Conclusões do Advogado-Geral no processo C-306/08 (16 de Setembro de 2010)

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CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
NIILO JÄÄSKINEN
apresentadas em 16 de Setembro de 2010 (1)

Processo C‑306/08

Comissão Europeia
contra
Reino de Espanha

 

«Acção por incumprimento - Directiva 93/37 CEE - Directiva 2004/18 CE - Empreitadas de obras públicas - Contratos públicos de serviços - Concessão de serviço público - Concessão de obras públicas - Desenvolvimento territorial - Legislação relativa ao planeamento e desenvolvimento urbanísticos na região de Valência»

 
1. Na presente acção por incumprimento, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que declare que ao adjudicar Programas de Actuação Integrada (a seguir «PAI»), um instrumento de desenvolvimento urbanístico na região de Valência, estabelecido pela LRAU (2) e posteriormente pela LUV (3), a Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das Directivas 93/37/CEE (4) e 2004/18/CE (5) relativas aos contratos públicos.

2. Esta acção permite que o Tribunal de Justiça se pronuncie, mais uma vez, sobre o enquadramento dos instrumentos de desenvolvimento urbanístico no âmbito normativo da contratação pública, e que clarifique o significado dos conceitos de «a título oneroso» e de «concessões» na acepção das directivas em causa relativas aos contratos públicos.

3. A presente acção por incumprimento surgiu em resultado de um vasto número de petições ao Parlamento Europeu, sob a forma de queixas acerca dos vários aspectos da LRAU, designadamente a localização geográfica dos projectos de urbanização e o respectivo impacto no ambiente, a expropriação de terrenos sem justa indemnização, e a obrigação dos proprietários de pagarem a construção de infra‑estruturas que não querem ou não precisam (6). A Comissão investigou as várias queixas e concluiu que, ou porque a Comissão não era competente (7), ou porque a acção não teria viabilidade (8), a única abordagem a seguir seria a da contratação pública. Dado que as principais queixas dos peticionários diziam respeito a outras questões que não a conformidade com as normas em matéria de contratação pública (9), a presente acção intentada pela Comissão e o resultado do processo de pouco adiantarão.

I - Quadro jurídico

A)    Direito da UE (10)

1.    Directiva 93/37

4. A Directiva 93/37 é aplicável às empreitadas e concessões de obras públicas.

5. Os contratos de empreitada de obras públicas são definidos como «contratos a título oneroso, celebrados por escrito entre um empreiteiro, por um lado, e uma entidade adjudicante [...], por outro, que tenham por objecto quer a execução quer conjuntamente a execução e concepção das obras relativas a uma das actividades referidas no anexo II ou de uma obra [...], quer a realização, seja por que meio for, de uma obra que satisfaça as necessidades indicadas pela entidade adjudicante» (11).

6. A concessão de obras públicas é definida como «um contrato que apresenta as mesmas características que as referidas na alínea a), com excepção de que a contrapartida das obras consiste quer unicamente no direito de exploração da obra quer nesse direito acompanhado do pagamento de um preço» (12).

7. O artigo 6.°, n.° 6, contém uma cláusula geral de não discriminação.

8. O artigo 11.° exige que os anúncios sejam publicados na íntegra no Jornal Oficial das Comunidades Europeias e no banco de dados TED.

9. O artigo 12.° refere‑se aos prazos para recepção das propostas. Fixa o prazo de 52 dias a contar da publicação do anúncio para os casos de abertura de concursos públicos.

10. O capítulo 2 do título IV, ou seja, os artigos 24.° a 29.°, refere‑se aos critérios de selecção qualitativa. O artigo 24.° enumera as situações em que um empreiteiro pode ser excluído da participação num processo de adjudicação, incluindo o caso em que o empreiteiro se encontre em estado de falência ou tenha sido condenado por qualquer delito que afecte a sua honorabilidade profissional. Os artigos 25.° a 29.° dizem respeito à prova que pode ser solicitada a um empreiteiro relativamente à sua inscrição no registo profissional, capacidade financeira, capacidade técnica, e referem‑se igualmente à situação dos Estados‑Membros que têm listas oficiais de empreiteiros aprovados.

2.    Directiva 2004/18

11. A Directiva 2004/18 altera, entre outras, a Directiva 93/37. Aquela abrange todos os contratos públicos, definidos como «contratos a título oneroso, celebrados por escrito entre um ou mais operadores económicos e uma ou mais entidades adjudicantes, que têm por objecto a execução de obras, o fornecimento de produtos ou a prestação de serviços na acepção da presente directiva» (13).

12. Os contratos de empreitada de obras públicas são definidos como «contratos públicos que têm por objecto quer a execução, quer conjuntamente a concepção e a execução, quer ainda a realização, por qualquer meio, de trabalhos relacionados com uma das actividades na acepção do anexo I ou de uma obra que satisfaça as necessidades especificadas pela entidade adjudicante» (14).

13. Os contratos públicos de serviços são definidos como «contratos públicos que não sejam contratos de empreitada de obras públicas ou contratos públicos de fornecimento, relativos à prestação de serviços mencionados no anexo II» (15).

14. A concessão de obras públicas é definida como «um contrato com as mesmas características que um contrato de empreitada de obras públicas, com excepção de que a contrapartida das obras a efectuar consiste quer unicamente no direito de exploração da obra, quer nesse direito acompanhado de um pagamento» (16).

15. A concessão de serviços é definida como «um contrato com as mesmas características que um contrato público de serviços, com excepção de que a contrapartida dos serviços a prestar consiste quer unicamente no direito de exploração do serviço, quer nesse direito acompanhado de um pagamento» (17) e está excluída da directiva (18).

16. A Directiva 2004/18 não é aplicável aos contratos públicos de serviços relativos à aquisição ou locação, sejam quais forem as respectivas modalidades financeiras, de terrenos, edifícios existentes ou outros bens imóveis, ou a direitos sobre esses bens (19).

17. O artigo 2.° dispõe que, na adjudicação dos contratos, as entidades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação e agem de forma transparente.

18. O artigo 6.° refere‑se à confidencialidade dos segredos técnicos ou comerciais e dos aspectos confidenciais das propostas, e impede que a entidade adjudicante divulgue as informações que lhe tenham sido comunicadas pelos operadores económicos que estes tiverem indicado serem confidenciais.

19. O artigo 24.° dispõe que as entidades adjudicantes devem precisar no anúncio de concurso se as variantes são ou não autorizadas e que devem indicar no caderno de encargos os requisitos mínimos que as variantes devem respeitar, bem como as regras para a sua apresentação. As entidades adjudicantes só tomarão em consideração as variantes que satisfaçam os requisitos mínimos por elas exigidos.

20. O artigo 30.° refere‑se aos casos que justificam o recurso ao procedimento por negociação com publicação prévia de um anúncio de concurso. Salienta a forma como tais procedimentos por negociação devem ser conduzidos.

21. O artigo 31.°, n.° 4), alínea a), menciona os casos que justificam o recurso ao procedimento por negociação sem publicação de anúncio de concurso e, especificamente, o modo de procedimento quando obras ou serviços complementares não incluídos no projecto inicial forem necessários.

22. O artigo 48.°, n.° 2, enumera os meios pelos quais os operadores económicos podem comprovar a sua capacidade técnica.

23. O artigo 53.° dispõe que os critérios em que as entidades adjudicantes se devem basear para a adjudicação de contratos públicos devem ser ou o da proposta economicamente mais vantajosa do ponto de vista da entidade adjudicante (que envolve vários critérios ligados ao objecto do contrato público em questão, como sejam características ambientais, qualidade, preço, rendibilidade, entre outros), ou o do preço mais baixo. Também refere a obrigação da entidade adjudicante de especificar, se possível, a ponderação relativa que atribui a cada um dos critérios para determinar a proposta economicamente mais vantajosa, ou a ordem decrescente de importância dos critérios.

B)    Legislação nacional

1.    Legislação estatal

24. Em Espanha, os contratos públicos incluem‑se na competência legislativa do Estado. A competência estatal também abrange a expropriação e o direito de propriedade. Por outro lado, o urbanismo e a utilização do solo incluem‑se na esfera legislativa regional, dentro do quadro normativo estabelecido pela Constituição e pela legislação estatal (20). A LRAU e a LUV foram elaboradas com base nas competências autonómicas de regulação do ordenamento territorial e urbanismo.

