Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 3 de Junho de 2010 (proc. C-258/08)

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Processo C‑258/08

Ladbrokes Betting & Gaming Ltd
e
Ladbrokes International Ltd
contra
Stichting de Nationale Sporttotalisator

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden)

 

«Artigo 49.° CE - Restrições à livre prestação de serviços - Jogos de fortuna ou azar - Exploração de jogos de fortuna ou azar através da Internet - Legislação que reserva uma autorização a um operador único - Recusa de conceder uma autorização de exploração a um operador que dispõe de uma autorização noutros Estados‑Membros - Justificação - Proporcionalidade - Fiscalização de cada medida concreta de aplicação da legislação nacional»

 

Sumário do acórdão:

1. Uma legislação nacional que visa conter o vício do jogo e lutar contra a fraude, e que contribui efectivamente para a realização desses objectivos, pode ser entendida no sentido de que limita as actividades de apostas de maneira coerente e sistemática, mesmo que o titular ou os titulares de uma autorização exclusiva possam tornar a sua oferta no mercado atractiva através da introdução de novos jogos de fortuna ou azar e do recurso à publicidade. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se as actividades de jogo ilegais podem constituir um problema no Estado‑Membro em causa, que uma expansão das actividades autorizadas e regulamentadas poderia solucionar, e se essa expansão não tem uma amplitude susceptível de a tornar inconciliável com o objectivo de conter o referido vício (cfr. n.º 38, disp. 1).

2. Para aplicar uma legislação de um Estado‑Membro relativa aos jogos de fortuna ou azar compatível com o artigo 49.º CE, o juiz nacional não tem de verificar, em cada caso concreto, se a medida de execução que se destina a assegurar o respeito por essa legislação é adequada para garantir a realização do objectivo prosseguido por esta é conforme com o princípio da proporcionalidade, desde que essa medida constitua um elemento necessário para garantir o efeito útil da referida legislação que não contenha nenhuma restrição adicional face à que resulta da mesma legislação. A circunstância de a medida de execução ter sido adoptada na sequência de uma intervenção das autoridades públicas destinada a garantir o cumprimento da legislação nacional ou de um pedido de um particular no âmbito de um processo civil que se destina a proteger os direitos que este retira da referida legislação não é relevante para a solução do litígio que foi submetido ao órgão jurisdicional nacional (cfr. n.º 50, disp. 2).

3. O artigo 49.° CE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro que sujeita a organização e a promoção dos jogos de fortuna ou azar a um regime de exclusividade a favor de um único operador e que proíbe que qualquer outro operador, inclusivamente um operador estabelecido noutro Estado‑Membro, proponha, através da Internet, no território do primeiro Estado‑Membro, serviços abrangidos pelo referido regime.

Não sendo o sector dos jogos de fortuna ou azar oferecidos através da Internet objecto de harmonização na União Europeia, um Estado‑Membro pode entender que o simples facto de um operador oferecer legalmente serviços nesse sector através da Internet noutro Estado‑Membro, onde está estabelecido e já está, em princípio, sujeito aos requisitos legais e a controlos por parte das autoridades competentes deste último Estado, não pode ser considerado uma garantia suficiente de protecção dos consumidores nacionais contra os riscos de fraude e de criminalidade, à luz das prováveis dificuldades encontradas, nesse contexto, pelas autoridades do Estado‑Membro de estabelecimento para avaliar as qualidades e a integridade profissionais dos operadores. Além disso, devido à falta de contacto directo entre o consumidor e o operador, os jogos de fortuna ou azar acessíveis através da Internet comportam riscos de natureza diferente e de uma importância acrescida em relação aos mercados tradicionais desses jogos, no que respeita a eventuais fraudes cometidas pelos operadores contra os consumidores. A referida restrição pode assim, à luz das particularidades relacionadas com a oferta de jogos de fortuna ou azar através da Internet, ser considerada justificada pelo objectivo de combate à fraude e à criminalidade.

(cfr. n.os 54-55, 57-58, disp. 3)

 

Texto integral: 

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

3 de Junho de 2010 (*)

No processo C‑258/08,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos), por decisão de 13 de Junho de 2008, entrado no Tribunal de Justiça em 18 de Junho de 2008, no processo

