Processo C‑456/08
Comissão Europeia
contra
Irlanda
«Incumprimento de Estado - Directiva 93/37/CEE - Empreitadas de obras públicas - Notificação aos candidatos e aos proponentes das decisões relativas à adjudicação do contrato - Directiva 89/665/CEE - Processos de recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos - Prazo de recurso - Data a partir da qual começa a correr o prazo de recurso»
Sumário do acórdão
1. Um Estado‑Membro não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos procedimentos de recurso em matéria de celebração dos contratos de direito público de fornecimentos e de obras, conforme alterada pela Directiva 92/50, e do artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 93/37, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas, conforme alterada pela Directiva 97/52, quando uma entidade adjudicante não informa um proponente preterido da sua decisão de adjudicação do contrato relativo à concepção, construção, financiamento e exploração de uma auto‑estrada de circunvalação.
Com efeito, o artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 93/37 prevê que as entidades adjudicantes informarão o mais rapidamente possível os candidatos ou proponentes das decisões que tiverem sido tomadas relativamente à adjudicação do contrato. A notificação da decisão de adjudicação de um contrato público aos candidatos e aos proponentes não escolhidos é obrigatória por força desta disposição. Esta mesma obrigação resulta do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665, porque a possibilidade de interpor um recurso efectivo das decisões de adjudicação pressupõe que os candidatos ou proponentes sejam informados da decisão de adjudicação em tempo útil.
A difusão desta informação no sítio Internet da entidade adjudicante e a sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia após a assinatura do contrato entre a entidade adjudicante e o proponente escolhido não constituem um sucedâneo adequado da omissão de informar o proponente afastado. Com efeito, para ser facultada aos candidatos e aos proponentes uma efectiva tutela jurisdicional, estes deveriam ter sido informados da decisão de atribuição da NRA algum tempo antes da celebração do contrato.
(cfr. n.os 29-30, 32-33, 83, disp.)
2. Não cumpre as obrigações que lhe incumbem, por força do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos procedimentos de recurso em matéria de celebração dos contratos de direito público de fornecimentos e de obras, conforme alterada pela Directiva 92/50, um Estado‑Membro que mantém em vigor uma disposição nos termos da qual qualquer recurso de uma decisão relativa à adjudicação ou da adjudicação de um contrato público deve ser interposto o mais cedo possível e, em todo o caso, no prazo de três meses a contar da data em que pela primeira vez se verificaram os fundamentos do pedido, salvo se o tribunal considerar que há uma razão adequada para prorrogar esse prazo, na medida em que esta disposição comporta uma incerteza quanto à decisão da qual o recurso deve ser interposto e quanto à determinação dos prazos para interposição de tal recurso.
Com efeito, os prazos nacionais de caducidade, incluindo as regras da sua aplicação, não devem ser em si mesmos susceptíveis de tornar, na prática, impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos que o direito comunitário possa conferir ao interessado.
Ora, na medida em que tal disposição permite que os órgãos jurisdicionais nacionais apliquem por analogia o prazo de caducidade que prevê para os recursos interpostos das decisões de adjudicação de contratos públicos aos recursos das decisões interlocutórias adoptadas pelas entidades adjudicantes no âmbito da adjudicação destes contratos, em relação às quais o legislador não previu expressamente essa caducidade, a situação jurídica daí resultante não é suficientemente clara e precisa para excluir o risco de que os candidatos e proponentes em causa sejam privados do seu direito de recurso das decisões em matéria de contratos públicos, por um órgão jurisdicional nacional, com base numa interpretação que este efectue dessa disposição.
O alargamento do prazo de caducidade às decisões interlocutórias adoptadas pelas entidades adjudicantes no âmbito da adjudicação de um contrato público segundo regras que conduzam a privar os interessados do seu direito de recurso não é conforme com as exigências de segurança jurídica nem com o objectivo de eficácia do recurso. Os interessados devem ser informados de que o regime dos prazos se aplica às referidas decisões interlocutórias com suficiente clareza para poderem utilmente interpor recurso dentro dos prazos impostos. A inexistência desta informação não pode ser justificada pelo objectivo da celeridade do processo.
Além disso, a formulação, segundo a qual qualquer recurso pertinente «deve ser interposto o mais cedo possível e, em todo o caso, no prazo de três meses», comporta uma incerteza. Não se pode excluir que esta disposição autoriza os órgãos jurisdicionais nacionais a não admitirem um recurso por intempestividade na sua interposição mesmo antes do termo do prazo de três meses, se considerarem que o recurso não foi interposto «o mais cedo possível» na acepção desta disposição. Um prazo de caducidade cuja duração é deixada à livre apreciação do juiz competente, não é previsível quanto à sua duração. Assim, uma disposição nacional que prevê tal prazo não assegura uma transposição efectiva da Directiva 89/665.
A faculdade concedida ao juiz de prorrogar os prazos de recurso não é susceptível de preencher as lacunas que esta disposição apresenta em termos da clareza e da precisão exigidas pela Directiva 89/665 no que respeita ao regime dos prazos de recurso. Mesmo levando em conta essa faculdade de prorrogação, o candidato ou proponente em causa não pode, dada a referência à obrigação de interpor qualquer recurso o mais cedo possível, prever com certeza o prazo que lhe será fixado para interpor recurso.