25. A Constituição espanhola reconhece o direito à propriedade privada e o direito de sucessão, ainda que limitado pela sua função social nos termos da lei (21). Segundo aquele diploma, todas as pessoas têm o direito a habitação condigna; os poderes públicos contribuem para a criação das condições necessárias ao exercício deste direito através da regulação adequada da utilização do solo de acordo com o interesse geral, de modo a impedir a especulação; a comunidade deve beneficiar das mais‑valias geradas pelos instrumentos de desenvolvimento urbanístico adoptados pelos poderes públicos (22).

26. A legislação espanhola estatal relativa ao urbanismo e utilização do solo sofreu várias alterações depois da adopção da LRAU, estando o presente quadro legislativo integrado no TRLS (23). É útil explicar alguns princípios básicos desta legislação que também estavam incluídos nos diplomas legislativos precedentes aplicáveis durante a fase pré‑contenciosa.

27. Nos termos do TRLS, o ordenamento do território e o desenvolvimento urbanístico são serviços públicos não transaccionáveis que visam organizar a utilização do solo de acordo com o interesse geral e definir os direitos e obrigações associados ao direito de propriedade, à luz dos objectivos definidos para a utilização do solo. A definição destes objectivos para cada parcela de terreno não confere um direito de indemnização, salvo quando expressamente disposto na lei. A legislação relativa ao urbanismo e utilização do solo deve assegurar que os poderes públicos regulam e fiscalizam o desenvolvimento territorial nas suas várias fases, nomeadamente ocupação, construção de infra‑estruturas e actividades de edificação e construção para utilização pública ou privada. Além disso, a comunidade deve beneficiar das mais‑valias geradas pelas medidas adoptadas pelos poderes públicos (24).

28. Os particulares, sejam ou não proprietários dos terrenos podem, no quadro da livre iniciativa, executar obras de desenvolvimento urbanístico quando as mesmas não forem realizadas pela administração competente. A autorização para executar tais obras tem de ser sujeita a um concurso público, que permita à comunidade local beneficiar de forma adequada das mais‑valias geradas em resultado do desenvolvimento urbanístico (25).

29. As acções de promoção do desenvolvimento urbanístico podem exigir: 1) a entrega gratuita à entidade local de áreas reservadas para ruas, espaços verdes e outros espaços comuns, bem como territórios reservados para fins públicos, dentro de certos limites relativos às oportunidades de edificação criadas pela acção; 2) o financiamento e execução de todas as obras relativas ao desenvolvimento urbanístico de acordo com a acção e à construção das infra‑estruturas necessárias; e 3) a entrega das infra‑estruturas e das obras, com os respectivos terrenos, à entidade competente (26).

2.    Legislação regional

a)    Definição de PAI

30. Segundo a LRAU e a LUV, o desenvolvimento urbanístico (27) na região autónoma de Valência pode efectuar‑se segundo o regime de actuação isolada (no caso de uma única parcela de terreno) ou o regime de actuação integrada (no caso de duas ou mais parcelas de terreno quando é preciso ligar o terreno apto para construção a uma rede de serviços) (28).

31. As actuações integradas são sempre públicas (29), e podem ser executadas directa ou indirectamente. A administração local que deseja urbanizar o terreno em causa através da actuação integrada pode optar por um daqueles procedimentos (30). Se optar pelo procedimento de gestão directa, as obras e investimentos são financiados com fundos públicos (31) e geridos pela entidade adjudicante (32). Se optar pelo procedimento de gestão indirecta, a administração local escolhe um urbanista e os proprietários devem compensá‑lo pelos custos da urbanização, na proporção do terreno com que contribuem para o projecto.

b)    Procedimento PAI

32. Uma das formas de implementação do plano de actuação integrada é o procedimento PAI (33). Tanto no caso da LRAU como no da LUV, o procedimento PAI consiste em quatro fases: iniciativa, selecção, emparcelamento e instalação de infra‑estruturas (34).

33. O procedimento PAI pode ser iniciado pela administração local ou a requerimento de qualquer pessoa, seja ou não proprietário do terreno em causa (35). Um plano de urbanização detalhado tem de ser aprovado pela administração local (36). O PAI implica uma escolha definitiva entre as alternativas de utilização do solo permitidas para a área pelo plano em vigor.

34. Nos termos da LRAU, o procedimento PAI é iniciado quando é requerido que se torne pública uma alternativa técnica para um PAI (37). Este documento identifica a área a urbanizar, indica os planos detalhados ou estruturais a implementar pelo PAI e inclui uma proposta para a utilização do solo e a sua integração nas áreas circundantes (38). A administração local pode indeferir o requerimento ou tornar pública a informação, publicando‑a nos jornais oficiais regionais (39), com ou sem observações (40). Durante o período de consultas públicas, qualquer pessoa pode fazer observações ou apresentar propostas de alternativas técnicas. Nesta fase também podem ser apresentadas propostas financeiras (41). As propostas financeiras determinam as condições legais, económicas e financeiras do PAI (42). A administração local aprova então um PAI escolhendo uma proposta técnica e uma proposta financeira (embora não necessariamente da mesma pessoa) (43). A LRAU também prevê um procedimento simplificado em que não é necessária a aprovação pela administração local da primeira proposta técnica apresentada pelo impulsionador do PAI, devendo apenas ser formalizada perante um notário (44).

35. Nos termos da LUV, o PAI é iniciado pela pessoa que apresente qualquer um dos documentos enumerados na LUV (45). Estes documentos tornam‑se parte integrante das especificações relativas à adjudicação do PAI (46), segundo as quais serão avaliadas as propostas subsequentes (47). Quando os documentos são apresentados, a entidade adjudicante decide pelo procedimento de gestão directa ou indirecta (48). A escolha do procedimento de gestão indirecta implica a aprovação das especificações constantes dos documentos tal como apresentadas (49), quer implícita (50) quer explicitamente, e o processo de adjudicação do PAI começa com a publicação de um anúncio no Jornal Oficial da União Europeia, bem como nos jornais oficiais regionais (51). Se o PAI alterar a urbanização estrutural, a aprovação do PAI pela entidade adjudicante está condicionada à aprovação definitiva pelo governo autonómico (52).

c)    Os objectivos do PAI

36. O objectivo do PAI é identificar o âmbito de uma actuação integrada definindo as obras a realizar, os prazos, as bases técnicas e económicas da gestão da actuação (53). Visa urbanizar duas ou mais parcelas transformando‑as em terreno urbanizado e ligando‑as às redes de serviços existentes (54).

37. Segundo a LRAU e a LUV, o PAI deve atingir os seguintes objectivos (55):

─ ligação dos novos lotes (urbanos) a uma rede de infra‑estruturas, comunicações e serviços públicos existentes;

─ construção de novas infra‑estruturas e espaços públicos;

─ urbanização completa do espaço e execução das obras públicas complementares necessárias;

─ obtenção dos terrenos para os propósitos do PAI;

─ obtenção de um direito de urbanização;

─ obtenção dos fundos necessários para a execução do PAI.

38. Além destas obrigações, a legislação regional salienta os seguintes objectivos que podem ser alcançados através do PAI (56):

─ contribuições em benefício da administração local (57);

─ execução de outras obras;

─ construção de habitação social.

d)    Divisão de poderes nos termos do PAI

39. A entidade local controla e supervisiona o procedimento PAI. É responsável pela escolha de um urbanista nos casos de actuação indirecta (58), bem como pela aprovação do PAI e pela sugestão de alterações quando necessário (59). No fim do PAI, as obras passam para a administração local três meses depois de serem formalmente entregues à autarquia sem que tenha havido resposta, ou a partir da data da abertura ao público (60). Depois da recepção dos trabalhos, a autarquia assume a obrigação de manutenção. A entidade adjudicante pode aceitar receber uma compensação monetária em vez do terreno correspondente a 10% dos lucros de urbanização a que teria direito (61).

40. O urbanista é a administração local nas actuações directas, mas nas actuações indirectas é escolhido pela administração local através de propostas públicas. É definido pela legislação regional como o agente público responsável pelo desenvolvimento e execução do PAI (62).