Ladbrokes Betting & Gaming Ltd,
Ladbrokes International Ltd
contra
Stichting de Nationale Sporttotalisator,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: J. N. Cunha Rodrigues (relator), presidente de secção, P. Lindh, A. Rosas, U. Lõhmus e A. Arabadjiev, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: R. Şereş, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 12 de Novembro de 2009,

vistas as observações apresentadas:
─ em representação da Ladbrokes Betting & Gaming Ltd e da Ladbrokes International Ltd, por W. Hoyng e M. Meulenbelt, advocaten, mandatados por S. Kon e M. Evans, solicitors,
─ em representação da Stichting de Nationale Sporttotalisator, por E. Pijnacker Hordijk, J. van Manen e M. van Wissen, advocaten,
─ em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels, M. de Grave e Y. de Vries, na qualidade de agentes,
─ em representação do Governo belga, por A. Hubert e L. Van den Broeck, na qualidade de agentes, assistidas por P. Vlaemminck, advocaat,
─ em representação do Governo dinamarquês, por J. Bering Liisberg e V. Pasternak Jørgensen, na qualidade de agentes,
─ em representação do Governo alemão, por M. Lumma e B. Klein, na qualidade de agentes,
─ em representação do Governo grego, por A. Samoni‑Rantou, O. Patsopoulou e M. Tassopoulou, na qualidade de agentes,
─ em representação do Governo espanhol, por F. Díez Moreno, na qualidade de agente,
─ em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,
─ em representação do Governo finlandês, por A. Guimaraes‑Purokoski, na qualidade de agente,
─ em representação do Governo norueguês, por P. Wennerås e K. Moe Winther, na qualidade de agentes,
─ em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por E. Traversa, A. Nijenhuis e S. Noë, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 17 de Dezembro de 2009,

profere o presente

Acórdão

1. O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 49.° CE.

2. Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Stichting de Nationale Sporttotalisator, uma fundação de direito neerlandês (a seguir «De Lotto»), às sociedades Ladbrokes Betting & Gaming Ltd e Ladbrokes International Ltd, estabelecidas no Reino Unido (a seguir «sociedades Ladbrokes»), relativamente ao eventual comportamento irregular destas últimas no mercado neerlandês dos jogos de fortuna ou azar.

       Quadro jurídico

3. O artigo 1.° da Lei do jogo (Wet op de kansspelen, a seguir «Wok») prevê:

«É proibido, sem prejuízo do disposto no título Va desta lei:

a. proporcionar a possibilidade de concorrer a prémios se a nomeação dos vencedores for feita por meio de uma determinação aleatória na qual os participantes não possam, em geral, exercer qualquer influência significativa, salvo se for concedida licença nos termos da presente lei;

b. promover a participação quer na possibilidade prevista na alínea a), proporcionada sem licença nos termos da presente lei, quer numa possibilidade semelhante, proporcionada fora do território europeu do Reino dos Países Baixos, ou deter, com esse objectivo, documentos destinados a divulgação ou distribuição; [...]»

4. O artigo 16.° da Wok tem a seguinte redacção:

«1. Tendo em vista os interesses de instituições que se dedicam a actividades de utilidade pública, em especial no domínio do desporto e da educação física, da cultura, do bem‑estar social e da saúde, o Ministro da Justiça e o Ministro do Bem‑Estar, da Saúde Pública e da Cultura podem conceder uma licença para a organização de apostas desportivas, pelo período que os mesmos determinarem, a uma pessoa colectiva dotada de plena capacidade jurídica.

2. As receitas geradas pela organização de apostas [...] são afectadas às causas que a pessoa colectiva tenha decidido contemplar através da organização e da gestão das apostas relativas a acontecimentos desportivos.

3. Pelo menos 47,5% das receitas globais dos jogos de fortuna ou azar organizados nos termos do presente título e do título IVa, calculados com referência a um ano civil, destinam‑se a serem distribuídos como prémios. [...]»

5. O artigo 21.° da Wok enuncia:

«1. Os Ministros referidos no artigo 16.° aprovam as regras relativas à concessão de licenças para a organização de apostas relativas a acontecimentos desportivos.

2. As regras referem‑se, nomeadamente:

a. ao número de apostas a organizar;

b. ao modo de determinar os resultados e os mecanismos dos prémios;

c. à gestão e à cobertura das despesas respeitantes à organização;

d. à afectação das receitas das apostas organizadas;

e. ao estatuto e aos regulamentos da pessoa colectiva;

f. ao controlo do cumprimento da legislação por parte das autoridades;

g. à apresentação e à publicação do relatório de actividades e dos resultados financeiros obtidos anualmente pela pessoa colectiva.»

       Litígio no processo principal e questões prejudiciais

6. A legislação neerlandesa relativa aos jogos de fortuna ou azar baseia‑se num sistema de autorizações exclusivas, segundo o qual, por um lado, é proibido organizar ou promover jogos de fortuna ou azar, excepto nos casos em que tenha sido concedida uma autorização administrativa para esse efeito e, por outro, as autoridades nacionais concedem apenas uma licença para cada um dos jogos de fortuna ou azar autorizados.

7. Resulta, além disso, dos autos do litígio no processo principal, tal como enviados ao Tribunal de Justiça pelo órgão jurisdicional de reenvio, que não existe nenhuma possibilidade de oferecer de forma interactiva jogos de fortuna ou azar através da Internet nos Países Baixos.

