls. 842 a 992;
- A..., S.A. - Dossier n.° 3 - cfr. Fls. 993 a 1327;
- C..., S.A. - Dossier n.° 3 - cfr. Fls. 1328 a 1479;
- H..., S.A. - Dossier n.° 4 - cfr. Fls. 1480 a 1650;
4.°) A prestação do serviço que constitui o objecto do Concurso tem o seu início previsto para o dia 01.01.2010, sendo que o anúncio publicado no Diário da República prevê que o prazo contratual de 12 meses se conte da celebração do respectivo contrato:
5.º) A 27 de Novembro de 2009, o Júri elaborou o primeiro relatório preliminar do qual consta os resultados da análise e a avaliação das propostas apresentadas e a respectiva ordenação - cfr. fls. 1650 a 1657 - Dossier n.º4;
6.°) E procedeu à ordenação provisória - cf. mesmo doc.;
7.°) Em seguida, o júri procedeu à notificação dos interessados do primeiro relatório preliminar, para efeitos de audiência prévia - cfr. mesmo doc.;
8.º) Em 7 de Dezembro de 2009 foram apresentadas as respectivas pronúncias dos concorrentes no âmbito do procedimento quanto ao sentido provável da decisão -cfr. Fls. 1658 a 1684 - Dossier
9.º) A 17 de Dezembro de 2009, o Júri elaborou relatório final no qual propôs excluir as concorrentes A... e C... - cf. doc. 5 junto com o requerimento inicial;
10.º) Bem como a ordenação das concorrentes não excluídas, ficando a B... em 1.º lugar - cf. mesmo doc.;
11.º) Nesse relatório pode ler-se: H (,) a sociedade D..., S.A. (SGPS), detentora de 100% do capital social das sociedades A..., S.A. e C..., S.A., para além do direito de dar instruções vinculantes, responde por todo o passivo destas últimas, independentemente de este ter resultado ou não do exercício concreto do seu poder de controlo inter - societário: aquela responsabilidade respeita a todas as obrigações sociais, sendo no dizer de vários, independente da respectiva fonte ou conteúdo (...).
Por esta razão existe uma relação de subordinação, devendo, por força do art. 2.º e 109.º, n.° 1 da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho, ser considerada como uma única empresa. "Considera-se como uma única empresa o conjunto de empresas que, embora juridicamente distintas, constituem uma unidade económica ou que mantêm entre si laços de interdependência ou subordinação decorrentes dos direitos ou poderes enumerados no n.º 1 do art.º 10.º (art. 2.º, n. 2 da Lei n.° 18/2003, de 11 de Junho).
Considerando que A... e C..., apesar de serem juridicamente distintas, são, para efeitos concursais e de concorrência, consideradas como uma única empresa, estas violam o disposto no artigo 14.º do Programa de Concurso e nº 7 do artigo 59.º do CCP, apresentando-se numa situação de vantagem relativamente a todos os outros concorrentes que apenas puderam apresentar uma única proposta.
Por esse motivo, o júri entende que as suas propostas devem ser excluídas ao abrigo da alínea l) do n.º 2 do artigo 146.º e alínea g) do n.º 7 do artigo 70.º do CCP.
Acrescenta-se o facto de haver violação dos princípios da igualdade e concorrência, princípios nucleares da contratação pública, ambos espelhados no CCP. Há violação do princípio da concorrência por haver duas propostas (uma da A... e outra da C...) apresentadas por uma única empresa a D..., S.A., não podendo existir entre aquelas duas primeiras uma sã e efectiva concorrência. O princípio da igualdade não se verifica dado que um concorrente apresentou duas propostas, ao contrário der todos os outros concorrentes". - cf. doc. 1 junto com a oposição da Contra-interessada;
12.º) A D..., S.A. (SGPS) é detentora de 100% do capital da Autora e da C... - cf.www.portaldaempresa.pt/CVE/IES/ConsultaCertidao.aspx, com os números de acesso 5277-0834- 3076 e 8532-0850-6578;
13.°) A Autora e a C... têm sedes sociais e administrações distintas - cf. mesmo doc;
14.°) A proposta da A... está assinada pelo Director Geral E... - cf. doc. 3 junto com a petição;
15.°) O preço proposto pela A... para refeição completa é de 2,28€ e para refeição em regime de mini-prato 1,94€ - cf. doc. 3 junto com a petição;
16.º) O preço proposto pelo C... para refeição completa é de 2,36€ - cf. dossier n.° 3 do p.a.;
17.ª) Os preços propostos, para refeição completa, pela B... é de 2,44€, pela G...2,80€ e pela F... 2,95€ - cf. fls. 1650 a 1657 - dossier n.º 4.