(cfr. n.os 53, 63, 66, 74-75, 81, 83, disp)
Texto integral:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)
28 de Janeiro de 2010 (*)
No processo C‑456/08,
que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 20 de Outubro de 2008,
Comissão Europeia, representada por G. Zavvos, M. Konstantinidis e E. White, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
demandante,
contra
Irlanda, representada por D. O'Hagan, na qualidade de agente, assistido por A. Collins, SC, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
demandada,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),
composto por: J. N. Cunha Rodrigues (relator), presidente da Segunda Secção, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, P. Lindh, A. Rosas, U. Lõhmus e A. Ó Caoimh, juízes,
advogada‑geral: J. Kokott,
secretário: R. Şereş, administradora,
vistos os autos e após a audiência de 24 de Setembro de 2009,
ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 29 de Outubro de 2009,
profere o presente
Acórdão
1. Na sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que, em razão das disposições legislativas nacionais sobre os prazos aos quais está submetido o exercício pelos proponentes do seu direito à fiscalização judicial no âmbito dos processos de adjudicação de contratos públicos e por não ter notificado a decisão de adjudicação à denunciante no âmbito do processo de adjudicação em causa, a Irlanda não cumpriu as obrigações que lhe incumbem, no que respeita aos prazos aplicáveis, por força do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos procedimentos de recurso em matéria de celebração dos contratos de direito público de fornecimentos e de obras (JO L 395, p. 33), conforme alterada pela Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992 (JO L 209, p. 1, a seguir «Directiva 89/665»), na interpretação dada pelo Tribunal de Justiça, e, no que respeita à falta de notificação, por força do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665, na interpretação dada pelo Tribunal de Justiça, bem como do artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 199, p. 54), conforme alterada pela Directiva 97/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 1997 (JO L 328, p. 1, a seguir «Directiva 93/37»).
Quadro jurídico
Regulamentação comunitária
2. O artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665 determina:
«Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para garantir que, no que se refere aos processos de adjudicação abrangidos pelo âmbito de aplicação das Directivas 71/305/CEE [do Conselho, de 26 de Julho de 1971, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 185, p. 5; EE 17 F3 p. 9)], 77/62/CEE [do Conselho, de 21 de Dezembro de 1976, relativa à coordenação dos processos de celebração dos contratos de fornecimento de direito público (JO 1977, L 13, p. 1; EE 17 F1 p. 29),] e 92/50/CEE, [...] as decisões tomadas pelas entidades adjudicantes possam ser objecto de recursos eficazes e, sobretudo, tão rápidos quanto possível, nas condições previstas nos artigos seguintes e, [designadamente], no n.° 7 do artigo 2.°, com o fundamento de que essas decisões tenham violado o direito comunitário em matéria de contratos públicos ou as regras nacionais que transpõem esse direito.»
3. Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 89/665:
«1. Os Estados‑Membros velarão por que as medidas tomadas para os efeitos dos recursos referidos no artigo 1.° prevejam os poderes que permitam:
a) Tomar o mais rapidamente possível, através de um processo de urgência, medidas provisórias destinadas a corrigir a alegada violação ou a impedir que sejam causados outros danos aos interesses em causa, incluindo medidas destinadas a suspender ou a fazer suspender o processo de adjudicação do contrato de direito público em causa ou a execução de qualquer decisão tomada pelas entidades adjudicantes;
b) Anular ou fazer anular as decisões ilegais, incluindo suprimir as especificações técnicas, económicas ou financeiras discriminatórias que constem dos documentos do concurso, dos cadernos de encargos ou de qualquer outro documento relacionado com o processo de adjudicação do contrato em causa;
c) Conceder indemnizações às pessoas lesadas por uma violação.»
4. O artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 93/37 dispõe:
«As entidades adjudicantes informarão o mais rapidamente possível os candidatos ou proponentes das decisões que tiverem sido tomadas relativamente à adjudicação do contrato, incluindo os motivos pelos quais tenham decidido renunciar à adjudicação de um contrato para o qual fora aberto concurso, ou os motivos pelos quais tenham decidido recomeçar o processo, informação essa que será prestada, por escrito, se tal lhes for solicitado. Informarão igualmente dessas decisões o Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias.»
Legislação nacional
5. A Order 84A(4) do Regulamento de Processo dos Tribunais Superiores (Rules of the Superior Courts), na versão resultante do Statutory Instrument n.° 374/1998 (a seguir «RSC»), estabelece:
«Qualquer recurso de uma decisão relativa à adjudicação ou da adjudicação de um contrato público deve ser interposto o mais cedo possível e, em todo o caso, no prazo de três meses a contar da data em que pela primeira vez se verificaram os fundamentos do pedido, salvo se o tribunal considerar que há uma razão adequada para prorrogar esse prazo.»