8. A De Lotto é uma fundação de direito privado sem fins lucrativos que é titular da licença para a organização de apostas desportivas, de loto e da lotaria. Tem por objecto, segundo os seus estatutos, a recolha de fundos através da organização de jogos de fortuna ou azar e a repartição desses fundos entre instituições de interesse público, em especial no domínio do desporto, da educação física, do bem‑estar geral, da saúde pública e da cultura.

9. As sociedades Ladbrokes são sociedades activas na organização de apostas desportivas e são conhecidas nomeadamente pelas suas actividades no domínio da corretagem de apostas («bookmaking»). No seu sítio Internet, propõem vários jogos de fortuna ou azar, predominantemente relacionados com o desporto. Além disso, oferecem a possibilidade de participar em apostas por si organizadas através de um número de telefone gratuito. As referidas sociedades não exercem materialmente nenhuma actividade no território neerlandês.

10. Acusando as sociedades Ladbrokes de oferecerem aos residentes nos Países Baixos, através da Internet, jogos de fortuna ou azar para os quais não dispunham da licença exigida pela Wok, a De Lotto recorreu ao juiz das medidas provisórias do Rechtbank Arnhem (Tribunal de Primeira Instância de Arnhem) pedindo que essas sociedades fossem obrigadas a cessar essa actividade.

11. Por decisão de 27 de Janeiro de 2003, o juiz das medidas provisórias deferiu o pedido e ordenou que as sociedades Ladbrokes adoptassem medidas de bloqueio do acesso aos seus sítios Internet para os residentes nos Países Baixos e suprimissem a possibilidade de estes participarem nas apostas feitas através de telefone. Estas medidas foram confirmadas pelos acórdãos do Gerechtshof te Arnhem (Tribunal de Recurso de Arnhem) e do Hoge Raad der Nederlanden (Tribunal Supremo) de, respectivamente, 2 de Setembro de 2003 e de 18 de Fevereiro de 2005.

12. Em 21 de Fevereiro de 2003, a De Lotto propôs também uma acção judicial contra as sociedades Ladbrokes no Rechtbank Arnhem. No seu pedido, a De Lotto solicitava que fossem confirmadas as medidas restritivas impostas às referidas sociedades pelo juiz das medidas provisórias. Por decisão de 31 de Agosto de 2005, esse tribunal julgou procedente a acção intentada pela De Lotto, ordenando às ditas sociedades, sob pena de aplicação de sanções pecuniárias compulsórias, que mantivessem as medidas de bloqueio do acesso aos jogos de fortuna ou azar, através da Internet e do telefone, para os residentes nos Países Baixos. Tendo esta decisão sido confirmada por acórdão do Gerechtshof te Arnhem de 17 de Outubro de 2006, as sociedades Ladbrokes interpuseram recurso para o órgão jurisdicional de reenvio.

13. Considerando que a interpretação do direito da União é necessária para se poder pronunciar sobre o litígio que lhe foi submetido, o Hoge Raad der Nederlanden decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) Uma política nacional restritiva em matéria de jogos de fortuna e azar, orientada para a canalização da propensão para o jogo, que contribui efectivamente para que sejam alcançados os objectivos prosseguidos com a [legislação] nacional em questão, a saber, a contenção do vício do jogo e o combate à fraude, porque, graças à oferta regulamentada de jogos de fortuna e azar, o jogo fica circunscrito a um âmbito (muito) mais reduzido do que aquele que teria se não houvesse essa regulamentação, satisfaz a condição, formulada na jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, em especial no acórdão de 6 de Novembro de 2003, Gambelli [e o.] (C‑243/01, Colect., p. I‑13031), de limitar as actividades de apostas de [...] maneira coerente e sistemática, mesmo que seja permitido ao(s) titular(es) da licença tornar a oferta de jogos atractiva, mediante a introdução de novos jogos de fortuna ou azar e a apresentação da sua oferta de jogos a um público vasto por meio de publicidade, afastando, deste modo, os (potenciais) jogadores da oferta ilegal de jogos de fortuna ou azar (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Março de 2007, Placanica [e o.], C‑338/04, C‑359/04 e C‑360/04, p. I‑1891, n.° 55, parte final)?