2.2. O DIREITO:
A questão de fundo que foi colocada pelo recorrente na presente revista é a de determinar se a participação, separada (cada uma com propostas diferentes), no presente concurso, de duas sociedades - a A..., ora recorrente, e a C... - detidas a 100% pela mesma sociedade - a D..., SA (SGPS) -, implica, só por si e, portanto, independentemente da existência, em concreto, de indícios de concertação entre aquelas concorrentes, a violação do princípio da igualdade e da concorrência, consagrado na nossa legislação interna e na legislação comunitária.
A recorrente defende que não e, por isso, pugna pela revogação do acórdão recorrido, que decidiu que sim, pela admissão da sua proposta, pela ordenação desta em primeiro lugar e, consequentemente, por que lhe seja adjudicada a prestação do serviço posto a concurso.
Para obter esse desiderato, defende que: (i) essa questão seja apresentada ao Tribunal Judicial da Comunidade Europeia (TJCE), a título de questão prejudicial, por entender que a interpretação e aplicação que nele foi feita dos artigos 70.º, n.º 2, alínea g) e 146.º, n.º 2, alínea i) do CCP viola o disposto no artigo 29.º, 1.º § da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18/6/1992 (conclusões 13.ª a 17.ª); (ii) o acórdão recorrido incorre na nulidade prevista no artigo 666.º, n.º 1, alínea b) do PCC, ex vi do artigo do mesmo diploma legal, em virtude de existir contradição entre a decisão e a sua fundamentação (conclusões 18.ª a 22.ª); (iii) incorre também em erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação dos artigos 1.º, n.º 4, 59.º n.º 7, 70.º, n.º 2, alínea g) e 146.º, n.º 2, alínea i) do CCP (23.ª a 57.ª).
Vejamos.
2.2.1. REENVIO PREJUDICIAL PARA O TJUE:
O reenvio prejudicial determina a suspensão da instância até que o TJCE se pronuncie sobre a questão que lhe é colocada, pelo que se impõe conhecer prioritariamente desse reenvio.
O que está na base do pretendido reenvio prejudicial é a interpretação e aplicação que foi feita no acórdão recorrido da disciplina dos artigos 70.º, n.º 2, alínea g) e 146.º, n.º 2, alínea i) do CCP, segundo a qual a participação, separada (cada uma com propostas diferentes), no presente concurso, de duas sociedades detidas integralmente por uma sociedade terceira, implica que as propostas dessas concorrentes viole o princípio da igualdade e da concorrência, consagrado no direito comunitário.
Saber se viola ou não passa pela interpretação do artigo 29.º, 1.º parágrafo, da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18/6/1992, ou seja, pela interpretação de um acto adoptado por um órgão da Comunidade (Conselho), pelo que, sobre ele devendo este STA emitir pronúncia sem recurso judicial, o teor literal da lei aponta para a obrigatoriedade do reenvio, que a recorrente defende.
Na verdade, o artigo 267.º do tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que corresponde ao artigo 234.º do Tratado da Comunidade Europeia, estatui que o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial, "Sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União" [1.º parágrafo 1.º, alínea b)] e que "Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal" (parágrafo 3.º).
Todavia, o TJCE interpretava uniformemente o anterior artigo 234.º do TCE, que, conforme foi referido, tem uma redacção absolutamente idêntica à do actual artigo 267.º do TFUE, no sentido de que esse reenvio apenas era obrigatório no caso de sobre essa questão não haver decisão interpretativa anterior desse Tribunal ou de a norma em causa suscitar qualquer dúvida razoável (teoria do acto claro) - cfr. acórdãos Cilfit, de 6/10/1982 e Intermodal, de 15/9/2005; acórdãos do STA (1.ª Secção) de 2/10/2008, recurso n.º 601/08 e de 9/6/2010, recurso n.º 185/10; João de Mota Campos e outro, in "Contencioso Comunitário", pág. 150 e sgs; Miguel-Gorjão Henriques, in "Direito Comunitário", pág. 401; e Alessandra Silveira, in CJA, n.º 80, pág. 5 e 6.
Ora, relativamente à questão em análise, não só há decisões interpretativas do TJUE (cfr. acórdão de 19/5/09, caso Assitur proferido no processo C - 538/07, publicado no Jornal Oficial da União Europeia de 4/7/2009, precisamente a respeito da Directiva em causa, e tendo em conta que a mesma doutrina foi consagrada no acórdão de 16/12/2008, caso Michaniki, Processo C - 213/07, publicado no Jornal de 21/2/2009, no âmbito dos concursos de empreitadas de obras públicas e da Directiva 93/37/CEE do Conselho, de 14/6/1993, que continha disposição idêntica à da Directiva 92/50 no que concerne à exclusão dos concorrentes), como essa questão não apresenta dúvidas de interpretação razoáveis, como se evidenciará nos números seguintes.
Por isso, não se procederá ao pretendido reenvio prejudicial.