Antecedentes do litígio e fase pré‑contenciosa
6. A National Roads Authority (Autoridade Nacional das Estradas, a seguir «NRA») é um organismo público responsável pela organização da construção e da manutenção das estradas na Irlanda.
7. A SIAC Construction Ldt (a seguir «SIAC») é uma sociedade por quotas com sede na Irlanda que exerce actividade no sector da construção.
8. A NRA publicou no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 10 de Julho de 2001 um convite à manifestação de interesse na concepção, construção, financiamento e exploração da auto‑estrada de circunvalação oeste da cidade de Dundalk. O adjudicatário deveria celebrar uma parceria público‑privada com a NRA e explorar esse troço de auto‑estrada durante, previsivelmente, um período de cerca de 30 anos.
9. Em Dezembro de 2001, quatro candidatos foram convidados a entrar em negociações.
10. Destes quatro candidatos, dois foram escolhidos, em Abril de 2003, para negociações mais detalhadas, a saber, um consórcio denominado EuroLink, do qual a SIAC fazia parte, e um consórcio denominado Celtic Road Group (a seguir «CRG»).
11. Em 8 de Agosto de 2003, a NRA convidou o EuroLink e o CRG a apresentarem a melhor proposta definitiva.
12. Por ofício de 14 de Outubro de 2003, o Eurolink foi informado de que a NRA tinha decidido escolher o CRG como proponente preferido. Este ofício da NRA precisava que não se tratava de uma recusa da proposta apresentada pelo Eurolink. Explicitava que a NRA ia prosseguir as negociações com o CRG, o que era susceptível de conduzir à adjudicação do contrato relativo ao projecto em questão. No entanto, se estas negociações terminassem sem que o referido contrato fosse atribuído, a NRA reservava‑se o direito de convidar o Eurolink para entabular negociações, no lugar do CRG.
13. Em 9 de Dezembro de 2003, a NRA decidiu adjudicar o contrato em causa ao CRG.
14. Em 5 de Fevereiro de 2004, a NRA assinou o contrato com o CRG. Um aviso foi para este efeito publicado no sítio Internet da NRA em 9 de Fevereiro de 2004. O anúncio da adjudicação do contrato em causa foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia em 3 de Abril de 2004.
15. Em 8 de Abril de 2004, a SIAC propôs na High Court (Irlanda) uma acção de indemnização, pedindo o ressarcimento dos danos acrescido de juros. Invocou designadamente, por um lado, a escolha do procedimento por negociação e, por outro, determinadas irregularidades que, segundo esta, se verificaram na fase da apresentação e da avaliação das melhores propostas definitivas. Em relação aos prazos de propositura da acção, a SIAC alegou que a data de início do respectivo prazo era a data da assinatura do contrato com o CRG, ou seja, 5 de Fevereiro de 2004.
16. A High Court considerou que os fundamentos pertinentes da acção se verificaram na data em que o consórcio a que a SIAC pertencia foi informado da identidade do proponente preferido, a saber, 14 de Outubro de 2003. A SIAC deveria ter proposto a sua acção o mais tardar três meses após essa data, em conformidade com a Order 84A das RSC. Consequentemente, por acórdão de 16 de Julho de 2004, a High Court julgou a acção inadmissível, por ter sido proposta intempestivamente.
17. A SIAC apresentou uma queixa à Comissão. Esta enviou à Irlanda, em 10 de Abril de 2006, uma notificação para cumprir, à qual este Estado‑Membro respondeu em 30 de Maio de 2006.
18. Em 15 de Dezembro de 2006, a Comissão enviou uma notificação para cumprir complementar à Irlanda, que respondeu em 21 de Fevereiro de 2007.
19. Não tendo ficado convencida com as explicações recebidas, a Comissão remeteu, em 1 de Fevereiro de 2008, um parecer fundamentado à Irlanda, convidando‑a a adoptar as medidas necessárias para lhe dar cumprimento no prazo de dois meses a contar da recepção do mencionado parecer. A Irlanda respondeu a este parecer fundamentado em 25 de Junho de 2008.
20. Não se considerando satisfeita com esta resposta, a Comissão intentou a presente acção.
Quanto à acção
Quanto ao primeiro fundamento
21. O primeiro fundamento invocado pela Comissão é relativo ao facto de a NRA não ter notificado o proponente preterido da sua decisão de adjudicar o contrato relativo à concepção, construção, financiamento e exploração da auto‑estrada de circunvalação oeste da cidade de Dundalk.
Argumentos das partes
22. A Comissão alega que a notificação aos candidatos e aos proponentes não escolhidos da decisão de atribuição de um contrato público é obrigatória por força do artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 93/37. Por outro lado, afirma que, no âmbito da Directiva 89/665, uma protecção jurídica completa pressupõe a obrigação de informar os candidatos e os proponentes da referida decisão.
23. A comunicação ao EuroLink, por ofício da NRA de 14 de Outubro de 2003, da designação do CRG como proponente preferido não equivale à recusa da proposta apresentada pelo EuroLink. Por conseguinte, este ofício não constitui a notificação da decisão de adjudicação prevista pela Directiva 89/665 e pelo artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 93/37.