2) a) Admitindo que uma [legislação] nacional da política em matéria de jogos de fortuna ou azar é compatível com o artigo 49.° CE, o órgão jurisdicional nacional, quando aplica essa [legislação] a um caso concreto, deve sempre averiguar se a medida a adoptar, tal como ordenar que o acesso dos residentes do Estado‑Membro em questão a um sítio Web, para participarem nos jogos de fortuna ou azar aí oferecidos, seja impedido por meio de software disponível para o efeito, cumpre, enquanto tal e em si mesma, nas circunstâncias do caso concreto, a condição de prosseguir verdadeiramente os objectivos invocados como justificação da [legislação] nacional, e se a restrição à livre prestação de serviços, decorrente dessa [legislação] e da sua aplicação, não é desproporcionada face a esses objectivos?

b) É relevante para a resposta à segunda questão, alínea a), o facto de a medida a adoptar não ser exigida e imposta no âmbito da aplicação da [legislação] nacional pelas autoridades nacionais, mas sim no âmbito de um processo civil, em que um operador de jogos de fortuna ou azar titular da licença exigida pede a adopção da medida, com o fundamento de que foi praticado contra ele um ilícito civil, porquanto a outra parte violou a [legislação] nacional em questão e, deste modo, obteve uma vantagem desleal sobre o operador titular da licença exigida?

3) O artigo 49.° CE deve ser interpretado no sentido de que resulta da aplicação deste artigo que a autoridade competente de um Estado‑Membro não pode, com base no regime de licenças fechado em vigor nesse Estado‑Membro para a oferta de serviços de jogos de fortuna e azar, proibir um prestador de serviços, a quem já foi concedida noutro Estado‑Membro uma licença para a prestação desses serviços através da Internet, de também oferecer esses serviços no primeiro Estado‑Membro, através da Internet?»

       Quanto às questões prejudiciais

       Quanto à primeira questão

14. Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se se pode considerar que uma legislação nacional, como a em causa no processo principal, que se destina a conter o vício do jogo e a combater a fraude, e que contribui efectivamente para a realização desses objectivos, limita as actividades de apostas de maneira coerente e sistemática, ainda que o titular ou os titulares de uma licença exclusiva possam tornar a sua oferta mais atractiva no mercado através da apresentação de novos jogos de fortuna ou azar e do recurso à publicidade.

15. O artigo 49.° CE exige a eliminação de qualquer restrição à livre prestação de serviços, ainda que indistintamente aplicada aos prestadores nacionais e aos de outros Estados‑Membros, quando seja susceptível de impedir, entravar ou tornar menos atractivas as actividades do prestador estabelecido noutro Estado‑Membro, onde preste legalmente serviços análogos. A liberdade de prestação de serviços beneficia tanto o prestador como o destinatário dos serviços (acórdão de 8 de Setembro de 2009, Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Bwin International, C‑42/07, Colect., p. I‑0000, n.° 51 e jurisprudência referida).

16. É ponto assente que uma legislação de um Estado‑Membro que sujeita a organização e a promoção dos jogos de fortuna ou azar a um regime de exclusividade a favor de um único operador e que proíbe que qualquer outro operador, inclusivamente um operador estabelecido noutro Estado‑Membro, proponha, através da Internet, no território do primeiro Estado‑Membro, serviços abrangidos pelo referido regime constitui uma restrição à livre prestação de serviços garantida pelo artigo 49.° CE (acórdãos Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Bwin International, já referido, n.° 52, e, de hoje, Sporting Exchange, C‑203/08, Colect., p. I‑0000, n.° 24).

17. Importa contudo verificar se tal restrição pode ser admitida a título de medidas derrogatórias expressamente previstas nos artigos 45.° CE e 46.° CE, aplicáveis nesta matéria por força do artigo 55.° CE, ou justificada, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, por razões imperiosas de interesse geral (v., neste sentido, acórdão Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Bwin International, já referido, n.° 55).

18. O artigo 46.°, n.° 1, CE admite restrições justificadas por razões de ordem pública, segurança pública ou saúde pública. A jurisprudência do Tribunal de Justiça identificou um certo número de razões imperiosas de interesse geral susceptíveis de justificar também as referidas restrições, como nomeadamente os objectivos de protecção dos consumidores, de prevenção da fraude e de incitação dos cidadãos a uma despesa excessiva ligada ao jogo, bem como de prevenção das perturbações da ordem social em geral (acórdão Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Bwin International, já referido, n.° 56).

19. Neste contexto, as particularidades de ordem moral, religiosa ou cultural, bem como as consequências moral e financeiramente prejudiciais para o indivíduo e para a sociedade que envolvem os jogos e as apostas, podem ser susceptíveis de justificar a existência na esfera jurídica das autoridades nacionais de um poder de apreciação bastante para determinar as exigências que a protecção do consumidor e da ordem social implica (acórdãos, já referidos, Gambelli e o., n.° 63, e Placanica e o., n.° 47).

20. Os Estados‑Membros têm a faculdade de fixar, em função da sua própria escala de valores, os objectivos da sua política em matéria de jogos de fortuna ou azar e, eventualmente, de definir com precisão o nível de protecção pretendido. No entanto, as restrições que impõem devem preencher as condições que resultam da jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente a respeito da sua proporcionalidade (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Placanica e o., n.° 48, e Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Bwin International, n.° 59).