2.2.2. NULIDADE DO ACÓRDÃO:
A recorrente defende que o acórdão recorrido é nulo, em virtude de existir contradição entre os seus fundamentos e a decisão [artigo 668.º, n.º 1, alínea c) do CPC].
Essa contradição decorre, na sua óptica, de ter sido decidido excluir as concorrentes A... e C..., que concorreram separadamente, apresentando cada uma a sua proposta, substancialmente diferente da proposta da outra, serem detidas a 100% por uma sociedade terceira - a D..., SA (SGPS) -, em virtude de ter sido considerado que essa detenção implicava, só por si, a violação do princípio da concorrência e de ter sido indicado como fundamento de tal decisão o acórdão do TCAS de 29/1/2009, proferido no processos n.º 4105/08, que havia considerado e decidido em sentido contrário, ou seja, no sentido de que só uma objectiva apreciação e valoração das propostas podia levar a fundamentar essa violação.
Para que exista contradição, é necessário que os fundamentos invocados devam, logicamente, conduzir a uma decisão diferente daquela que é tomada.
Vejamos, então se se verifica.
O acórdão recorrido, depois de ter enunciado a posição sustentada pela 1.ª instância, disse que dela discordava, pelas seguintes razões:
"A nosso ver, e de acordo com o parecer do Ministério Público, o artigo 29º, parágrafo primeiro, da Directiva 92/50/CEE, de 18 de Junho de 1992, do Conselho, para além das causas de exclusão nela previstas, não impede os Estados membros de preverem outras, desde que destinadas a garantir o respeito pelos princípios da igualdade de tratamento e da transparência.
E foi essa a finalidade visada pela exclusão da recorrente e do C... do procedimento.
Com efeito, aquelas concorrentes, apesar de juridicamente distintas, são consideradas sociedades coligadas para efeitos concursais e de concorrência, por se encontrarem em situação de relação de grupo, sob domínio total da "D..." (cfr. artigos 481º, n.º 1, 482º, alínea c) 488º, 491º e 503º do Código das Sociedades Comerciais). Deste modo, como diz ainda o Ministério Público, "formam uma única empresa, dispondo "a priori" no concurso, de uma nitidamente dupla e confortável vantagem, relativamente a todos os demais concorrentes, que se viram confinados a uma única proposta". E, como essa situação envolvia inobservância do artigo 14º do Programa do Concurso e do artigo 59º n.º 7 do Código dos Contratos Públicos, as respectivas propostas teriam forçosamente de ser excluídas, ao abrigo dos artigos 146º, n.º 2, al. i) e 70º, n.º 1, alínea g) deste diploma.
Em segundo lugar, é de referir que esta questão não é nova no TCA-SUL.
No acórdão de 29.01.2009, Proc. n.º 4105/08 escreveu-se que "(...) a prática concertada entre duas no âmbito dos procedimentos concursais não necessita da prova material da ligação entre os concorrentes, (. . .) ou da prova do conhecimento mútuo antecipado das respectivas propostas, mas basta-se com um juízo de objectividade resultante das próprias propostas, traduzido em factos, tendo em conta que as semelhanças em elevado grau ou identidade das mesmas possam contribuir, no caso concreto, para possibilitar a obtenção de ganhos acrescidos no acesso ao mercado por efeito dessa conjugação das propostas".
Em suma, pode concluir-se que o facto de a Autora e da C... pertencerem ao mesmo grupo de sociedades coligadas - D..., S.A. (S.G.P.S.), em domínio total inicial, consubstancia, por si só, factos que em abstracto configuram uma violação às regras e aos princípios da concorrência, assim como ao princípio da igualdade, previstos no n.º 4 do artigo 1º do Código dos Contratos Públicos.
Com efeito, por constituir um grupo de domínio total por remissão do artigo 491º do Código das Sociedades Comerciais, a D..., S.A. (S.G.P.S.) tem direito de dar instruções às sociedades subordinadas (à recorrida e à C...), como expressamente resulta do artigo 503º do Código das Sociedades Comerciais, o que implica uma direcção económica e comum.
É, pois, inequívoco que a sentença recorrida, além de ser omissa em relação ao regime jurídico resultante do Título VI (Sociedades coligadas) do Código das Sociedades Comerciais, interpretou, incorrectamente, o disposto no n.º 4 do artigo 1º, artigo 52º, artigo 53º, nº 7, artigo 59º, alínea g) n.º 3, artigo 70º e artigo 146º, n.º 2, alínea g) do Código dos Contratos Públicos."