24. Dado ser pacífico que a SIAC não foi notificada da atribuição definitiva do contrato em causa, os requisitos das referidas disposições não foram cumpridos.
25. A Irlanda admite que incumbe aos Estados‑Membros a obrigação de informar o mais rapidamente possível os candidatos ou proponentes das decisões que tiverem sido tomadas relativamente à adjudicação do contrato e sustenta que transpôs integralmente para o seu direito nacional as disposições do artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 93/37, que impõe esta obrigação. De resto, a Comissão não alega que a legislação irlandesa na matéria não seja conforme com os requisitos impostos pelo direito comunitário.
26. No que respeita ao contrato relativo à auto‑estrada de circunvalação de Dundalk, a Irlanda admite que a comunicação do proponente preferido, feita ao EuroLink em 14 de Outubro de 2003, não vale como notificação da decisão de adjudicação deste contrato.
27. No entanto, resulta do acórdão da High Court de 16 de Julho de 2004 que, na mencionada data, era evidente para a SIAC que tinha sido adoptada uma decisão de adjudicação do referido contrato. A SIAC não podia desconhecer que a NRA estava envolvida no processo de celebração de um contrato com o CRG. Segundo a Irlanda, daí resulta que, nas circunstâncias do caso em apreço, a falta de notificação da atribuição definitiva do contrato em causa não causou nenhuns danos.
28. A Irlanda alega que, na medida em que o direito nacional transpõe integralmente o regime comunitário de notificação das decisões tomadas relativamente à adjudicação de contratos públicos, não se pode considerar que a Irlanda não cumpriu as suas obrigações decorrentes do direito comunitário com base num único caso de falta de notificação.
Apreciação do Tribunal
29. O artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 93/37 prevê que as entidades adjudicantes informarão o mais rapidamente possível os candidatos ou proponentes das decisões que tiverem sido tomadas relativamente à adjudicação do contrato. A notificação da decisão de adjudicação de um contrato público aos candidatos e aos proponentes não escolhidos é obrigatória por força desta disposição.
30. Esta mesma obrigação resulta do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665, porque a possibilidade de interpor um recurso efectivo das decisões de adjudicação pressupõe que os candidatos ou proponentes sejam informados da decisão de adjudicação em tempo útil (v., neste sentido, acórdãos de 24 de Junho de 2004, Comissão/Áustria, C‑212/02, n.° 21, e de 3 de Abril de 2008, Comissão/Espanha, C‑444/06, Colect., p. I‑2045, n.° 38).
31. É pacífico que, no caso vertente, a NRA em momento algum notificou formalmente o EuroLink da sua decisão de adjudicar o contrato em causa ao CRG.
32. A difusão desta informação no sítio Internet da NRA, em 9 de Fevereiro de 2004, e a sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia , em 3 de Abril de 2004, não constituem um sucedâneo adequado.
33. Com efeito, estas informações foram divulgadas ao público após a assinatura do contrato, em 5 de Fevereiro de 2004, ao passo que, para ser facultada aos candidatos e aos proponentes uma efectiva tutela jurisdicional, estes deveriam ter sido informados da decisão de atribuição da NRA algum tempo antes da celebração do contrato (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Comissão/Áustria, n.° 21, e Comissão/Espanha, n.° 38).
34. Por conseguinte, a NRA não cumpriu, no tocante ao contrato em causa, os deveres de informação que lhe incumbiam por força do artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 93/37 e do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665.
35. A Irlanda, remetendo, a este respeito, para o ofício da NRA de 14 de Outubro de 2003, alega que, no caso em apreço, a SIAC não sofreu contudo nenhum prejuízo. Segundo este Estado‑Membro, após essa data, a SIAC não podia desconhecer que a NRA estava envolvida no processo de celebração de um contrato com o CRG.
36. Esta argumentação não pode ser acolhida.
37. Por um lado, com o seu ofício de 14 de Outubro de 2003, a NRA não notificou a decisão definitiva de atribuição do contrato em causa, tendo simplesmente indicado que preferia o proponente CRG. A NRA precisou mesmo que, caso as suas negociações com o CRG não chegassem a bom termo, se reservava o direito de entabular negociações com o EuroLink, no lugar do CRG. Nesta fase, o Eurolink não estava definitivamente excluído da possibilidade de adjudicação deste contrato e podia legitimamente considerar que o processo de adjudicação do referido contrato não tinha terminado.
38. Por outro lado, e em qualquer caso, a verificação do incumprimento de um Estado‑Membro não está ligada à constatação de um dano dele eventualmente resultante (acórdãos de 18 de Dezembro de 1997, Comissão/Bélgica, C‑263/96, Colect., p. I‑7453, n.° 30, e de 10 de Abril de 2003, Comissão/Alemanha, C‑20/01 e C‑28/01, Colect., p. I‑3609, n.° 42).
39. Por último, a Irlanda alega que a legislação nacional em causa está em conformidade com os deveres de informação impostos pela regulamentação comunitária. Nestas circunstâncias, um caso isolado de falta de notificação de uma decisão relativa à adjudicação de um contrato público não justifica a conclusão de que o Estado‑Membro não cumpriu as suas obrigações decorrentes do direito comunitário.