41. O urbanista é o responsável pela redacção dos documentos técnicos exigidos nas especificações, e pelo desenvolvimento e gestão do emparcelamento dos terrenos (63), bem como pela escolha de um sub‑empreiteiro para executar as obras (64). O urbanista é aquele cujo plano de financiamento foi acolhido nos termos do processo PAI. É aquele que deverá realizar a proposta técnica aprovada que não é necessariamente a que ele próprio tinha apresentado. Nos termos da LUV, o urbanista é obrigado a contratar a sub‑empreitada de execução das obras públicas abrangidas pelo PAI segundo as normas em matéria de contratação pública, excepto se os valores máximos não forem excedidos, se só houver um proprietário, ou, no caso de vários proprietários, estes decidirem por unanimidade com o urbanista que ele próprio pode executar as obras. O urbanista é remunerado recebendo da parte dos proprietários uma parte dos terrenos urbanizados e/ou uma remuneração pecuniária (65).

42. O proprietário pode optar entre a expropriação ou a participação no PAI. Se optar pela expropriação, receberá um preço de acordo com o valor original do terreno em causa (66). Neste caso, a administração local será responsável pela expropriação e o urbanista é obrigado a pagar a indemnização (67). Se optar por participar, será obrigado a pagar proporcionalmente os custos da urbanização dando ao urbanista uma parcela do seu terreno ou pagando directamente em dinheiro (68). Como contrapartida recebe terreno urbanizado.

43. O proprietário é obrigado a pagar os seguintes encargos, proporcionalmente à área de terreno que entregou para o projecto (69):

─ custos das obras de urbanização e indemnizações, relativamente ao investimento necessário para atingir os objectivos do PAI;

─ a margem de lucro do urbanista em resultado do PAI (restringidos a 10% nos termos da LUV, mas não nos termos da LRAU);

─ os custos de gestão associados.

II - Fase pré‑contenciosa

44. Em 21 de Março de 2005, a Comissão remeteu à Espanha uma notificação para cumprir considerando que várias disposições da LRAU relativas à atribuição dos PAI eram incompatíveis com a Directiva 93/97. As autoridades espanholas responderam àquela notificação contestando que o PAI fosse um contrato público na acepção da directiva e mencionando o projecto de adopção de uma nova lei, a LUV.

45. Em 15 de Dezembro de 2005, na sequência de uma troca de correspondência entre a Comissão e as autoridades espanholas e não tendo ficado convencida com a resposta de Espanha, a Comissão remeteu um parecer fundamentado convidando a Espanha a tomar as medidas necessárias no prazo de três semanas, ou seja, até 6 de Janeiro de 2006, para assegurar a conformidade da LRAU com a Directiva 93/37.

46. O parecer fundamentado dispunha que a adjudicação de PAI nos termos da LRAU se opunha: 1) à Directiva 93/37 «e, em particular, aos artigos 1.°, 11.° a 13.° (e, em alternativa, aos artigos 3.° e 15.°), bem como ao capítulo 2 do título IV»; 2) à Directiva 92/50 (70) «e, em particular, aos artigos 1.°, 15.° a 19.° e ao capítulo 2 do título VI»; e 3) aos «artigos 43.° a 55.° do Tratado e aos princípios gerais enunciados pelo Tribunal de Justiça».

47. Em 26 de Janeiro de 2006, a Espanha respondeu que a LUV, que entraria em vigor em 1 de Fevereiro de 2006, substituiria a LRAU.

48. Em 10 de Abril de 2006, na sequência de uma nova troca de correspondência, a Comissão remeteu uma notificação para cumprir complementar, tendo em conta que a violação não tinha cessado e o prazo para a transposição da Directiva 2004/18 tinha terminado.

49. Em 12 de Outubro de 2006, a Comissão remeteu às autoridades espanholas um parecer fundamentado complementar, considerando que a atribuição de PAI nos termos: 1) da LUV se opunha à Directiva 2004/18 e a «certos princípios gerais de direito da UE decorrentes do Tratado CE»; e 2) da LRAU (relativamente ao período entre 21 de Março de 2005 e 31 de Janeiro de 2006) se opunha aos artigos 2.°, 6.°, 24.°, 30.°, 31.°, n.° 4), alínea a), 36.°, 48.°, n.° 2, e 53.° da Directiva 2004/18 e ao «princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação, como decorre do Tratado CE e da jurisprudência do Tribunal de Justiça, aos artigos 10.° CE e 49.° CE» e, em alternativa, ao título III da Directiva 2004/18 que diz respeito às concessões de obras públicas.

50. Não convencida com a resposta da Espanha ao parecer fundamentado complementar, a Comissão decidiu intentar a presente acção em que pede que o Tribunal de Justiça declare que: 1) ao adjudicar PAI nos termos da LRAU, a Espanha «não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força [da Directiva 93/97] e, em especial, dos artigos 1.°, 6.°, n.° 6, 11.°, 12.° e capítulo 2 do título IV (artigos 24.° a 29.°)»; e 2) ao adjudicar PAI nos termos da LUV (regulamentada pelo Decreto n.° 67/2006 da Região de Valência, de 12 de Maio, que aprova o Regulamento de Ordenamento e Gestão Territorial e Urbanística (71)), a Espanha «não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.°, 6.°, 24.°, 30.°, 31.°, n.° 4, alínea a), 48.° n.° 2, e 53.°, n.° 2, da Directiva 2004/18».

III - Âmbito do caso

51. Na fase pré‑contenciosa, bem como nos articulados apresentados em Tribunal, a Comissão menciona várias questões que não se enquadram no âmbito da presente acção por incumprimento tal como definido no pedido. Assim, é importante definir o âmbito exacto da presente acção por incumprimento.

52. Embora a Comissão não tenha explicitamente excluído do pedido os PAI de gestão directa, esta acção por incumprimento deve ser interpretada no sentido de dizer respeito apenas aos PAI de gestão indirecta, uma vez que as questões que suscita, relacionadas com a forma como o urbanista é escolhido, só podem logicamente dizer respeito ao procedimento de gestão indirecta (72). Assim, ao Tribunal de Justiça é pedido que aprecie se esta relação contratual se enquadra no âmbito de aplicação das directivas em causa e, sendo esse o caso, se as viola.

53. Se a adjudicação do contrato ao urbanista não for considerada incluída no âmbito de aplicação das directivas em causa, o Tribunal de Justiça não deve, na minha opinião, apreciar se o PAI de gestão indirecta viola o Tratado, uma vez que a Comissão não pediu ao Tribunal que declarasse a não conformidade do PAI com o Tratado ou com qualquer princípio geral de direito em concreto (73). Embora a Comissão tenha suscitado a questão da eventual não conformidade com o Tratado e com os princípios gerais decorrentes da jurisprudência do Tribunal de Justiça nos pareceres fundamentados, não o fez neste Tribunal.

54. A Comissão pode, obviamente, restringir o âmbito da questão no Tribunal de Justiça. Quando assim for, contudo, o Tribunal não pode pronunciar‑se sobre questões que estejam fora do âmbito da acção por incumprimento tal como definida pela Comissão (74). O Tribunal deve respeitar o princípio ne eat iudex ultra petita partium. Uma leitura meticulosa do pedido da Comissão é especialmente importante na presente acção por incumprimento, uma vez que a fase pré‑contenciosa foi relativamente longa e complicada, o processo é extenso e as alegações das partes abrangem um leque de problemas mais amplo do que os formulados no pedido.

55. Dado que a Comissão apenas suscitou a questão da conformidade da LRAU com a Directiva 93/37 e da LUV com a Directiva 2004/18, a conformidade da LRAU com a Directiva 92/50 (75) é ultra vires na presente acção por incumprimento, assim como a conformidade com o Tratado.

56. Há que salientar também que a redacção do primeiro pedido relativo à LRAU e à Directiva 93/37 é aberta, enquanto a lista do segundo pedido relativo à LUV e à Directiva 2004/18 é exaustiva. Assim, quanto ao segundo pedido, o Tribunal de Justiça só pode apreciar o alegado incumprimento relativamente aos artigos da Directiva 2004/18 expressamente mencionados.