Da transcrição feita resulta, claramente, que o acórdão recorrido baseou a decisão da bondade da exclusão da proposta da recorrente pela entidade recorrida no facto de terem sido violados os princípios da igualdade e da concorrência, em virtude dela e da C... formarem, para efeitos concursais, "... uma única empresa, por se encontrarem em situação de relação de grupo, sob domínio total da "D...", sociedade esta (S.G.P.S.) que constitui "... um grupo de domínio total por remissão do artigo 491º do Código das Sociedades Comerciais", "... dispondo, assim, "a priori", no concurso, de uma nitidamente dupla e confortável vantagem, relativamente a todos os demais concorrentes, que se viram confinados a uma única proposta". Ou seja, no facto de uma única empresa (A.../C..., assim considerada por serem detidas na totalidade por uma - mesma - empresa terceira) ter apresentado duas propostas diferentes, quando só era permitido apresentar uma e os outros concorrentes apenas apresentaram uma, o que lhe(s) conferiu uma posição de vantagem em relação aos restantes concorrentes.
Este foi o verdadeiro fundamento da decisão, que aparece, aliás, abundantemente sustentado em inúmeros preceitos do Código dos Contratos Públicos e do Código das Sociedades Comerciais e que nos leva a uma solução que até pode estar errada, como, desde já adiantamos, consideramos que está, mas que se apresenta como uma conclusão lógica e congruente desse argumento, em face da clara interpretação feita desses preceitos.
A doutrina do acórdão de 29/1/2009, na qual a recorrente sustenta a invocada contradição, e que o acórdão recorrido invocou "em segundo lugar", não passa de um mero argumento de reforço daquele que foi o original e o seu verdadeiro fundamento.
E, convenhamos, não reforça nada, pois que se reporta a uma situação absolutamente distinta. No acórdão recorrido, trata-se de uma presunção de concertação decorrente de ambas as concorrentes serem totalmente detidas por uma mesma empresa terceira e, como tal, serem consideradas uma empresa única, enquanto que no acórdão nele citado se trata de uma alegada concertação efectiva na apresentação das propostas de duas empresas absolutamente autónomas, para cuja verificação (de concertação) foi considerado suficiente um juízo objectivo na análise dessas propostas. Ou seja, este acórdão bastou-se com esse juízo, não considerando necessário a prova material de uma anterior concertação que tivesse levado a essas propostas, consideradas, em função do seu conteúdo, concertadas. Mas, sobre a concertação presumida da simples relação de domínio não disse absolutamente nada, não sendo legítimo extrair dele qualquer posição, mesmo que implícita, sobre essa matéria.
Ora, assim sendo, esse argumento, pretensamente de reforço, não passa de um argumento despiciendo, que, não reforçando nada, também não desvanece o argumento antecedente, que se mantém claro e que funda congruentemente a decisão tomada, que não sofre, assim, de qualquer contradição.
Improcedem, por isso, as conclusões 18.ª a 22.ª das alegações de recurso.
2.2.3. ERRO DE JULGAMENTO:
O erro de julgamento invocado decorre de ter sido decidido que, sendo a recorrente detida a 100%, tal como outra concorrente, a C..., por uma mesma empresa, a D..., deviam estas duas empresas ser consideradas, para efeitos concursais, como uma única empresa e que, assim sendo, tendo apresentado cada uma delas uma proposta, acabaram por, na prática, apresentar duas propostas, quando só era permitido apresentar uma, com o que foi violado o princípio da igualdade e da concorrência.
Foi esta a posição do acórdão recorrido, para o qual, com tal conduta, a recorrente violou o disposto nos artigos 1.º, n.º 4, 59.º n.º 7, 70.º, n.º 2, alínea g) e 146.º, n.º 2, alínea i) do CCP.
A recorrente discorda desta posição, defendendo que a mesma interpreta incorrectamente tais preceitos, que devem ser vistos à luz do conceito de concorrência estabelecido no direito comunitário, segundo o qual só uma efectiva concertação das empresas concorrentes ao concurso em causa, que tem de ser objectivamente demonstrada, pode fundar a violação desse princípio.
Vejamos.
A A..., ora recorrente, apresentou uma proposta, enquanto que a C... apresentou outra, propostas essas que, como resulta da factualidade apurada, nomeadamente dos artigos 15.º e 16.º do probatório, eram distintas.
Porém e com o fundamento das referidas sociedades serem detidas a 100/º pela D... (SGPS), o acórdão recorrido considerou que esta, "por constituir um grupo de domínio total por remissão do artigo 491.º do Código das Sociedades Comerciais, tem direito de dar instruções às sociedades subordinadas (à recorrida e à C...), como expressamente resulta do artigo 503.º do Código das Sociedades comerciais, o que implica uma direcção económica e comum." E daí partiu para considerar que tal situação "consubstancia, por si só, factos que em abstracto configuram uma violação às regras e aos princípios da concorrência, assim como ao princípio da igualdade, previstos no n.º 4 do artigo 1.º do Código dos Contratos Públicos." Ou seja, considerou que o domínio da SGPS D... sobre as empresas suas associadas leva a que estas sejam consideradas, para efeitos concursais, como uma única empresa, o que redunda, na prática, em que tenha havido duas propostas da mesma empresa, através das quais foram violados os princípios da igualdade e da concorrência. Consagrou, no fundo, uma presunção inilidível de que dessa relação de domínio resulta, por si só, a violação desses princípios.