40. Este argumento também não pode proceder.
41. Sem que haja que tomar posição quanto à afirmação de que a legislação nacional em questão transpõe de forma adequada os requisitos impostos pelo direito comunitário na matéria, basta recordar que, segundo jurisprudência constante, a acção por incumprimento permite não apenas averiguar a conformidade das normas legislativas, regulamentares e administrativas de um Estado‑Membro com o direito comunitário como também declarar que uma autoridade de um Estado‑Membro viola a regulamentação comunitária num caso concreto (v., relativamente à adjudicação de contratos públicos, acórdãos de 10 de Abril de 2003, Comissão/Alemanha, já referido, n.° 30, e de 15 de Outubro de 2009, Comissão/Alemanha, C‑275/08, n.° 27).
42. Portanto, o primeiro fundamento é procedente.
Quanto ao segundo fundamento
43. O segundo fundamento da Comissão comporta duas partes. Por um lado, a Comissão alega que a legislação nacional em causa origina uma incerteza quanto à decisão contra a qual o recurso deve ser interposto. Por outro lado, sustenta que esta legislação comporta uma incerteza na determinação dos prazos para interpor recurso.
Quanto à primeira parte do segundo fundamento
─ Argumentos das partes
44. A Comissão afirma que é difícil para os proponentes saber que decisão da entidade adjudicante devem impugnar e em que data começa a correr o prazo para recorrer desta decisão. A Comissão entende que esta incerteza resulta da redacção da Order 84A(4) das RSC, bem como da sua interpretação incerta.
45. A Comissão salienta que a expressão «de uma decisão relativa à adjudicação ou da adjudicação de um contrato público», utilizada na Order 84A(4) das RSC, designa as decisões que podem ser objecto de um recurso e que esta disposição não menciona as decisões provisórias anteriores adoptadas pela entidade adjudicante. No seu acórdão de 16 de Julho de 2004, a High Court considerou que a referida disposição se aplica não apenas à decisão de atribuir um contrato ou à adjudicação desse contrato mas igualmente às decisões tomadas pelas entidades adjudicantes relativamente aos processos de celebração dos contratos.
46. Para a Comissão, a legislação nacional em causa não é conforme com o princípio fundamental da segurança jurídica nem com o requisito da eficácia previsto pela Directiva 89/665, que constitui uma aplicação deste princípio, uma vez que deixa os proponentes numa posição de incerteza quanto à sua situação se pretenderem interpor recurso de uma decisão de adjudicação de um contrato adoptada por uma entidade adjudicante no âmbito de um processo em duas fases, em que a decisão de atribuição definitiva é tomada após a selecção de um proponente.
47. A Comissão argumenta que se deveria precisar claramente aos proponentes que a Order 84A(4) das RSC se aplica não apenas às decisões de adjudicação de contratos mas também às decisões provisórias da entidade adjudicante adoptadas durante o processo de concurso, como, por exemplo, as relativas à selecção do proponente preferido.
48. A Irlanda recorda que o artigo 1.° da Directiva 89/665 impõe aos Estados‑Membros que garantam recursos eficazes de todas as decisões adoptadas pelas entidades adjudicantes no âmbito dos processos de celebração de contratos públicos, e não só das decisões de adjudicação desses contratos. Segundo a Irlanda, os órgãos jurisdicionais nacionais interpretam e aplicam a Order 84A(4) das RSC em conformidade com estes requisitos. Em particular, no seu acórdão de 16 de Julho de 2004, a High Court decidiu claramente que esta disposição permite interpor recurso de qualquer decisão das entidades adjudicantes no âmbito de um processo de adjudicação de contratos, o que corresponde inteiramente ao artigo 1.° da Directiva 89/665.
49. Quanto à data a partir da qual se inicia o prazo para impugnar uma decisão provisória da entidade adjudicante, a Irlanda assinala que a Directiva 89/665 exige que as decisões tomadas pelas entidades adjudicantes possam ser objecto de recursos examinados rapidamente. Um recurso só pode ser examinado rapidamente se as duas partes no litígio tiverem o dever de agir com celeridade no âmbito desse processo. Este objectivo não poderia ser alcançado se, não obstante o facto de disporem de todos os elementos de facto e de direito necessários para instaurar tal processo, as partes estivessem autorizadas a aguardar a notificação formal da decisão de adjudicação antes de interporem recurso.
50. A Irlanda sustenta que, se um proponente pudesse simplesmente aguardar a notificação da decisão formal de não lhe adjudicar o contrato em causa, não obstante o facto de saber que este contrato não lhe tinha sido atribuído, daí resultariam, como a High Court declarou no processo em que foi proferido o seu acórdão de 16 de Julho de 2004, amplas prorrogações dos prazos para examinar todas as decisões das entidades adjudicantes.