IV - Admissibilidade

57. A Espanha alega que o primeiro pedido é inadmissível por duas razões principais: (1) pelo facto de a Comissão ter proposto a acção por incumprimento sabendo que a Directiva 93/37 seria em breve revogada e substituída pela Directiva 2004/18, que já tinha sido publicada no momento em que a notificação para cumprir foi remetida. Dado que a lei regional foi revogada dois anos antes da propositura da acção, não haveria interesse em prosseguir a apreciação; e (2) pelo facto de a Comissão ter disposto de cerca de dez anos para propor a acção por incumprimento e ter decidido fazê‑lo imediatamente antes da revogação da Directiva 93/37.

58. Estas alegações podem ser rapidamente contraditadas. É jurisprudência assente que a Comissão não é obrigada a demonstrar a existência de um interesse específico em intentar uma acção por incumprimento, e pode decidir intentar a acção sempre que o considerar oportuno (76).

59. Além disso, segundo jurisprudência assente, a existência do incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado (77). A adopção de disposições legislativas, regulamentares ou administrativas depois do termo daquele prazo não podem normalmente ser tomadas em consideração.

60. É, assim, à luz da legislação em vigor em 6 de Janeiro de 2006, data em que terminou o prazo prescrito no parecer fundamentado de 15 de Dezembro de 2005, que deve ser decidido se a Espanha incorreu no incumprimento alegado nesta acção. Àquela data, quer a LRAU quer a Directiva 93/37 estavam em vigor, ainda que viessem a ser revogadas dentro de pouco tempo (78).

61. Em sua defesa a Espanha suscita, contudo, uma outra questão interessante: a do prazo anormalmente curto de três semanas, durante o período natalício, dentro do qual lhe foi exigido que respondesse ao primeiro parecer fundamentado (79).

62. Ora, o prazo fixado pela Comissão no seu parecer fundamentado deve ser razoável (80). A razoabilidade deve ser apreciada caso a caso, tomando em consideração todas as circunstâncias (81). Prazos mais curtos podem ser por vezes admitidos quando for urgente remediar o incumprimento. A Comissão, na presente acção por incumprimento, não demonstrou existir tal urgência.

63. O prazo de três semanas (82) não me parece ser um prazo razoável. A Comissão não podia esperar que, nesse prazo, a Espanha adaptasse a LRAU à Directiva 93/37, ou que deixasse de adjudicar novos PAI nos termos da LRAU, como teria sido necessário para dar cumprimento ao parecer fundamentado. Efectivamente, parece‑me que a única explicação plausível para que a Comissão tenha fixado um prazo tão curto é o facto de saber que quer a Directiva 93/37, quer a LRAU, seriam em breve revogadas, e pretender abrangê‑las no âmbito da acção por incumprimento.

64. A jurisprudência do Tribunal de Justiça estabelece que podem justificar‑se prazos muito curtos em situações especiais, designadamente quando o Estado‑Membro em causa tinha pleno conhecimento da posição da Comissão muito antes de se iniciar o processo (83). Na presente acção por incumprimento, a Espanha tinha conhecimento da posição da Comissão havia pelo menos nove meses, uma vez que a notificação para cumprir foi remetida em 21 de Março de 2005.

65. Em qualquer caso, o facto de o prazo ser curto não parece ter tido nenhuma consequência negativa para a Espanha. Esta enviou a sua resposta ao parecer fundamentado em 26 de Janeiro de 2006, e ainda que esta data fosse posterior ao prazo fixado no parecer fundamentado, a Comissão tomou em consideração a sua defesa. A Espanha também teve oportunidade de apresentar observações adicionais por carta de 17 de Março de 2006. Não tendo havido consequências negativas, a jurisprudência do Tribunal de Justiça considera a acção admissível, ainda que os prazos não sejam considerados razoáveis (84).

66. Por conseguinte, a acção é integralmente admissível.

V - As pertinentes directivas relativas aos contratos públicos são aplicáveis aos PAI?

A)    Acordos de utilização do solo e contratação pública

67. Antes de analisar a classificação legal dos PAI nos termos da Directiva 2004/18, é importante salientar a sua natureza específica enquanto parcerias público‑privadas, cujo objectivo é permitir que a entidade pública execute as suas obrigações de forma eficiente. Fazem‑no ao encorajar a urbanização privada, com a correspondente obrigação de, simultaneamente, prover infra‑estruturas públicas (85).

68. A utilização do solo e o planeamento urbano são matérias fundamentalmente da competência dos Estados‑Membros. Nos Estados‑Membros, o planeamento e o zonamento, a utilização do solo e o desenvolvimento urbanístico são normalmente prerrogativas públicas. Contudo, os proprietários, investidores imobiliários e empresas de construção podem com frequência ter interesse em urbanizar certas áreas que não tenham sido objecto de um processo de planeamento detalhado, para poder explorar potenciais direitos de construção do terreno. Nesses casos, as entidades públicas também podem beneficiar do facto de não terem de aplicar os seus próprios escassos recursos financeiros e administrativos. Esta situação tem conduzido ao desenvolvimento de vários tipos de acordos de cooperação («acordos de utilização do solo») entre o governo local e operadores económicos privados.

69. O objectivo dos acordos de utilização do solo é permitir a construção numa área específica. Através desses acordos, as administrações locais dão garantias no que diz respeito ao uso de prerrogativas públicas em matéria de planeamento (por exemplo, comprometendo‑se a definir os direitos de construção de determinada forma), em contrapartida de compromissos por parte dos operadores económicos em causa. Por outras palavras, trata‑se de adoptar um plano detalhado com determinado teor específico quanto à quantidade, localização e utilização planeada dos direitos de construção, em contrapartida (86) do compromisso de financiamento e execução das infra‑estruturas constantes do plano detalhado e, eventualmente, também das construções necessárias a fins públicos, tais como serviços públicos ou habitação social.

70. O PAI é um exemplo de acordo de utilização do solo. O problema que suscita, todavia, é o facto de a lógica que lhe subjaz se basear numa relação em que a iniciativa é de um particular (87). O objectivo da LRAU e da LUV tem sido o de ultrapassar a estagnação na urbanização (e, assim, a estagnação na construção de infra‑estruturas públicas que acompanham estes projectos em Espanha) dando ênfase à iniciativa privada através da actividade do urbanista, que é distinta quer da propriedade do solo, quer da actividade administrativa pública. Por conseguinte, os PAI constituem essencialmente um sistema de selecção de uma opção (88) de desenvolvimento urbanístico, bem como do urbanista que a execute da forma mais eficiente.

71. Todavia, o efeito na esfera da contratação pública e, em especial, no que diz respeito à execução das obras públicas conexas, como a Comissão salienta, é o facto de um tal sistema ser intrinsecamente discriminatório, dada a posição privilegiada do particular impulsionador do projecto face aos proponentes subsequentes (89).

72. É por isso que o sistema de PAI é muito difícil de enquadrar no quadro normativo da contratação pública.

73. Na apreciação do que deve ser incluído no âmbito da contratação pública, a jurisprudência do Tribunal de Justiça até à data tem adoptado uma perspectiva relativamente ampla a favor da contratação pública (90). Este facto tem suscitado o debate quanto a saber se os acordos de utilização do solo são ou devem ser classificados como contratos públicos ou, mais precisamente, como empreitadas de obras públicas, uma vez que implicam com frequência, directa ou indirectamente, a execução de obras públicas pelo urbanista ou pelos proprietários (91). Especialmente problemática é a questão do carácter oneroso do contrato, mais precisamente, se a atribuição de novos direitos de construção pela entidade pública pode ser considerada contrapartida financeira pelas infra‑estruturas que o urbanista está obrigado a construir para a administração pública (92).

74. Recentemente, no entanto, no processo Helmut Müller (93), o Tribunal de Justiça recusou seguir a interpretação funcional proposta pela Comissão nesse caso, que poderia ter sujeitado às disposições relativas às empreitadas de obras públicas uma parte significativa dos poderes e actividades tradicionalmente reservados às entidades locais no âmbito da legislação relativa ao urbanismo e construção. O Tribunal de Justiça decidiu que o objecto das normas relativas à contratação pública era a aplicação das normas do direito da União à adjudicação de contratos celebrados por conta do Estado, das autarquias locais e regionais e de outros organismos de direito público (94). O simples exercício de competências de regulação em matéria de urbanismo, visando a realização do interesse geral, não tem por objecto receber uma prestação contratual nem satisfazer o interesse económico directo da entidade adjudicante, conforme exige a Directiva 2004/18 (95).