Não sufragamos este entendimento.
Na verdade, as referidas empresas, coligadas por força da relação de domínio ou de grupo existente entre elas, apresentaram cada uma a sua proposta, ou seja propostas autónomas, que eram substancialmente distintas, como resulta da factualidade apurada, nomeadamente dos artigos 15.º e 16.º do probatório.
As empresas coligadas mantêm a sua autonomia jurídica, que subsiste em todas as situações em que a mesma não seja afastado por lei. E, no âmbito da contratação pública, o Código dos Contratos Públicos não a afastou, pois que consagrou uma definição de concorrente alicerçada no conceito tradicional de personalidade jurídica, estabelecendo que é concorrente a "pessoa", singular ou colectiva, que apresente uma proposta (artigo 53.º), pelo que, tais pessoas, não estando agrupadas para efeitos de um concurso (de acordo com o estabelecido no artigo 54.º), são pessoas autónomas com propostas autónomas.
Este Código, não ignorando o conceito de sociedades coligadas estabelecido nos artigos 482.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais, assumiu um conceito próprio de empresas associadas, mas apenas, como salienta a recorrente, para proibir a participação destas, verificados certos pressupostos, nos procedimentos de contratação dos sectores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais (cf. Conclusões 25.ª a 27.º das suas alegações) e não para proibir a participação de empresas associadas na generalidade dos procedimentos. Sendo certo que a associação, ou posição de domínio ou de grupo, que estabelece, tem de incluir no seu seio a empresa adjudicante, o que, in casu, se não verifica.
E, no que respeita a essa associação entre somente os concorrentes (excluindo, portanto, o adjudicante), o CCP só proíbe, na generalidade dos contratos, que os membros de um agrupamento possam ser concorrentes no mesmo procedimento ou integrar outro agrupamento concorrente (artigo 54.º, n.º 2), não caindo na sua previsão as situações em que duas sociedades detidas em 100% por uma sociedade terceira concorram autonomamente.
Do exposto resulta que, in casu, não houve, portanto, qualquer violação do princípio da igualdade, porquanto cada um dos concorrentes em causa - sociedades comerciais autónomas - apenas apresentou uma proposta, tal como exige o n.º 7 do artigo 59.º do CCP, pelo que se não verifica a causa de exclusão da proposta estabelecida no artigo 146.º, n.º 2, alínea i) do CCP.
Vejamos, agora, se não obstante as propostas serem de considerar autónomas, a situação dos concorrentes - coligadas, ou seja, numa posição entre si de domínio ou de grupo - implica ou não a violação do princípio da concorrência.
O acórdão recorrido considerou que sim, pelo simples facto, como vimos, da empresa que as detém (na totalidade) lhes poder dar instruções, o que implica uma direcção económica e comum.
O artigo 146.º, n.º 2, alínea o) do CCP manda excluir as propostas cuja análise revele alguma das situações previstas no n.º 2 do artigo 70.º do mesmo Código, que, por sua vez, estabelece na alínea g), entre essas situações, "a existência de fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras da concorrência."
Há, assim, que determinar o conteúdo do conceito de situações susceptíveis de influenciarem a concorrência, para aferir da ocorrência dessa situação no caso presente.
Tal determinação passa pela a interpretação do artigo 4º da Lei nº 18/2003, de 11/6 (Lei da Concorrência), que aprovou o regime jurídico da concorrência, no qual, sob a epígrafe "práticas proibidas", se dispõe:"1 - São proibidos os acordos entre empresas, as decisões de associações de empresas e as práticas concertadas entre empresas, qualquer que seja a forma que revistam, que tenham por objecto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional, nomeadamente as que se traduzam em ... ... ..."
Através desta disposição legal genérica, concretizada, a título meramente exemplificativo, nas suas várias alíneas, bem como das regras relativas ao abuso da posição dominante [artigo 6º], abuso de dependência económica [artigo 7º], concentração de empresas [artigo 8º] e auxílios estatais [artigo 13º], o legislador procurou, conforme se escreveu no referido acórdão do TCAS de 29/1/2009, processo n.º 4105/08, "criar mecanismos que contribuam para a livre formação da oferta e da procura e de acesso ao mercado, para o equilíbrio das relações entre agentes económicos, para o favorecimento dos objectivos gerais de desenvolvimento económico e social, para o reforço da competitividade dos agentes económicos e para a salvaguarda dos interesses dos consumidores."
Dela resulta, claramente, que constitui uma prática proibida a prática concertada entre empresas, qualquer que seja a forma que revista, que tenha como objecto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no mercado.