─ Apreciação do Tribunal
51. O Tribunal de Justiça já decidiu que a Directiva 89/665 não se opõe a uma regulamentação nacional que dispõe que qualquer recurso de uma decisão da entidade adjudicante deve ser interposto dentro do prazo previsto para o efeito e que qualquer irregularidade do processo de adjudicação invocada em apoio desse recurso deve ser suscitada dentro do mesmo prazo, sob pena de caducidade, pelo que, ultrapassado esse prazo, deixa de ser possível impugnar essa decisão ou suscitar essa irregularidade, desde que o prazo em questão seja razoável (acórdão de 11 de Outubro de 2007, Lämmerzahl, C‑241/06, Colect., p. I‑8415, n.° 50 e jurisprudência aí referida).
52. Esta jurisprudência baseia‑se na ideia de que a realização integral do objectivo prosseguido pela Directiva 89/665 ficaria comprometida se fosse possível aos candidatos e aos proponentes invocar, em qualquer fase do processo de adjudicação, infracções às regras de adjudicação dos contratos, obrigando assim a entidade adjudicante a recomeçar integralmente o processo para corrigir essas infracções (acórdão Lämmerzahl, já referido, n.° 51).
53. Em contrapartida, os prazos nacionais de caducidade, incluindo as regras da sua aplicação, não devem ser em si mesmos susceptíveis de tornar, na prática, impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos que o direito comunitário possa conferir ao interessado (acórdão Lämmerzahl, já referido, n.° 52).
54. A Order 84A(4) das RSC dispõe que «qualquer recurso de uma decisão relativa à adjudicação ou da adjudicação de um contrato público» deve ser interposto dentro de um determinado prazo.
55. No entanto, os órgãos jurisdicionais irlandeses podem interpretar esta disposição, como ocorreu no âmbito do litígio em que foi proferido o acórdão da High Court de 16 de Julho de 2004, no sentido de que se aplica não apenas à decisão definitiva de atribuição de um contrato público mas também às decisões interlocutórias adoptadas por uma entidade adjudicante durante o processo de adjudicação desse contrato. Ora, se a decisão definitiva de atribuir um contrato público é adoptada após o termo do prazo imposto para impugnar a decisão interlocutória em causa, não se pode excluir que um candidato ou um proponente interessado fique impedido, por motivo de caducidade, de interpor recurso da adjudicação do contrato em causa.
56. Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a aplicação de um prazo nacional de caducidade não pode levar a que o exercício do direito de recorrer das decisões de adjudicação de contratos públicos fique privado da sua eficácia concreta (v., neste sentido, acórdãos de 12 de Dezembro de 2002, Universale‑Bau e o., C‑470/99, Colect., p. I‑11617, n.° 72; de 27 de Fevereiro de 2003, Santex, C‑327/00, Colect., p. I‑1877, n. os 51 e 57; e Lämmerzahl, já referido, n.° 52).
57. Como referiu a advogada‑geral no n.° 51 das suas conclusões, só se resultar claramente da legislação nacional que mesmo os actos preparatórios ou as decisões interlocutórias adoptados pelas entidades adjudicantes no âmbito da adjudicação de um contrato público desencadeiam a contagem de um prazo de caducidade é que os proponentes e os candidatos podem em tempo útil tomar as necessárias providências para que eventuais violações da regulamentação em matéria de contratos públicos sejam fiscalizadas em conformidade com o artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665.
58. Por conseguinte, os requisitos constantes do artigo 1.°, n.° 1, da referida directiva não são cumpridos se, ainda que tal não esteja claramente enunciado na Order 84A(4) das RSC, o prazo de recurso previsto nesta disposição for alargado aos recursos das decisões interlocutórias tomadas pelas entidades adjudicantes no âmbito da adjudicação de um contrato público.
59. A Irlanda objecta, contra esta conclusão, que um tal prazo para a impugnação de decisões interlocutórias cumpre os objectivos da Directiva 89/665 e, em especial, o imperativo de celeridade.
60. É certo que o artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665 impõe aos Estados‑Membros a obrigação de garantir que as decisões tomadas pelas entidades adjudicantes possam ser objecto de recursos eficazes e tão rápidos quanto possível. Para realizar o objectivo de celeridade prosseguido por esta directiva, os Estados‑Membros podem impor prazos de recurso com vista a obrigar os operadores a impugnar dentro de prazos curtos medidas preparatórias ou decisões interlocutórias adoptadas no âmbito do processo de adjudicação de um contrato (v., neste sentido, acórdãos Universale‑Bau e o., já referido, n. os 75 a 79; de 12 de Fevereiro de 2004, Grossmann Air Service, C‑230/02, Colect., p. I‑1829, n. os 30 e 36 a 39; e Lämmerzahl, já referido, n. os 50 e 51).
61. No entanto, o objectivo de celeridade prosseguido pela Directiva 89/665 tem de ser concretizado no direito interno em consonância com as exigências de segurança jurídica. Para esse fim, os Estados‑Membros são obrigados a instituir um regime de prazos suficientemente preciso, claro e previsível para permitir aos particulares conhecerem os seus direitos e obrigações (v., neste sentido, acórdãos de 30 de Maio de 1991, Comissão/Alemanha, C‑361/88, Colect., p. I‑2567, n.° 24, e de 7 de Novembro de 1996, Comissão/Luxemburgo, C‑221/94, Colect., p. I‑5669, n.° 22).