75. A noção de empreitada de obras públicas é um conceito autónomo e objectivo de direito da União Europeia (96). Todavia, na minha opinião, o Tribunal de Justiça deve ser restritivo sempre que uma interpretação ampla de um conceito de direito da União conduzir, na prática, a que um instrumento legislativo nacional perca a sua razão de ser ou a que um acto legislativo pormenorizado da União se torne aplicável a fenómenos que não haviam sido considerados pelo legislador da União Europeia durante o processo legislativo.

76. Na presente acção por incumprimento, a classificação do PAI como uma empreitada de obras públicas teria a consequência prática de desencorajar a iniciativa privada no âmbito do urbanismo e desenvolvimento territorial, uma vez que, se for considerado abrangido pelo âmbito das directivas relativas aos contratos públicos, o PAI parecerá contrário ao objectivo principal da contratação pública, nomeadamente, a igualdade de tratamento de todos os participantes. A única opção que restaria ao direito do urbanismo seria então o modelo clássico em que os poderes públicos concebem e adoptam todos os documentos relativos ao planeamento e à utilização do solo, financiam e organizam a sua execução e implementação directamente com recurso a fundos públicos.

77. Assim, ao apreciar se o caso suscita uma questão em matéria de contratação pública, ou seja, ao considerar se as presentes normas são abrangidas pelas directivas em causa, o Tribunal de Justiça deve ter o cuidado de não alargar demasiado o significado de certos critérios no âmbito das directivas relativas aos contratos públicos para enquadrar a resolução do caso em apreço no âmbito normativo dos contratos públicos. Fazê‑lo equivaleria a uma solução procustiana (97).

B)    Os requisitos para a aplicação das directivas

78. É incontestável que no presente processo as autarquias que adjudicam PAI são entidades adjudicantes, que os urbanistas são operadores económicos e que é celebrado um contrato escrito entre ambos, na acepção das Directivas 93/37 e 2004/18. Além disso, a acção da Comissão só diz respeito aos PAI que excedam os valores relevantes fixados pelas Directivas 93/37 e 2004/18.

79. O que se discute, no entanto, é se o contrato em causa tem carácter oneroso, na acepção das pertinentes directivas.

1.    A prestação da entidade adjudicante tem carácter oneroso?

80. O Tribunal de Justiça tem atribuído um significado amplo ao conceito de carácter oneroso, à luz dos objectivos das directivas relativas aos contratos públicos, nomeadamente, a abertura à concorrência dos concursos públicos e a eliminação das restrições ao exercício das liberdades fundamentais reconhecidas pelo Tratado (98).

81. Embora o carácter oneroso não diga respeito apenas ao carácter pecuniário da prestação (99), a questão é de saber se o carácter oneroso se refere à contraprestação a que procede a entidade adjudicante, ou se é suficiente que o carácter oneroso exista, independentemente de quem presta a prestação onerosa. Esta última interpretação implicaria que as disposições relativas às empreitadas de obras públicas também fossem aplicáveis quando um particular financia e executa obras públicas num terreno de que é proprietário, por acordo e com a autorização da entidade adjudicante, sem nenhum benefício económico correspondente para si, e sem que a entidade adjudicante tenha qualquer obrigação legal relativamente à sua execução (100).

82. No acórdão La Scala o Tribunal de Justiça considerou que o contrato tinha carácter oneroso, ainda que fosse o proprietário do loteamento do terreno quem tinha de suportar os custos do loteamento, porque a autarquia tinha a obrigação de executar as obras de infra‑estruturas necessárias.

83. Do meu ponto de vista, este caso difere do caso em apreço. Ao renunciar à taxa sobre o planeamento e urbanização normalmente cobrada nestas circunstâncias, a entidade adjudicante suportou um encargo económico, o que não é o caso na presente acção.

84. No processo Parking Brixen, o Tribunal de Justiça entendeu que a contrapartida tinha de ser paga directamente pela entidade adjudicante ao prestador de serviços para que se tratasse de um contrato público de serviços (101). O Tribunal entendeu, assim, que o serviço em causa (a gestão de um parque de estacionamento público) não era um contrato público de serviços porque a remuneração não provinha da entidade pública em causa, mas de montantes pagos por terceiros pela utilização do referido parque de estacionamento (102).

85. Recentemente, no processo Helmut Müller, o advogado‑geral P. Mengozzi entendeu que o conceito de carácter oneroso se baseia na ideia de troca de prestações entre a administração adjudicante, que paga um preço, e o adjudicatário, encarregado de realizar os trabalhos ou obras. Assim, segundo este entendimento, os contratos públicos são claramente sinalagmáticos (103).

86. Concordo com este ponto de vista. Na minha opinião, para que se verifique o carácter oneroso, é preciso que a entidade adjudicante suporte o encargo económico, ou positivamente, sob a forma de uma obrigação de pagamento ao operador económico, ou negativamente, como uma perda de rendimentos ou recursos que seriam de outro modo devidos.

87. A mera faculdade da entidade adjudicante de requerer que um terceiro pague as obras ou serviços não pode, contrariamente ao alegado pela Comissão, ser suficiente, uma vez que não há uma relação sinalagmática sob a forma de troca de prestações com um valor económico tangível entre a entidade adjudicante e os operadores económicos que executam as obras ou serviços em causa.

88. Este entendimento é sustentado pelo facto de um dos objectivos das directivas relativas aos contratos públicos ser o de assegurar que quando as entidades adjudicantes gastam dinheiro em concursos públicos não haja distorções de concorrência (104). Daqui decorre que quando a entidade adjudicante não gaste fundos públicos não há perigo de distorção da concorrência na acepção das Directivas 93/37 e 2004/18 (105).

89. Assim, o elemento relativo ao carácter oneroso implica que a entidade adjudicante precise de usar os próprios fundos, directa ou indirectamente (106). O financiamento directo ocorre quando a entidade adjudicante usa fundos públicos para pagar as obras ou serviços em causa. O financiamento indirecto ocorre quando a entidade adjudicante suporta um encargo económico em resultado do método de financiamento das obras ou serviços.

90. Na presente acção por incumprimento, é o urbanista do terreno o responsável pelo financiamento dos custos da urbanização no procedimento PAI indirecto, mas tem o direito a ser reembolsado pelos proprietários. Assim, é o proprietário que paga as obras públicas requeridas pela urbanização.

91. Não existindo o elemento relativo ao carácter oneroso nesta acção por incumprimento, as Directivas 93/37 e 2004/18 só serão aplicáveis se se considerar que a legislação regional se refere a concessões de obras públicas, uma vez que as concessões de serviços públicos estão excluídas do âmbito destas directivas (107).

2.    Trata‑se de uma concessão de obras públicas?

92. Na presente acção por incumprimento, discute‑se se o objecto principal do PAI é um serviço ou a execução de obras públicas, sendo incontestável que ambos os elementos estão presentes (108). No entanto, não é necessário analisar essa questão, uma vez que a situação em apreço não consubstancia, a meu ver, uma concessão de obras públicas, e a acção por incumprimento não diz respeito a concessões de serviços públicos.

93. A concessão de obras públicas é um contrato com as mesmas características que um contrato de empreitada de obras públicas, com excepção de que a contrapartida das obras a efectuar consiste quer unicamente no direito de exploração da obra, quer nesse direito acompanhado de um pagamento (109). No caso em apreço, o urbanista (que é neste caso o concessionário) não tem o direito de exploração subsequente da obra.

94. No PAI, todas as obras públicas definidas no contrato (ou seja, a construção de estradas e pavimentos, lugares de estacionamento, sinalização rodoviária, redes de distribuição de água, gás e electricidade, tratamento de águas residuais, e a construção de espaços verdes, incluindo parques e arborização) tornam‑se, uma vez concluídas, propriedade da entidade adjudicante (110). Nessa medida, poderão ser utilizadas gratuitamente (ruas, parques, edifícios públicos) ou mediante um pagamento definido pela entidade adjudicante ou pelo organismo a quem foi atribuída a gestão e a manutenção das estruturas. Os urbanistas não obtêm um direito de exploração destas obras públicas porque não têm a possibilidade, nestes casos, de repercutir as despesas no utilizador do equipamento. Em vez disso, recebem uma remuneração pecuniária ou sob a forma de lotes de terreno dos proprietários. Todavia, não se pode considerar a obtenção de lotes de terreno como exploração das obras públicas, uma vez que as obras públicas definidas por um PAI consistem na construção de infra‑estruturas, bem como das ligações às redes existentes necessárias (111). Estes lotes são da sua propriedade. Claro que os podem explorar, mas fazem‑no enquanto proprietário, e não enquanto concessionário.