21. Mais especificamente, as restrições baseadas nas razões indicadas no n.° 18 do presente acórdão devem ser adequadas para garantir a realização dos referidos objectivos, no sentido de que essas restrições devem contribuir para limitar as actividades de apostas de maneira coerente e sistemática (v., neste sentido, acórdão Gambelli e o., já referido, n.° 67).

22. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar se as legislações dos Estados‑Membros prosseguem verdadeiramente os objectivos susceptíveis de justificar estas últimas e se as restrições que impõem não são desproporcionais em relação a esses objectivos (acórdãos, já referidos, Gambelli e o., n.° 75, bem como Placanica e o., n.° 58).

23. No presente caso, resulta da redacção da primeira questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio que este último identifica claramente os objectivos prosseguidos pela Wok, a saber, a protecção dos consumidores através da contenção do vício do jogo e da luta contra a fraude, e considera que a legislação nacional em causa no processo principal alcança efectivamente esses objectivos e não excede o que é necessário para os atingir.

24. Contudo, o referido órgão jurisdicional manifesta dúvidas sobre o carácter coerente e sistemático da legislação nacional, na medida em que esta prossegue os objectivos indicados no número anterior permitindo em simultâneo que os operadores económicos que beneficiam nos Países Baixos de uma autorização exclusiva para organizar jogos de fortuna ou azar, entre os quais consta a De Lotto, ofereçam novos jogos e recorram a mensagens publicitárias para tornarem a sua oferta no mercado atractiva.

25. Como o Tribunal de Justiça já declarou, uma política de expansão controlada no sector dos jogos de fortuna ou azar pode ser cabalmente coerente com o objectivo de atrair os jogadores que exercem actividades de jogos e apostas clandestinas, e como tais proibidas, para actividades autorizadas e regulamentadas. Para atingir este objectivo, os operadores autorizados devem constituir uma alternativa fiável, mas simultaneamente atraente, a uma actividade proibida, o que pode, em si mesmo, implicar a oferta de uma extensa gama de jogos, uma publicidade de uma certa envergadura e o recurso a novas técnicas de distribuição (acórdão Placanica e o., já referido, n.° 55).

26. Embora seja certo que os fundamentos do acórdão Placanica e o., já referido, respeitam unicamente ao objectivo de prevenção da criminalidade no domínio dos jogos de fortuna ou azar, ao passo que, no processo principal, a legislação neerlandesa visa igualmente conter o vício do jogo, não deixa de ser verdade que estes dois objectivos devem ser considerados no seu conjunto, na medida em que se prendem com a protecção tanto dos consumidores como da ordem social (v., neste sentido, acórdãos de 24 de Março de 1994, Schindler, C‑275/92, Colect., p. I‑1039, n.° 58; de 21 de Setembro de 1999, Läärä e o., C‑124/97, Colect., p. I‑6067, n.° 33; e de 21 de Outubro de 1999, Zenatti, C‑67/98, Colect., p. I‑7289, n.° 31).

27. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, perante as circunstâncias do litígio que lhe foi submetido, se se pode considerar que a legislação nacional em causa no processo principal, na medida em que permite que os titulares de uma autorização exclusiva ofereçam novos jogos e façam publicidade, se inscreve no âmbito de uma política de expansão controlada no sector dos jogos de fortuna ou azar, que se destina efectivamente a canalizar a vontade de jogar para os circuitos legais.

28. Caso se venha a verificar que o Reino dos Países Baixos prossegue uma política de forte expansão dos jogos de fortuna ou azar, incitando e encorajando de forma excessiva os consumidores a neles participarem, com o objectivo principal de recolher fundos, e que, por esse motivo, o financiamento de actividades sociais através de uma percentagem das receitas provenientes dos jogos de fortuna ou azar autorizados constitui, não uma consequência benéfica acessória, mas a justificação real da política restritiva implementada por esse Estado‑Membro, haverá então que concluir que essa política não limita de maneira coerente e sistemática as actividades de jogos de fortuna ou azar e não é assim adequada a garantir a realização do objectivo que visa conter o vício dos consumidores relativamente a esses jogos.

29. No âmbito dessa apreciação, cabe nomeadamente ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se as actividades de jogo ilegais podem constituir um problema nos Países Baixos e se uma expansão das actividades autorizadas e regulamentadas pode solucionar esse problema.

30. Com efeito, na medida em que o objectivo de proteger os consumidores contra o vício do jogo é, em princípio, dificilmente compatível com uma política de expansão dos jogos de fortuna ou azar, que se caracteriza nomeadamente pela criação de novos jogos e pela publicidade que deles é feita, essa política só pode ser considerada coerente se as actividades ilegais revestirem uma dimensão considerável e se as medidas adoptadas se destinarem a canalizar a vontade de jogar dos consumidores para os circuitos legais.