62. O mencionado objectivo de celeridade não permite aos Estados‑Membros abstrair do princípio da efectividade, segundo o qual as regras de aplicação dos prazos nacionais de caducidade não devem ser susceptíveis de tornar impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos que o direito comunitário possa conferir aos interessados, princípio que está subjacente ao objectivo da eficácia do recurso explicitado no artigo 1.°, n.° 1, da referida directiva.
63. O alargamento do prazo de caducidade previsto na Order 84A(4) das RSC às decisões interlocutórias adoptadas pelas entidades adjudicantes no âmbito da adjudicação de um contrato público segundo regras que conduzam a privar os interessados do seu direito de recurso não é conforme com as exigências de segurança jurídica nem com o objectivo de eficácia do recurso. Os interessados devem ser informados de que o regime dos prazos se aplica às referidas decisões interlocutórias com suficiente clareza para poderem utilmente interpor recurso dentro dos prazos impostos. A inexistência desta informação não pode ser justificada pelo objectivo da celeridade do processo.
64. A Irlanda alega que os órgãos jurisdicionais irlandeses interpretam e aplicam a Order 84A(4) das RSC em conformidade com os requisitos da Directiva 89/665. Este argumento faz alusão ao papel importante desempenhado pela jurisprudência nos países de «common law», como a Irlanda.
65. A este respeito, deve recordar‑se que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, embora a transposição de uma directiva não exija necessariamente a reprodução formal e textual das suas disposições numa disposição legal expressa e específica, podendo contentar‑se com um contexto jurídico geral, importa, contudo, que este contexto jurídico seja suficientemente claro e preciso para que os beneficiários tenham a possibilidade de conhecer a plenitude dos seus direitos e, se necessário, de os invocar nos órgãos jurisdicionais nacionais (acórdão de 29 de Outubro de 2009, Comissão/Bélgica, C‑474/08, n.° 19 e jurisprudência aí referida).
66. Ora, a Order 84A(4) das RSC não cumpre estes requisitos, na medida em que permite que os órgãos jurisdicionais nacionais apliquem por analogia o prazo de caducidade que prevê para os recursos interpostos das decisões de adjudicação de contratos públicos aos recursos das decisões interlocutórias adoptadas pelas entidades adjudicantes no âmbito da adjudicação destes contratos, em relação às quais o legislador não previu expressamente essa caducidade. A situação jurídica daí resultante não é suficientemente clara e precisa para excluir o risco de que os candidatos e proponentes em causa sejam privados do seu direito de recurso das decisões em matéria de contratos públicos, por um órgão jurisdicional nacional, com base numa interpretação que este efectue dessa disposição.
67. Consequentemente, a primeira parte do segundo fundamento deve ser julgada procedente.
Quanto à segunda parte do segundo fundamento
─ Argumentos das partes
68. A Comissão recorda que a Order 84A(4) das RSC prevê que os recursos devem ser interpostos «o mais cedo possível e, em todo o caso, no prazo de três meses». Segundo a Comissão, esta formulação deixa os proponentes numa situação de incerteza se pretenderem exercer o direito, que lhes é conferido pelo direito comunitário, de impugnar uma decisão de uma entidade adjudicante. Com efeito, os proponentes só conheceriam a interpretação dada à expressão «o mais cedo possível» depois de terem interposto o seu recurso e de o órgão jurisdicional competente ter exercido o seu poder de apreciação na interpretação desta disposição. Tal situação é contrária ao princípio da segurança jurídica.
69. Além disso, a referida disposição cria uma incerteza suplementar quanto à questão de saber em que casos será aplicado o prazo de três meses e em que casos o prazo será mais curto porque teria sido possível interpor um recurso mais cedo.
70. Por consequência, a Comissão entende que a Order 84A(4) das RSC padece de falta de clareza e gera insegurança jurídica. A Comissão considera que, atendendo à obrigação de respeito do princípio da segurança jurídica, o prazo aplicável deve ser um prazo fixo que possa ser interpretado de forma clara e seja previsível por todos os proponentes.
71. A Irlanda responde que, até à data, nenhum órgão jurisdicional irlandês julgou inadmissível, por intempestividade na sua interposição, um recurso de uma decisão de uma entidade adjudicante, adoptada no âmbito de um processo de adjudicação de um contrato público, que tenha sido interposto dentro do prazo de três meses, mas não o mais cedo possível. Segundo a Irlanda, uma interpretação neste sentido não poderia proceder, visto que a expressão «em todo o caso» indica que qualquer recurso interposto no prazo de três meses é tempestivo. Além disso, a High Court já decidiu expressamente que, se necessário, o prazo de três meses será prorrogado.
72. A Irlanda assinala que a Order 84A(4) das RSC confere aos órgãos jurisdicionais irlandeses o poder de prorrogar os prazos de recurso. O facto de a legislação nacional atribuir este poder ao juiz corresponde a uma via legítima aberta aos Estados‑Membros para regular os prazos de recurso. Os Estados‑Membros não são obrigados a instituir prazos imutáveis.