A esta luz, vejamos se a simples candidatura - autónoma - de duas empresas que se encontrem entre si em posição de domínio ou de grupo é, só por si, capaz de falsear as regras da concorrência.
E para nós, contrariamente ao decidido, não é.
Na verdade, a LC não estabelece qualquer presunção, que foi o que no fundo entendeu o acórdão recorrido, de que da simples relação de domínio entre as empresas resulte o falseamento das regras de concorrência, antes exigindo que existam acordos, decisões ou práticas concertadas susceptíveis de falsear as regras da concorrência, ou seja, situações reais e não meramente hipotéticas ou potenciais, que possam ser precisamente objectivadas como tendo levado a prejudicar essa concorrência.
E foi também essas situações que o CCP visou evitar, tendo consagrado a existência de fortes indícios, que não significa outra coisa que não a detecção da existência de situações, no caso concreto, que tenham prejudicado efectivamente a concorrência. Esse prejuízo tem, pois, que resultar do real comportamento dos concorrentes no âmbito do concurso, não podendo resultar de meras hipóteses ou probabilidades. Tem que resultar de uma concertação, no caso concreto, susceptível de falsear as regras da concorrência, que não pode ser considerada preenchida com uma antecedente, porventura longínqua e duradoura situação jurídica, que opera no dia a dia das empresas e que não se sabe se influencia e em que medida influencia o exercício da sua actividade. A coligação das empresas em causa já vem de trás, não foi criada para este concurso, cujo serviço constituirá, seguramente, uma pequena parte da actividade das mesmas, pelo que, só por si, não indicia qualquer concertação. Ao invés, a sua exclusão é que podia configurar prejuízo da concorrência, perturbando, através da limitação do universo de concorrentes, a livre formação da oferta e da procura.
Impõe-se, assim, concluir que se não pode imputar qualquer violação do princípio da concorrência ao simples facto de ao concurso em causa terem concorrido duas empresas em relação de domínio ou de grupo, pois que a lei não estabelece qualquer presunção, nesse âmbito, resultante da sua situação de coligação, antes exigindo que a existência dos indícios da violação desse princípio, que têm de ser fortes, tenha de resultar de circunstâncias concretas da actuação dessas empresas no procedimento concursal e da análise das propostas por elas apresentadas.
Esta tem sido, aliás, a posição dominante da jurisprudência, conforme se pode verificar dos acórdãos do TCAS de 25/3/2010, 14/9/2010 e de 30/9/2010, proferidos nos recursos n.ºs 5806/09, 6482/10 e 6517/10, respectivamente).
O referido acórdão de 14/9/2010, que tratou de uma situação absolutamente idêntica, em que até as partes eram as mesmas, após ter referido que o CCP não contém qualquer disposição que se refira expressamente às propostas apresentadas por sociedades ligadas entre si por relações jurídicas de domínio e de ter hipotizado a possibilidade de tal proibição resultar do estatuído no n.º 2 do artigo 54.º do mesmo Código, passou a citar um estudo de Esteves de Oliveira, com o título "Agrupamentos de Entidades Adjudicantes e de Candidatos e Concorrentes em Procedimentos de Contratação Pública" in "Estudos de Contratação Pública-II", Organização: Pedro Gonçalves, 2010, págs. 129-132", que reproduzimos:
"A resposta a essa questão depende do peso que se atribuir aos argumentos que pendem para um e outro lado, a começar logo pelo facto de a solução literal desse preceito ser claramente uma solução pensada e trabalhada pelo legislador, donde a sua extensão a outros casos que não sejam rigorosamente análogos aos acima descritos poder ser juridicamente incorrecta. E conviria também determinar qual é, em rigor, a "ratio" e (ou) teleologia dessa norma, a razão ou o fim que levou o legislador a reportar expressamente a previsão legal apenas aos casos em que a dupla participação envolva a integração de uma pessoa ou entidade em, pelo menos um agrupamento. Será que a sua preocupação, ao estabelecer a proibição de uma entidade concorrer duplamente, de um lado isoladamente, do outro em grupo - ou, em ambos os casos, agrupadamente -, foi a de defender os membros do (ou dos) agrupamento (s) por si integrado (s) contra as manobras fraudulentas que o conhecimento do que se passa do outro lado, quanto à elaboração da respectiva proposta, lhe possibilitariam?
Literalmente a resposta é positiva. É verdade que, contra essa maneira de ver, em defesa de um entendimento concorrencial mais extenso do art. 54º/2 do código - que visse nele uma maneira de proteger também os interesses públicos de uma concorrência perfeita, em beneficio dos interesses da apresentação de propostas o mais favorável possível para as entidades adjudicantes -, poderia convocar-se o princípio da concorrência, essencial nos procedimentos pré - contratuais (art. 1.º/4), argumentando-se que a permissão para uma mesma empresa ou duas empresas ligadas por relações de domínio total ou quase total concorrer (em) com duas propostas isoladas e independentes também constituiria uma sua violação.