31. O facto de a procura de jogos de fortuna ou azar nos Países Baixos ter já conhecido um aumento sensível, nomeadamente ao nível da oferta clandestina, admitindo‑se demonstrado como a De Lotto indicou na audiência, tem de ser tomado em consideração.

32. A legislação nacional em causa no processo principal não visa apenas combater a fraude e a criminalidade no domínio dos jogos de fortuna ou azar mas também assegurar a protecção dos consumidores. Deste modo, tem de ser encontrado um justo equilíbrio entre a exigência de uma expansão controlada dos jogos de fortuna ou azar autorizados com o objectivo de tornar a sua oferta atractiva para o público e a necessidade de reduzir o mais possível o vício dos consumidores relativamente a esses jogos.

33. Para efeitos dessa apreciação, podem revelar‑se úteis determinados elementos constantes dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça.

34. Segundo a redacção da decisão de 2004 que autorizou a licença exclusiva a favor da De Lotto para a organização de apostas desportivas, esta «fundação vela para que o conteúdo das actividades de angariação de clientela e de publicidade seja prudente e equilibrado e luta, em especial, contra uma participação excessiva nos jogos de fortuna ou azar organizados nos termos da presente decisão».

35. Além disso, por carta de 23 de Junho de 2004, o Ministro da Justiça neerlandês pediu aos titulares de licenças «que restringissem consideravelmente a quantidade de mensagens publicitárias e que dessem forma e conteúdo a essa política restritiva em matéria de publicidade, através da elaboração de um Código de Conduta e de Publicidade dos operadores de jogos de fortuna ou azar, aplicável a todos os operadores». Esse código entrou em vigor nos Países Baixos em 15 de Fevereiro de 2006.

36. Estes elementos permitem demonstrar a existência de uma vontade das autoridades nacionais de circunscreverem a expansão dos jogos de fortuna ou azar nos Países Baixos a limites rigorosos.

37. Contudo, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a evolução do mercado dos jogos de fortuna ou azar nos Países Baixos permite constatar que existe um controlo efectivo por parte das autoridades deste Estado‑Membro relativamente à expansão dos jogos de fortuna ou azar, ao nível tanto da amplitude da publicidade efectuada pelos beneficiários de uma autorização exclusiva como da criação por parte destes de novos jogos, e, por conseguinte, conciliar de forma adequada a realização simultânea dos objectivos prosseguidos pela legislação nacional.

38. Atendendo às considerações expostas, há que responder à primeira questão que uma legislação nacional, como a em causa no processo principal, que visa conter o vício do jogo e lutar contra a fraude, e que contribui efectivamente para a realização desses objectivos, pode ser entendida no sentido de que limita as actividades de apostas de maneira coerente e sistemática, mesmo que o titular ou os titulares de uma autorização exclusiva possam tornar a sua oferta no mercado atractiva através da introdução de novos jogos de fortuna ou azar e do recurso à publicidade. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se as actividades de jogo ilegais podem constituir um problema no Estado‑Membro em causa, que uma expansão das actividades autorizadas e regulamentadas poderia solucionar, e se essa expansão não tem uma amplitude susceptível de a tornar inconciliável com o objectivo de conter o referido vício.

       Quanto à segunda questão

39. Através da segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, para aplicar uma legislação de um Estado‑Membro relativa aos jogos de fortuna ou azar compatível com o artigo 49.° CE, o juiz nacional tem de verificar, em cada caso concreto, se a medida de execução que se destina a assegurar o respeito pela mesma legislação é adequada para garantir a realização do objectivo prosseguido por esta e conforme com o princípio da proporcionalidade. O referido órgão jurisdicional pergunta também se deve ser dada uma resposta diferente a esta questão quando a medida a adoptar seja exigida, não pelas autoridades públicas, mas por um particular no âmbito de um processo civil.

40. Como foi recordado no n.° 22 do presente acórdão, cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar se as legislações dos Estados‑Membros que restringem uma liberdade fundamental consagrada no Tratado são adequadas para garantir a realização dos objectivos de interesse geral susceptíveis de as justificar e se as restrições que impõem não são desproporcionais em relação a esses objectivos.

41. A formulação da segunda questão baseia‑se na premissa segundo a qual a legislação neerlandesa em matéria de jogos de fortuna ou azar é compatível com o artigo 49.° CE.

42. No processo principal, a restrição à livre prestação de serviços garantida pelo artigo 49.° CE tem origem directa nas disposições da Wok, na medida em que esta sujeita a organização e a promoção dos jogos de fortuna ou de azar a um regime de exclusividade a favor de um único operador e proíbe que qualquer outro operador, inclusivamente um operador estabelecido noutro Estado‑Membro, proponha, através da Internet, no território do primeiro Estado‑Membro, serviços abrangidos pelo referido regime.