─ Apreciação do Tribunal
73. Dado que a Directiva 89/665 prossegue um objectivo de celeridade, é lícito que um Estado‑Membro, no âmbito da transposição desta directiva, imponha aos interessados uma obrigação de diligência na interposição de um recurso nesta matéria.
74. No entanto, a formulação da Order 84A(4) das RSC, segundo a qual qualquer recurso pertinente «deve ser interposto o mais cedo possível e, em todo o caso, no prazo de três meses», comporta uma incerteza. Não se pode excluir que esta disposição autoriza os órgãos jurisdicionais nacionais a não admitirem um recurso por intempestividade na sua interposição mesmo antes do termo do prazo de três meses, se considerarem que o recurso não foi interposto «o mais cedo possível» na acepção desta disposição.
75. A duração de um prazo de caducidade não é previsível para os interessados se for deixada à livre apreciação do juiz competente. Assim, uma disposição nacional que prevê tal prazo não assegura uma transposição efectiva da Directiva 89/665.
76. Contra esta conclusão, a Irlanda afirma que nunca um órgão jurisdicional irlandês negou a admissibilidade de um recurso em matéria de contratos públicos com o fundamento de este não ter sido interposto «o mais cedo possível».
77. A este respeito, basta recordar que, para determinar se a transposição de uma directiva é insuficiente, não é sempre necessário determinar os efeitos reais da legislação nacional de transposição. Diferentemente se passa quando o próprio texto dessa legislação contém em si mesmo a insuficiência da transposição (v., neste sentido, acórdão de 21 de Setembro de 1999, Comissão/Irlanda, C‑392/96, Colect., p. I‑5901, n.° 60).
78. A Irlanda esclarece que a Order 84A(4) das RSC confere aos órgãos jurisdicionais irlandeses o poder de prorrogar os prazos de recurso.
79. Com efeito, esta disposição prevê a aplicação do prazo estabelecido «salvo se o tribunal considerar que há uma razão adequada para prorrogar esse prazo».
80. Importa reconhecer que tal disposição seria, em si mesma e independentemente do seu contexto, admissível no âmbito da aplicação da Directiva 89/665. Num domínio como o dos contratos públicos, no qual os processos podem ser complexos e os elementos fácticos muito variados, a faculdade concedida pelo legislador nacional aos órgãos jurisdicionais nacionais de prorrogar os prazos de recurso por motivos de equidade pode inserir‑se numa boa administração da justiça.
81. No entanto, a faculdade concedida ao juiz de prorrogar os prazos de recurso, prevista na Order 84A(4) das RSC, não é susceptível de preencher as lacunas que esta disposição apresenta em termos da clareza e da precisão exigidas pela Directiva 89/665 no que respeita ao regime dos prazos de recurso. Mesmo levando em conta essa faculdade de prorrogação, o candidato ou proponente em causa não pode, dada a referência à obrigação de interpor qualquer recurso o mais cedo possível, prever com certeza o prazo que lhe será fixado para interpor recurso.
82. Consequentemente, há que considerar procedente a segunda parte do segundo fundamento.
83. Atendendo às considerações precedentes, importa concluir que a Irlanda,
─ pelo facto de a NRA não ter informado o proponente preterido da sua decisão de adjudicação do contrato relativo à concepção, construção, financiamento e exploração da auto‑estrada de circunvalação oeste da cidade de Dundalk, e
─ ao manter em vigor as disposições da Order 84A(4) das RSC, na medida em que estas comportam uma incerteza quanto à decisão da qual o recurso deve ser interposto e quanto à determinação dos prazos para interposição de tal recurso,
não cumpriu, no que respeita ao primeiro fundamento, as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665 e do artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 93/37, bem como, no que respeita ao segundo fundamento, as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665.
Quanto às despesas
84. Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da Irlanda e tendo esta sido vencida nos seus fundamentos, há que condená‑la nas despesas.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:
1) A Irlanda,
─ pelo facto de a National Roads Authority não ter informado o proponente preterido da sua decisão de adjudicação do contrato relativo à concepção, construção, financiamento e exploração da auto‑estrada de circunvalação oeste da cidade de Dundalk, e
─ ao manter em vigor as disposições da Order 84A(4) do Regulamento de Processo dos Tribunais Superiores (Rules of the Superior Courts), na versão resultante do Statutory Instrument n.° 374/1998, na medida em que estas comportam uma incerteza quanto à decisão da qual o recurso deve ser interposto e quanto à determinação dos prazos para interposição de tal recurso,
não cumpriu, no que respeita ao primeiro fundamento, as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos procedimentos de recurso em matéria de celebração dos contratos de direito público de fornecimentos e de obras, conforme alterada pela Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, e do artigo 8.°, n.° 2, da Directiva 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas, conforme alterada pela Directiva 97/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 1997, bem como, no que respeita ao segundo fundamento, as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665, conforme alterada pela Directiva 92/50.
2) A Irlanda é condenada nas despesas.
Assinaturas
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