Existem aliás no Código das Sociedades Comerciais - poderia aduzir-se, se estivesse em causa apenas a apresentação de propostas isoladas por sociedades em relação de domínio dessas - vários preceitos a reflectir a existência de um princípio do uso "perverso" de tais relações.
Propendemos, mesmo assim, para negar a extensão da proibição do art. 54º/2 à hipótese com que agora trabalhamos. Na verdade, se duas sociedades ligadas entre si por relações dessas apresentarem propostas isoladas e independentes, uma mais fraca, outra melhor, não deriva daí qualquer prejuízo, seguramente para a entidade adjudicante, pois que a proposta escolhida para a adjudicação e ordenada em primeiro lugar, de entre as duas, será sempre a melhor, nunca a outra. E se, porventura, ficassem ambas nos dois primeiros lugares da avaliação e a melhor fosse retirada, não só estaria a denunciar-se com isso o propósito de falseamento da concorrência - levando a que se excluíssem as duas propostas apresentadas e a que se lhes aplicasse as sanções regulatórias previstas -, como teria ainda que indemnizar-se a entidade adjudicante pelos prejuízos decorrentes da desistência do respectivo concorrente.
O que nos levaria então a concluir que, quanto a esta hipótese, o legislador pôs na letra da lei exactamente o que ia no seu espírito, quando proibiu que a pessoa ou empresa integrante de um agrupamento se apresentasse isolada ou agrupadamente com outra proposta a um procedimento pré-contratual, excluindo assim do âmbito de aplicação da estatuição legal do art. 54º/2 - ou de qualquer outra norma similar do código - a participação isolada e separada de sociedades ligadas por relações de domínio total ou quase total. O que significa que, salvo em casos excepcionais - como quando haja uma fase de negociação das propostas, a que não podem, claro, aceder as duas empresas ligadas por relações dessas -, estas hipóteses devem resolver-se em função do recente (e não totalmente esclarecedor) acórdão "Assitur", proferido pelo TJCE em 19 de Maio de 2009 (processo C-538/07), nos termos do qual o direito comunitário se opõe a uma disposição nacional que, embora prosseguindo os objectivos legítimos da igualdade de tratamento dos proponentes e da transparência no âmbito dos processos de adjudicação dos contratos públicos, instaure uma proibição absoluta, para as empresas entre as quais exista uma relação de domínio ou que estejam associadas entre si, de participar de forma simultânea e concorrente num mesmo concurso, sem lhes dar a possibilidade de demonstrar que a dita relação não teve influência sobre o seu comportamento respectivo no âmbito desse concurso".
Tendo concluído que as referenciadas disposições legais que foram invocadas como fundamento da exclusão da proposta da recorrente - artigos 70.º, n.º 2, alínea g) e 146.º, n.º 2, alínea i) do CCP - não proibiam a situação verificada e que, se proibissem, não poderiam ser aplicadas por serem contrárias à legislação comunitária.
Esta posição merece a nossa total concordância.
Na verdade, a interpretação correcta dos preceitos da legislação nacional de que nos ocupámos é, para nós, a que foi apontada.
E, por sua vez, a interpretação da legislação comunitária que regula a matéria tem sido também interpretada no mesmo sentido pelo TJUE.
Na verdade, este Tribunal, no acórdão Assitur, Processo C-387, de 19/5/2009, posto perante a questão prejudicial (relativa a uma norma do Estado Italiano com estatuição idêntica às apontadas normas do CCP Português) de o artigo 29.º da Directiva n.º 92/50 do Conselho, de 18/6/1992, ao estabelecer sete causas de exclusão da participação nos concursos de serviços configurar um numerus clausus de causas impeditivas da exclusão e, consequentemente, obstar a que as leis referenciadas entre parêntesis proíbam a participação simultânea num mesmo concurso de empresas que se encontrem, entre si, em relação de domínio ou de influência importante, decidiu, em resumo, que: (i) essas causas não eram taxativas, podendo os Estados Membros estabelecer outras causas capazes de permitir impedir a violação da concorrência; (ii) entre essas (outras) causas que podiam estabelecer, não podia, porém, figurar uma que excluísse sistematicamante empresas associadas entre si, pois que tal solução reduziria consideravelmente a concorrência; (iii) tal exclusão, baseada na presunção inilidível de que do simples facto de as empresas se encontrarem associadas resulta concertação no âmbito do procedimento concursal, desrespeita o princípio da proporcionalidade, que impõe que possam demonstrar que não houve tal concertação; (iv) só através da análise concreta do comportamento dessas empresas no âmbito do concurso e das propostas que nele apresentaram se pode aferir se houve ou não concertação violadora do princípio da concorrência.