95. Por conseguinte, não resulta do PAI nenhum direito de exploração das obras e o contrato não pode assim ser qualificado de concessão de obras, ainda que se defendesse que o objecto principal do contrato é a execução de obras.

96. Se se considerar que o objecto principal do PAI é um serviço, surge a questão de saber se o urbanista tem o direito de exploração do próprio serviço (112). A resposta a esta questão não é decisiva para a resolução da presente acção por incumprimento, dado que, se se tratasse de uma concessão de serviços, estaria fora do âmbito de aplicação das disposições pertinentes das directivas mencionadas no pedido da Comissão.

97. Não obstante, mesmo supondo que a propriedade do solo que o urbanista recebe pudesse ser considerada como a atribuição de um direito de exploração (o que não é, do meu ponto de vista), tal direito seria atribuído por um período indefinido e seria, por isso, contrário à definição de concessão dada pelo Tribunal de Justiça nos processos Helmut Müller e Pressetext (113).

98. Por conseguinte, na minha opinião, as Directivas 93/37 e 2004/18 não são aplicáveis à situação em apreço, pelo que o pedido da Comissão deve ser julgado improcedente.

VI - Conclusão

99. Proponho que a acção seja julgada improcedente e que a Comissão seja condenada nas custas do processo.


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(1) Língua original: inglês.
(2) Ley 6/1994, de 15 de Novembro, Reguladora de la Actividad Urbanística de la Comunidad Valenciana (a seguir «LRAU»).
(3) A LRAU foi revogada com efeitos a partir de 1 de Fevereiro de 2006 pela Ley 16/2005, de 30 de Dezembro, Urbanística Valenciana (a seguir «LUV»).
(4) Directiva 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 199, p. 54), conforme alterada pela Directiva 97/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 1997 (JO L 328, p. 1), e pela Directiva 2001/78/CE da Comissão de 13 de Setembro de 2001 (JO L 285, p. 1).
(5) A Directiva 93/37 foi revogada com efeitos a partir de 31 de Janeiro de 2006 pela Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO L 134, p. 114).
(6) Comissão das Petições do Parlamento Europeu, Comunicações aos Membros, 25 de Janeiro de 2007 (CM0375, PE341.524/REVII ,a seguir «relatório do PE»).
(7) Por exemplo, quanto à validade da expropriação ou às obrigações dos proprietários de pagarem as infra‑estruturas, uma vez que estas questões são da competência dos Estados‑Membros por força do artigo 295.° CE (relatório do PE, pp. 7 e 14).
(8) Por exemplo, relativamente ao dano ambiental, uma vez que a Comissão considerou que as autoridades espanholas estavam a elaborar avaliações do impacto ambiental para todos os planos gerais tal como exigido pela Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente (JO L 175, p. 40) (relatório do PE, pp. 7 e 12 a 14).
(9) Relatório do Parlamento Europeu intitulado: «Sobre as alegações de utilização abusiva da Lei Reguladora da Actividade Urbanística (LRAU) de Valência e respectivas repercussões nos cidadãos europeus» (Fourtou), A6‑0382/2005, p. 5, parágrafo I (http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=‑//EP//NONSGML+REPORT+A6‑2005‑0382+0+DOC+PDF+V0//PT).
(10) Dado que a presente acção por incumprimento foi intentada antes da entrada em vigor do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (JO C 115, p. 47), são mantidas as referências aos artigos do Tratado que institui a Comunidade Europeia (JO C 325, p. 33) ao longo das presentes conclusões.
(11) Artigo 1.°, alínea a), da Directiva 93/37.
(12) Artigo 1.°, alínea b), da Directiva 93/37.
(13) Artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 2004/18.
(14) Artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Directiva 2004/18.
(15) Artigo 1.°, n.° 2, alínea d), da Directiva 2004/18.
(16) Artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 2004/18.
(17) Artigo 1.°, n.° 4, da Directiva 2004/18.
(18) Artigo 17.° da Directiva 2004/18. O artigo 17.° não prejudica a aplicação do artigo 3.° relativo a direitos especiais ou exclusivos de exercício de actividades de direito público. Contudo, o artigo 3.° não é relevante para o caso em apreço.
(19) Artigo 16.°, alínea a), da Directiva 2004/18.
(20) Artigo 148.°, n.° 1, da Constituição espanhola de 1978.
(21) Artigo 33.° da Constituição espanhola de 1978.
(22) Artigo 47.° da Constituição espanhola de 1978.
(23) Real Decreto Legislativo 2/2008 por el que se aprueba el texto refundido de la ley del suelo (a seguir «TRLS»), BOE n.° 154, 26 de Junho de 2008.
(24) Artigo 3.° do TRLS.
(25) Artigo 6.°, alínea a), do TRLS.
(26) Artigo 16.° do TRLS.
(27) Que implica um Plano Geral de Planeamento Urbano (Plan General de Ordenación Urbana) que classifica todo o território municipal em três tipos de solo: solo urbano, solo a urbanizar no futuro e solo não urbanizável ou solo rústico. O desenvolvimento urbanístico implica a passagem da segunda para a primeira categoria. V. Muñoz Gielen, D., e Korthals Altes, W., «Lessons from Valencia: Separating infrastructure provision from land ownership», Town and Planning Review, vol. 78(1), 2007, pp. 61 e 62. A urbanização (urbanización) envolve o planeamento, emparcelamento, construção e instalação de infra‑estruturas. (Muñoz Gielen, D., e Korthals Altes, ob. cit., p. 62).
(28) Artigo 6.°, n.° 2, da LRAU; artigos 14.° e 15.°da LUV.
(29) Artigo 7.°, n.° 2, da LRAU; artigos 3.° e 117.° ,n.° 4, da LUV.
(30) Artigo 7.°, n.° 2, da LRAU; artigo 130.°, n.° 3, da LUV.
(31) Também nestes casos os proprietários suportam a responsabilidade económica sob a forma de taxas especiais de urbanização.
(32) Artigo 7.° da LRAU; artigo 117.°, n.° 4, da LUV.
(33) O artigo 12.° da LRAU enumera vários instrumentos de desenvolvimento urbanístico. O PAI é mencionado no artigo 12.°, alínea g), da LRAU.
(34) Muñoz Gielen e Korthals Altes, ob. cit. na nota 27, p. 67.
(35) Artigo 44.° da LRAU; artigos 118.° e 130.° da LUV.
(36) Artigo 29.° da LRAU; artigo 151.° da LUV.
(37) Artigos 45.°, n.° 1, e 32.° da LRAU.
(38) Artigo 125.°, n.° 2, da LUV que corresponde ao artigo 32.° da LRAU. O artigo 126.° da LUV contém uma lista de documentos que têm de ser incluídos na proposta técnica.
(39) Num diário de informação geral publicado na região de Valência assim como no Diario Oficial de la Generalidad Valenciana (Jornal Oficial da Comunidade de Valência).
(40) Artigo 45.°, n.° 2, da LRAU.
(41) Artigo 46.° da LRAU.
(42) Artigo 125.°, n.° 3, da LUV que corresponde ao artigo 32.° da LRAU. O artigo 127.° da LUV contém uma lista de documentos que têm de ser incluídos na proposta de financiamento. A proposta de financiamento determina, por exemplo, os custos de urbanização, o coeficiente que fixa a proporção entre o solo antes da urbanização e os direitos de construção que vão ser atribuídos aos proprietários, bem como o modo de financiamento do PAI.
(43) Artigo 47.°, n.° 1, da LRAU.
(44) Artigo 48.° da LRAU.
(45) Artigo 130.° da LUV. Os documentos que devem ser apresentados estão enumerados no artigo 131.°, n.° 2, da LUV.
(46) Artigo 131.°, n.° 2, da LUV.
(47) Artigo 135.° da LUV.
(48) Artigo 130.°, n.° 3, da LUV.
(49) Artigo 131.°, n.° 2, da LUV.
(50) Através do silêncio administrativo, artigo 130.°, n.° 5, da LUV.
(51) Artigo 132.°, n.° 2, da LUV.
(52) Artigo 137.°, n.° 5, da LUV.
(53) Artigo 29.°, n.° 2, da LRAU; artigo 117.° da LUV.
(54) Artigo 6.°, n.° 3, da LRAU; artigo 14.° da LUV.
(55) Artigo 30.° da LRAU; artigo 124.°, n.° 1, da LUV.
(56) Artigo 30.°, n.° 2, da LRAU; artigo 124.°, n.° 2, da LUV.
(57) Segundo Muñoz Gielen e Korthals Altes, ob. cit. na nota 27, p. 67, pode estar aqui incluída a construção de edifícios públicos (por exemplo, piscinas e instalações desportivas). Estas despesas não podem ser incluídas nos custos da urbanização e devem ser assumidas pela margem de lucro do urbanista.