43. Uma medida de execução da legislação nacional em causa no processo principal, como a injunção dirigida pelo juiz das medidas provisórias às sociedades Ladbrokes, destinada a bloquear o acesso ao seu sítio Internet aos residentes nos Países Baixos e a suprimir a possibilidade de estes participarem nas apostas através de telefone, constitui um elemento indispensável para a protecção que este Estado‑Membro pretende assegurar no seu território em matéria de jogos de fortuna ou azar e não pode, portanto, ser considerada uma restrição adicional face à que resulta directamente das disposições da Wok.

44. Com efeito, a referida medida de execução limita‑se a garantir o efeito útil da legislação neerlandesa em matéria de jogos de fortuna ou azar. Sem essa medida, a proibição prevista na Wok não teria nenhuma eficácia, porquanto os operadores económicos não autorizados pelas autoridades nacionais poderiam oferecer jogos de fortuna ou azar no mercado neerlandês.

45. Uma vez que a medida de execução decretada pelo órgão jurisdicional nacional não acarreta, por si só, restrições adicionais no mercado, a análise da sua conformidade com o direito da União está estreitamente ligada à que foi efectuada pelo órgão jurisdicional nacional no que respeita à compatibilidade da Wok com o artigo 49.° CE.

46. Nestas condições, ao contrário do que as sociedades Ladbrokes alegam, já não é necessário analisar se a medida de execução se justifica realmente por uma razão imperiosa de interesse geral, se é adequada para atingir os objectivos que visam limitar o vício do jogo e combater a fraude nem se excede o que é necessário para atingir esses objectivos.

47. Por outro lado, a circunstância de a referida medida de execução ter sido adoptada na sequência de uma intervenção das autoridades públicas destinada a garantir o cumprimento da legislação nacional ou de um pedido de um particular formulado no âmbito de um processo civil que se destina a proteger os direitos que este retira da referida legislação não é relevante para a solução do litígio que foi submetido ao órgão jurisdicional de reenvio.

48. Com efeito, esse litígio tem por objecto a aplicação do artigo 49.° CE, cujas disposições conferem aos particulares direitos que estes podem invocar nos tribunais e que os órgãos jurisdicionais nacionais devem salvaguardar (v. acórdãos de 3 de Dezembro de 1974, Van Binsbergen, 33/74, Colect., p. 543, n.° 27, e de 11 de Janeiro de 2007, ITC, C‑208/05, Colect., p. I‑181, n.° 67).

49. Cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais, independentemente do meio processual através do qual o processo lhes tenha sido submetido, adoptarem todas as medidas necessárias para garantir o exercício, num Estado‑Membro e em situações abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União, da livre prestação de serviços por parte dos operadores económicos.

50. Resulta das observações expostas que há que responder à segunda questão que, para aplicar uma legislação de um Estado‑Membro relativa aos jogos de fortuna ou azar compatível com o artigo 49.° CE, o juiz nacional não tem de verificar, em cada caso concreto, se a medida de execução que se destina a assegurar o respeito por essa legislação é adequada para garantir a realização do objectivo prosseguido por esta e é conforme com o princípio da proporcionalidade, desde que essa medida constitua um elemento necessário para garantir o efeito útil da referida legislação que não contenha nenhuma restrição adicional face à que resulta da mesma legislação. A circunstância de a medida de execução ter sido adoptada na sequência de uma intervenção das autoridades públicas destinada a garantir o cumprimento da legislação nacional ou de um pedido de um particular no âmbito de um processo civil que se destina a proteger os direitos que este retira da referida legislação não é relevante para a solução do litígio que foi submetido ao órgão jurisdicional de reenvio.

       Quanto à terceira questão

51. Através da sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 49.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro, como a em causa no processo principal, que submete a organização e a promoção dos jogos de fortuna ou azar a um regime de exclusividade a favor de um único operador, e que proíbe que qualquer outro operador, inclusivamente um operador estabelecido noutro Estado‑Membro, proponha, através da Internet, no território do primeiro Estado‑Membro, serviços abrangidos pelo referido regime.

52. Esta questão inscreve‑se no mesmo âmbito jurídico da primeira questão submetida no processo que deu origem ao acórdão Sporting Exchange, já referido, e é idêntica a esta última questão.

53. As sociedades Ladbrokes alegam que são titulares de uma autorização concedida pelas autoridades do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte que lhes permite oferecer apostas desportivas e de outros jogos de fortuna ou azar através da Internet e do telefone e que estão sujeitas, nesse Estado‑Membro, a uma legislação muito estrita destinada a prevenir a fraude e o vício do jogo. Alegam também que, quando um Estado‑Membro impõe restrições à organização desses jogos, deve ter em consideração que o interesse público que justifica a restrição em causa já está protegido pelas regras fixadas pelo Estado‑Membro no qual o prestador de serviços dispõe de uma autorização para a exploração desses jogos. Não se devem duplicar os controlos nem as garantias.