E, conforme se assinala no acórdão deste STA que admitiu a presente revista, também considerou, no acórdão Michaniki, Processo n.º 213-C/07, de 16/12/2008, relativo a um concurso de empreitada de obras públicas, regulado pela Directiva 93/37/CEE do Conselho, de 14/6/1993, que contém uma disposição idêntica à da Directiva 92/50 no que concerne à exclusão dos concorrentes, que "se opõe ao direito comunitário a norma nacional que institui uma presunção inilidível de incompatibilidade entre a qualidade de proprietário, sócio, accionista importante ou quadro dirigente de uma empresa que exerce uma actividade no sector dos meios de comunicação social e a de proprietário, sócio, accionista importante ou quadro dirigente de uma empresa à qual o Estado ou outra pessoa colectiva do sector público em sentido lato atribuam a execução de empreitadas de obras, de fornecimentos ou de serviços."
Impõe-se, assim, concluir que o direito comunitário não permite a exclusão dos concorrentes que se apresentem separadamente num mesmo concurso pelo simples facto de entre eles existir uma relação de domínio entre eles, antes exigindo que seja permitido demonstrar que não houve qualquer concertação na apresentação das suas propostas, pelo que, vigorando esse direito na nossa ordem jurídica e tendo primazia em relação ao direito interno (artigo 8.º da CRP), sempre se teria, perante uma interpretação possível, como é, no mínimo, aquela que consagrámos, de dar prevalência a essa interpretação. Na verdade, é entendimento jurisprudencial uniforme que, quando uma lei permitir mais que uma interpretação, sendo uma conforme e outra desconforme com a CRP ou o direito comunitário, deve optar-se por aquela que seja conforme.
Assinala-se, ainda, que o acórdão do TJUE de 4/6/2009, invocado pelo recorrente na conclusão 12.ª das suas contra-alegações, não contraria a jurisprudência acima citada, pois que se reporta a uma situação distinta da tratada nos presentes autos (tal como acontece com o acórdão deste STA de 29/1/2009, referido na sua conclusão 11.ª). Essa situação, ou melhor, a questão que nele foi decidida, foi a do nexo de causalidade entre a concertação de empresas, decorrente de troca de informações no domínio das telecomunicações e a sua actuação no mercado, que o TJUE considerou existir, e ser anticoncorrencial, enquanto essas empresas se mantiverem activas, mesmo que só tenha havido uma única e longínqua troca de informações entre elas. Tendo, portanto, por base uma efectiva concertação (em determinado momento, que considerou prolongar-se) e não uma concertação presumida do simples facto da sua coligação jurídica.
Em face do exposto, impõe-se concluir que a candidatura da recorrente e da C... não violavam os princípios da igualdade e da concorrência, por que não podiam ser excluídas pelo motivo invocado para as excluir, pelo que, ao decidir em sentido contrário, o acórdão recorrido incorreu no erro de julgamento que lhe foi assacado.
Procedem, assim, as conclusões 23.ª a 57.ª das alegações de recurso.
2.2.4. A SOLUÇÃO
Em face do expendido no número anterior, a proposta da recorrente não podia ser excluída pelas razões por que o foi.
E, por isso, o acórdão recorrido tem de ser revogado, passando este Tribunal de revista a conhecer, em substituição, a pretensão da recorrente, aplicando definitivamente o direito aos factos fixados (artigo 150.º, n.º 3 do CPTA).
Deles resulta que: (i) a recorrente apresentou a proposta mais baixa; (ii) a administração da recorrente e da C... não é a mesma; (iii) as propostas destes concorrentes são diferentes em conteúdo e montantes.
Destes factos não resulta, assim, a existência de quaisquer indícios objectivos e fundados de que as referidas empresas tenham concertado as suas posições com vista a beneficiar, em prejuízo dos outros concorrentes, da sua posição, concertação essa que o próprio júri não invocou, apenas se tendo baseado, para a exclusão, no pecado original de serem empresas coligadas.
E, como tal, devia essa proposta ter sido admitida e valorada, como defende a recorrente, impondo-se que, tendo em conta que o critério de adjudicação era o critério da proposta com preço mais baixo (artigo 6.º, n.º 1, do Programa do Concurso), essa proposta fosse ordenada em 1.º lugar e, consequentemente, lhe tivesse sido adjudicado o fornecimento em causa.
3. DECISÃO
Em face de todo o exposto, acorda-se em, concedendo provimento ao recurso:
a) revogar o acórdão recorrido;
b) julgar a acção procedente e, em consequência, condenar o Réu a admitir a proposta da recorrente, a apreciá-la e ordená-la em primeiro lugar e a adjudicar-lhe o fornecimento objecto do concurso em causa.
Custas pelo Réu.
Lisboa, 11 de Janeiro de 2011. - António Bernardino Peixoto Madureira (relator) - António Políbio Ferreira Henriques - Américo Joaquim Pires Esteves.