(58) Artigo 47.° da LRAU.
(59) Artigo 47.° da LRAU; artigo 137.° da LUV.
(60) Artigo 188.°, n.° 2, da LUV.
(61) Artigo 23.° da LUV.
(62) Artigo 29.°, n.° 6, da LRAU; artigo 119.° da LUV.
(63) Isto implica que, nos termos da LUV, o urbanista divide todo o terreno a urbanizar e redistribui‑o pelos proprietários e autarquia quando as obras estão terminadas, de maneira que os proprietários obtenham terreno urbanizado na mesma proporção (relativamente aos outros proprietários) que a respectiva contribuição para a urbanização em terreno, ou em terrenos e dinheiro.
(64) Artigo 119.° da LUV.
(65) Artigo 71.° da LRAU.
(66) Artigo 29.°, n.° 9, alínea c), da LRAU. Artigos 28.°, n.° 2, 32.° e 162.°, n.° 3, da LUV.
(67) Muñoz Gielen e Korthals Altes, ob. cit. na nota 27, p. 68.
(68) Artigo 29.°, n.° 9, alínea b), da LRAU; artigo 162.° da LUV.
(69) Artigo 67.° da LRAU; artigo 168.° da LUV - obras de urbanização e outras necessárias; reabilitação de edifícios; redacção e gestão de projectos técnicos; custos de gestão; honorários profissionais devidos por relatórios técnicos, etc.
(70) Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209, p. 1).
(71) Parece‑me que o texto do Decreto n.° 67/2006 não consta do processo.
(72) O Tribunal de Justiça pode deduzir um determinado pedido do texto da petição. V. acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 1957, ALMA/Alta Autoridade (8/56, Recueil, p. 179, Colect. 1954‑1961, p. 163, n.os 99 a 100); acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Julho de 1964, Degreef/Comissão (80/63, Recueil, p. 767, Colect. 1962‑1964, p. 495).
(73) Acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Outubro de 2007, Comissão/Alemanha (C‑112/05, Colect., p. I‑8995).
(74) O Tribunal está vinculado ao objecto do processo definido na petição [acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Setembro de 1979, Comissão/França (232/78, Recueil, p. 2729, n.° 3)]. O Tribunal de Justiça deve poder determinar, com base na petição, o objecto do processo de forma precisa [acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Fevereiro de 1980, Comissão/França (168/78, Recueil, p. 347, n.ºs 17 a 25); acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 1986, Comissão/França (270/83, Colect., p. 273, n.ºs 7 a 10)].
(75) Já referido na nota 70.
(76) Acórdãos do Tribunal de Justiça de 10 de Abril de 2003, Comissão/Alemanha (C‑20/01 e C‑28/01, Colect., p. I‑3609, n.° 29) e jurisprudência aí referida; de 2 de Junho de 2005, Comissão/Grécia (C‑394/02, Colect., p. I‑4713, n.° 16).
(77) Acórdãos do Tribunal de Justiça de 10 de Abril de 2003, Comissão/França (C‑114/02, Colect., p. I‑3783, n.° 9); de 14 de Julho de 2005, Comissão/Alemanha (C‑433/03, Colect., p. I‑6985, n.° 32).
(78) A Directiva 2004/18 foi adoptada em 31 de Março de 2004. O prazo de transposição terminou em 31 de Janeiro de 2006, e a Directiva 93/37 foi revogada com efeitos a partir da mesma data. A LUV, adoptada pelo parlamento regional de Valência em 22 de Dezembro de 2005, entrou em vigor também em 31 de Janeiro de 2006.
(79) Segundo a cópia da LUV constante do processo, a LUV devia entrar em vigor em 12 de Janeiro de 2006. Do processo não consta qualquer informação sobre quando ou por que razão essa data foi adiada para 31 de Janeiro de 2006.
(80) Acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Fevereiro de 1988, Comissão/Bélgica (293/85, Colect., p. 305, n.° 14).
(81) Processo 293/85, ibid., n.° 14.
(82) Também é interessante salientar que até Fevereiro de 2005 o Manual de Procedimento da Comissão (Manual of Procedures) (documento interno da Comissão) dispunha que durante os períodos de férias, incluindo o Natal, qualquer prazo fixado devia ser acrescido de um mês. Parece que esta norma não oficial foi afastada pelo Manual de Procedimento posterior adoptado em Fevereiro de 2005. V. Eberhard e Riedl - «Artigo 226.°», Mayer, H. (ed.), Kommentar zu EU‑ und EG‑Vertrag, EGV, n.ºs 42 e 52.
(83) Acórdão Comissão/Bélgica, já referido na nota 80, n.° 14.
(84) V. acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 1984, Comissão/Irlanda (74/82, Recueil, p. 317, n.ºs 12 e 13).
(85) Como os particulares podem ajudar a fornecer serviços públicos rentáveis, v.: Bovis, C., EC Public Procurement: Case Law and Regulation, OUP, 2006 (republicação de 2009), capítulo 10: ‘Public Procurement and Public‑Private Partnerships'. Para mais detalhes sobre o modo como a iniciativa privada tem ajudado a combater a estagnação no processo de urbanização de Valência, v. Muñoz Gielen e Korthals Altes, ob. cit. na nota 27.
(86) Contudo, em muitos sistemas legais os direitos de construção não são entendidos como tendo sido criados pelas decisões dos poderes públicos relativos ao planeamento, mas são de certa forma preexistentes enquanto direito de propriedade dos proprietários dos terrenos não urbanizados, ainda que não possam ser exercidos antes da adopção do plano detalhado. Este parece ser, também, o ponto de partida da lei espanhola (Muñoz Gielen e Korthals Altes, ob. cit. na nota 27, pp. 61 a 62). Juridicamente, também sucede com frequência que o eventual conteúdo de um plano detalhado esteja sujeito a um quadro normativo de direito público, que restringe legalmente as possibilidades da administração local de se comprometer com a adopção de um determinado plano em contrapartida de determinadas obrigações assumidas por uma empresa privada.
(87) Ainda que, tecnicamente, quer a administração local quer o particular possam iniciar um PAI, o modelo adoptado pela LRAU nos anos 90, que dá ênfase ao papel central do urbanista, pretende incrementar a iniciativa privada nos projectos de urbanização. Para mais informações, v. Muñoz Gielen e Korthals Altes, ob. cit. na nota 27, p. 65.
(88) O Reino de Espanha explicou que a selecção de uma iniciativa de PAI pode implicar, por exemplo, que se opte entre construir um centro comercial ou uma zona residencial.
(89) Contudo, a LUV introduziu uma distinção entre o urbanista e o construtor das obras públicas obrigando‑o, salvo algumas excepções, a designar um construtor nos termos das directivas da União Europeia relativas aos contratos públicos.
(90) Acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2001, Ordine degli Architetti e o. (La Scala) (C‑399/98, Colect., p. I‑5409), seguida no acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 2008, Comissão/Itália (C‑412/04, Colect., p. I‑619, n.ºs 70 a 75); acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Outubro de 2005, Comissão/França (C‑264/03, Colect., p. I‑8831, n.ºs 56 a 58); e acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Janeiro de 2007, Auroux e o. (C‑220/05, Colect., p. I‑385).
(91) Sobre esta discussão, v. Hakkola, Esa, «Hankintalainsäädäntö ja maankäyttösopimukset, ‘Public procurement legislation and land‑use agreements'», Lakimies, 5/2007, pp. 723 a 745, e Paradissis, J., «Planning agreements and EC public procurement law», Journal of Planning & Environment Law, 2003, pp. 666 a 677.
(92) Hakkola, Esa, ibid., p. 741; Paradissis, ibid., pp. 669 a 672.
(93) Acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2010, Helmut Müller (C‑451/08, Colect., p. I-0000).
(94) Ibid., n.° 46.
(95) Ibid., n.° 57.
(96) O Tribunal de Justiça tem aplicado as directivas relativas aos contratos públicos a vários tipos de planeamento quando estejam preenchidos os requisitos objectivos da directiva (acórdãos La Scala, Auroux, e C‑264/03, Comissão/França, já referidos na nota 90). A jurisprudência anterior tem considerado que as finalidades prosseguidas pelas autoridades são irrelevantes (acórdãos La Scala e C‑412/04, Comissão/Itália, n.° 70, já referidos na nota 90), focando, em contrapartida, a questão de saber se estão preenchidos os requisitos de existência de um contrato público.