54. A este respeito, importa referir que o sector dos jogos de fortuna ou azar oferecidos através da Internet não é objecto de harmonização na União Europeia. Por conseguinte, um Estado‑Membro pode entender que o simples facto de um operador, como as sociedades Ladbrokes, oferecer legalmente serviços nesse sector através da Internet noutro Estado‑Membro, onde está estabelecido e já está, em princípio, sujeito aos requisitos legais e a controlos por parte das autoridades competentes deste último Estado, não pode ser considerado uma garantia suficiente de protecção dos consumidores nacionais contra os riscos de fraude e de criminalidade, à luz das prováveis dificuldades encontradas, nesse contexto, pelas autoridades do Estado‑Membro de estabelecimento para avaliar as qualidades e a integridade profissionais dos operadores (v., neste sentido, acórdão Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Bwin International, já referido, n.° 69).

55. Além disso, devido à falta de contacto directo entre o consumidor e o operador, os jogos de fortuna ou azar acessíveis através da Internet comportam riscos de natureza diferente e de uma importância acrescida em relação aos mercados tradicionais desses jogos, no que respeita a eventuais fraudes cometidas pelos operadores contra os consumidores (acórdão Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Bwin International, já referido, n.° 70).

56. Não se pode considerar que o facto de um operador que oferece jogos de fortuna ou azar através da Internet não praticar uma política activa de vendas no Estado‑Membro em causa, nomeadamente por não publicitar os seus serviços nesse Estado, se opõe às considerações que foram feitas nos dois números anteriores. Estas basearam‑se apenas nos efeitos da mera acessibilidade dos jogos de fortuna ou azar através da Internet e não nas consequências eventualmente divergentes da oferta activa ou passiva das prestações desse operador.

57. Resulta do exposto que a restrição em causa no processo principal pode, à luz das particularidades relacionadas com a oferta de jogos de fortuna ou azar através da Internet, ser considerada justificada pelo objectivo de combate à fraude e à criminalidade (v., neste sentido, acórdão Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Bwin International, já referido, n.° 72).

58. Há assim que responder à terceira questão que o artigo 49.° CE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro, como a em causa no processo principal, que sujeita a organização e a promoção dos jogos de fortuna ou azar a um regime de exclusividade a favor de um único operador e que proíbe que qualquer outro operador, inclusivamente um operador estabelecido noutro Estado‑Membro, proponha, através da Internet, no território do primeiro Estado‑Membro, serviços abrangidos pelo referido regime.

       Quanto às despesas

59. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

       Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

       1) Uma legislação nacional, como a em causa no processo principal, que visa conter o vício do jogo e lutar contra a fraude, e que contribui efectivamente para a realização desses objectivos, pode ser entendida no sentido de que limita as actividades de apostas de maneira coerente e sistemática, mesmo que o titular ou os titulares de uma autorização exclusiva possam tornar a sua oferta no mercado atractiva através da introdução de novos jogos de fortuna ou azar e do recurso à publicidade. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se as actividades de jogo ilegais podem constituir um problema no Estado‑Membro em causa, que uma expansão das actividades autorizadas e regulamentadas poderia solucionar, e se essa expansão não tem uma amplitude susceptível de a tornar inconciliável com o objectivo de conter o referido vício.

       2) Para aplicar uma legislação de um Estado‑Membro relativa aos jogos de fortuna ou azar compatível com o artigo 49.° CE, o juiz nacional não tem de verificar, em cada caso concreto, se a medida de execução que se destina a assegurar o respeito por essa legislação é adequada para garantir a realização do objectivo prosseguido por esta e é conforme com o princípio da proporcionalidade, desde que essa medida constitua um elemento necessário para garantir o efeito útil da referida legislação que não contenha nenhuma restrição adicional face à que resulta da mesma legislação. A circunstância de a medida de execução ter sido adoptada na sequência de uma intervenção das autoridades públicas destinada a garantir o cumprimento da legislação nacional ou de um pedido de um particular no âmbito de um processo civil que se destina a proteger os direitos que este retira da referida legislação não é relevante para a solução do litígio que foi submetido ao órgão jurisdicional de reenvio.

       3) O artigo 49.° CE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro, como a em causa no processo principal, que sujeita a organização e a promoção dos jogos de fortuna ou azar a um regime de exclusividade a favor de um único operador e que proíbe que qualquer outro operador, inclusivamente um operador estabelecido noutro Estado‑Membro, proponha, através da Internet, no território do primeiro Estado‑Membro, serviços abrangidos pelo referido regime.

 

Assinaturas

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(*) Língua do processo: neerlandês.