(97) Na mitologia grega, Procustes era um ferreiro sem escrúpulos e assaltante de Ática que atacava fisicamente as pessoas, esticando‑as ou cortando‑lhes as pernas para talhá‑las ao tamanho de um leito de ferro.
(98) Segundo considerando da Directiva 2004/18; conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Auroux, já referido na nota 90, n.° 57.
(99) Foi deste aspecto que a jurisprudência do Tribunal de Justiça tratou até agora no que diz respeito ao «carácter oneroso».
(100) Seria este o caso do artigo 120.°, n.° 7, da LUV, que exonera o urbanista da obrigação de proceder a um concurso público para a selecção do empreiteiro das obras públicas incluídas no PAI quando o terreno é propriedade de um único particular ou há um acordo unânime entre os proprietários e o urbanista.
(101) Acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Outubro de 2005, Parking Brixen (C‑458/03, Colect., p. I‑8585, n.° 39).
(102) Ibid., n.° 40.
(103) Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Helmut Müller, já referido na nota n.° 93, n.° 77.
(104) O que se pode deduzir do objectivo geral de prevenção da distorção da concorrência constante do segundo considerando. V., também, Bovis, ob. cit. na nota 85, pp. 14 a 22.
(105) Esta situação é análoga àquela em que a legislação da União Europeia em matéria de auxílios estatais não é aplicável por não haver qualquer encargo para os fundos públicos em contrapartida do benefício criado pela legislação nacional, uma vez que esse benefício é financiado através de recursos privados. V., por exemplo: acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Março de 1993, Sloman Neptun (C‑72/91 e C‑73/91, Colect., p. I‑887, n.os 19 e 21); acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Março de 2001, PreussenElektra (C‑379/98, Colect., p. I‑2099, n.ºs 59 a 61).
(106) No acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Novembro de 2004, Comissão/Alemanha (C‑126/03, Colect., p. I‑11197, n.° 20), o Tribunal decidiu que a utilização de recursos públicos não é um elemento constitutivo da existência ou não de um contrato público na acepção dos artigos 8.° e 11.° da Directiva 92/50, já referida na nota 70. Naquele caso, foi adjudicado à entidade pública (a cidade de Munique) um contrato público de serviços por uma outra entidade adjudicante, e colocava‑se a questão de saber se era legal o contrato previamente celebrado pela autarquia com uma empresa privada nos termos do qual se comprometia a atribuir‑lhe um serviço decorrente do primeiro contrato mencionado, sem ter procedido a um concurso público nos termos da directiva em causa. Nesse contexto, havia claramente uma troca económica entre a autarquia e a empresa privada, ainda que fosse obviamente financiado com recursos «privados» da autarquia resultantes da adjudicação do contrato público de serviços. Não me parece que o Tribunal de Justiça tenha pretendido declarar que o conceito de carácter oneroso não é um elemento essencial de um contrato público ou que tal carácter oneroso não deve, directa ou indirectamente, proceder dos recursos da entidade adjudicante. Toda a ratio da legislação da União em matéria de contratos públicos é criar condições concorrenciais, transparentes e não discriminatórias para as trocas económicas entre poderes públicos e empresas, e não regular as relações económicas das empresas fornecedoras de bens ou serviços entre si.
(107) A Directiva 93/37 só é aplicável a obras, e o artigo 17.° da Directiva 2004/18 exclui a respectiva aplicação aos serviços. O artigo 17.° não prejudica a aplicação do artigo 3.° da Directiva 2004/18, mas este artigo não é relevante para este caso.
(108) No caso em apreço, a determinação do objecto principal do contrato depende de saber se o ênfase é dado à estrutura dos custos da urbanização ou aos ganhos da urbanização gerados por um PAI. De acordo com a informação dispersa constante do processo, a componente das obras públicas é muito maior que a componente dos serviços nos custos da urbanização. Contudo, a Espanha salienta a natureza dos PAI enquanto serviços relativos a investimentos imobiliários, dado o facto de as obras públicas serem incidentais face ao objectivo geral de um PAI, que é o de criar lotes edificáveis para actividades privadas de construção. Assim, do ponto de vista económico, o PAI tem de gerar oportunidades económicas para os proprietários cujo valor exceda os custos das obras públicas e de outros custos de urbanização, incluindo a retribuição do urbanista. Nos dois PAI descritos na obra de Muñoz Gielen e Korthals Altes, ob. cit. na nota 27, p. 69, os custos de urbanização por metro quadrado de direitos de construção era de 89 euros e 54 euros, respectivamente, e o preço de mercado do terreno urbanizado por metro quadrado de direitos de construção era, respectivamente, de 512 euros e de cerca de 500 euros. Este facto pode sustentar a alegação de que o objecto económico e jurídico de um PAI é um serviço público fornecido pelo urbanista aos proprietários dos terrenos, e não a execução de obras públicas para a entidade adjudicante.
(109) Artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 2004/18; artigo 1.°, alínea d), da Directiva 93/37.
(110) Segundo o artigo 16.° do TRLS, os proprietários dos terrenos são obrigados a entregar às administrações competentes o solo necessário para estradas, espaços verdes e outras áreas comuns, assim como entre 5% e 15% dos seus terrenos para fins públicos. Este artigo está regulamentado pelo artigo 23.° da LUV que especifica a obrigação dos proprietários de ceder gratuitamente solo para fins públicos como parte da urbanização (há que lembrar que os lotes edificáveis que os proprietários recebem não estão necessariamente situados nos terrenos que tinham antes do PAI). Segundo o artigo 180.°, n.° 2, da LUV, o emparcelamento (reparcelación forzosa) implica a transferência destes terrenos para a entidade local em causa. O artigo 188.°, n.° 2, da LUV estabelece quando é que as obras de urbanização são consideradas recebidas pela administração e cedida a obrigação de manutenção das mesmas. Daqui decorre que se os PAI fossem qualificados de contratos públicos de serviços, estariam excluídos do âmbito da Directiva 2004/18, dado que se referem à aquisição de terrenos e outros bens imóveis.
(111) Segundo o artigo 11.° da LUV, lotes urbanos (solares) são lotes que foram urbanizados e que dispõem, pelo menos, dos seguintes serviços: i) acesso por uma ou mais estradas abertas ao público, ii) abastecimento de água potável e de electricidade suficiente para a procura esperada, iii) rede de saneamento básico, iv) acesso pedonal por ruas pavimentadas e iluminadas. Em acréscimo, os lotes urbanos têm de estar ligados, através das infra‑estruturas necessárias, aos serviços públicos das áreas circundantes.
(112) A Espanha alega que o PAI deve ser considerado uma concessão de serviços uma vez que o urbanista obtém o direito de prestar e explorar um serviço público.
(113) O Tribunal de Justiça tem entendido que a atribuição de uma concessão por tempo indeterminado pode, a prazo, entravar a concorrência e por isso seria incompatível com a finalidade principal das normas em matéria de contratos públicos. V. acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Junho de 2008, Pressetext Nachrichtenagentur (C‑454/06, Colect., p. I‑4401, n.° 74); Helmut Müller, já referido na nota de rodapé 93, n.° 79.