Processo C‑406/08
Uniplex (UK) Ltd
contra
NHS Business Services Authority
[pedido de decisão prejudicial apresentado pela High Court of Justice (England & Wales), Queen's Bench Division]
«Directiva 89/665/CEE - Processos de recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos - Prazo de recurso - Data a partir da qual começa a correr o prazo de recurso»
Sumário do acórdão:
1. O artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos procedimentos de recurso em matéria de celebração dos contratos de direito público de fornecimentos e de obras, conforme alterada pela Directiva 92/50, exige que o prazo para propor uma acção para obter uma declaração de violação das regras de adjudicação de contratos públicos ou para obter uma indemnização pela violação destas regras corre a partir da data em que o demandante teve conhecimento ou deveria ter tido conhecimento dessa violação.
Com efeito, o objectivo fixado no artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665, de garantir a existência de recursos eficazes contra as violações das disposições aplicáveis em matéria de adjudicação de contratos públicos, só pode ser alcançado se os prazos impostos para interpor estes recursos começarem a correr a partir da data em que o demandante teve conhecimento ou deveria ter tido conhecimento da alegada violação das referidas disposições.
Ora, o facto de um candidato ou um proponente tomar conhecimento de que a sua candidatura ou a sua proposta foi recusada não lhe permite propor efectivamente uma acção. Só após o candidato ou o proponente em causa ter sido informado dos motivos pelos quais foi afastado do processo de adjudicação de um contrato é que lhe é possível formar uma convicção esclarecida acerca da eventual existência de uma violação das disposições aplicáveis e sobre a oportunidade de propor uma acção.
(cf. n.os 30‑32, 35, disp.)
2. O artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos procedimentos de recurso em matéria de celebração dos contratos de direito público de fornecimentos e de obras, conforme alterada pela Directiva 92/50, opõe‑se a uma disposição nacional que permite a um órgão jurisdicional nacional julgar inadmissível por caducidade uma acção para obter uma declaração de violação das regras de adjudicação de contratos públicos ou para obter uma indemnização pela violação destas regras em aplicação do critério, apreciado de forma discricionária, segundo o qual tais acções devem ser instauradas prontamente.
A este respeito, uma disposição nacional segundo a qual só podem ser instauradas acções se «a acção for instaurada prontamente e, em qualquer caso, no prazo de três meses», comporta uma incerteza. Não se pode excluir que esta disposição autorize os órgãos jurisdicionais nacionais a julgarem uma acção inadmissível por caducidade antes mesmo do termo do prazo de três meses, se entenderem que a acção não foi instaurada «prontamente» na acepção desta disposição. Um prazo de caducidade cuja duração é deixada à livre apreciação do juiz competente não é previsível na sua duração. Assim, uma disposição nacional que prevê tal prazo não assegura uma transposição efectiva da Directiva 89/665.
(cf. n.os 41‑43, disp.)
3. Com vista a cumprir os requisitos do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos procedimentos de recurso em matéria de celebração dos contratos de direito público de fornecimentos e de obras, conforme alterada pela Directiva 92/50, o órgão jurisdicional nacional no qual foi intentada uma acção na acepção deste artigo, deve, em toda a medida do possível, interpretar as disposições nacionais relativas ao prazo de propositura da acção de forma a assegurar que este prazo só corre a partir da data em que o demandante teve conhecimento ou deveria ter tido conhecimento da violação das regras aplicáveis à adjudicação do contrato público em causa.
Se as disposições nacionais não se prestarem a uma tal interpretação, este órgão jurisdicional é obrigado, utilizando, sendo caso disso, o seu poder discricionário, a prorrogar o prazo de propositura da acção de modo a garantir ao demandante um prazo equivalente àquele de que teria disposto se o prazo previsto pela regulamentação nacional aplicável tivesse corrido a partir da data em que teve conhecimento ou deveria ter tido conhecimento da violação das regras de adjudicação de contratos públicos.
Em qualquer caso, se as disposições nacionais relativas aos prazos de propositura da acção não forem susceptíveis de uma interpretação conforme com a Directiva 89/665, o órgão jurisdicional nacional deve afastar a sua aplicação, a fim de aplicar integralmente o direito comunitário e de proteger os direitos que este confere aos particulares.
(cf. n.os 47‑50, disp.)
Texto integral:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)
28 de Janeiro de 2010 (*)
No processo C‑406/08,
que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pela High Court of Justice (England & Wales), Queen's Bench Division (Reino Unido), por decisão de 30 de Julho de 2008, entrado no Tribunal de Justiça em 18 de Setembro de 2008, no processo
Uniplex (UK) Ltd
contra
NHS Business Services Authority,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),
composto por: J. N. Cunha Rodrigues (relator), presidente da Segunda Secção, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, P. Lindh, A. Rosas, U. Lõhmus e A. Ó Caoimh, juízes,
advogada‑geral: J. Kokott,
secretário: R. Şereş, administradora,
vistos os autos e após a audiência de 24 de Setembro de 2009,
vistas as observações apresentadas:
─ em representação da Uniplex (UK) Ltd, por M. Sheridan, barrister, e A. Stanic, solicitor,
─ em representação da NHS Business Services Authority, por R. Williams, barrister,
─ em representação do Governo do Reino Unido, por I. Rao, na qualidade de agente, assistida por K. Smith, barrister,
─ em representação do Governo alemão, por M. Lumma e J. Möller, na qualidade de agentes,
─ em representação da Irlanda, por D. O'Hagan, na qualidade de agente, assistido por A. Collins, SC,
─ em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por E. White e M. Konstantinidis, na qualidade de agentes,
ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 29 de Outubro de 2009,
profere o presente
Acórdão
1. O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação da Directiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos procedimentos de recurso em matéria de celebração dos contratos de direito público de fornecimentos e de obras (JO L 395, p. 33), conforme alterada pela Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992 (JO L 209, p. 1, a seguir «Directiva 89/665»), no que diz respeito à data a partir da qual começa a correr o prazo de recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos.
2. Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Uniplex (UK) Ltd (a seguir «Uniplex») à NHS Business Services Authority (a seguir «NHS») a propósito da celebração de um acordo‑quadro.
Quadro jurídico
Regulamentação comunitária
3. O artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665 determina:
«Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para garantir que, no que se refere aos processos de adjudicação abrangidos pelo âmbito de aplicação das Directivas 71/305/CEE [do Conselho, de 26 de Julho de 1971, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 185, p. 5; EE 17 F3 p. 9)], 77/62/CEE [do Conselho, de 21 de Dezembro de 1976, relativa à coordenação dos processos de celebração dos contratos de fornecimento de direito público (JO 1977, L 13, p. 1; EE 17 F1 p. 29),] e 92/50/CEE, [...] as decisões tomadas pelas entidades adjudicantes possam ser objecto de recursos eficazes e, sobretudo, tão rápidos quanto possível, nas condições previstas nos artigos seguintes e, [designadamente], no n.° 7 do artigo 2.°, com o fundamento de que essas decisões tenham violado o direito comunitário em matéria de contratos públicos ou as regras nacionais que transpõem esse direito.»
4. Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da Directiva 89/665:
«Os Estados‑Membros velarão por que as medidas tomadas para os efeitos dos recursos referidos no artigo 1.° prevejam os poderes que permitam:
a) Tomar o mais rapidamente possível, através de um processo de urgência, medidas provisórias destinadas a corrigir a alegada violação ou a impedir que sejam causados outros danos aos interesses em causa, incluindo medidas destinadas a suspender ou a fazer suspender o processo de adjudicação do contrato de direito público em causa ou a execução de qualquer decisão tomada pelas entidades adjudicantes;
b) Anular ou fazer anular as decisões ilegais, incluindo suprimir as especificações técnicas, económicas ou financeiras discriminatórias que constem dos documentos do concurso, dos cadernos de encargos ou de qualquer outro documento relacionado com o processo de adjudicação do contrato em causa;
c) Conceder indemnizações às pessoas lesadas por uma violação.»
5. O artigo 41.°, n.ºs 1 e 2, da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO L 134, p. 114), estabelece:
«1. As entidades adjudicantes informarão no mais breve prazo os candidatos e os proponentes das decisões tomadas relativamente à celebração de um acordo‑quadro, à adjudicação de um contrato ou à admissão num sistema de aquisição dinâmico, incluindo os motivos pelos quais tenham decidido renunciar à celebração de um acordo‑quadro ou à adjudicação de um contrato para o qual fora aberto concurso ou pelos quais tenham decidido recomeçar o processo, ou à implementação de um sistema de aquisição dinâmico; esta informação será dada por escrito se for feito um pedido nesse sentido às entidades adjudicantes.
2. As entidades adjudicantes comunicarão, a pedido do interessado:
─ aos candidatos excluídos, os motivos da exclusão da sua candidatura,
─ aos proponentes excluídos, os motivos da exclusão da sua proposta, incluindo, nos casos a que se referem os n.ºs 4 e 5 do artigo 23.°, os motivos da sua decisão de não equivalência ou da sua decisão de que a obra, o produto ou o serviço não corresponde ao desempenho ou não cumpre as exigências formais,
─ aos proponentes que tiverem apresentado uma proposta admissível, as características e vantagens relativas da proposta seleccionada, bem como o nome do adjudicatário ou das partes no acordo‑quadro.
As entidades adjudicantes prestarão estas informações no mais breve prazo, que não poderá em caso algum exceder 15 dias a contar da recepção de um pedido escrito.»
Legislação nacional
6. A Regulation 47(7)(b) do Regulamento relativo aos contratos públicos de 2006 (Public Contracts Regulations 2006, a seguir «Regulamento de 2006»), adoptada com vista a transpor a Directiva 89/665 para o direito interno, dispõe:
«Só podem ser instauradas acções judiciais ao abrigo deste artigo se:
[...]
b) a acção for instaurada prontamente e, em qualquer caso, no prazo de três meses a contar da primeira data em que se verificaram os fundamentos para a propositura da acção, salvo se o tribunal considerar que existem razões fundadas para prorrogar o prazo em que a acção pode ser proposta.»
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
7. A Uniplex, sociedade estabelecida no Reino Unido, é a distribuidora exclusiva nesse Estado‑Membro dos hemostáticos produzidos pela Gelita Medical BV, sociedade estabelecida nos Países Baixos.
8. A NHS pertence ao National Health Service, um serviço de saúde pública do Reino Unido pertencente ao Estado e explorado por este. Trata‑se de uma entidade adjudicante na acepção da Directiva 2004/18.
9. Em 26 de Março de 2007, a NHS abriu um concurso limitado para a celebração de um acordo‑quadro para o fornecimento de hemostáticos. Para o efeito, foi publicado um anúncio no Jornal Oficial da União Europeia de 28 de Março de 2007.
10. Em 13 de Junho de 2007, a NHS dirigiu um convite para apresentação de propostas a cinco dos fornecedores que haviam manifestado interesse no acordo‑quadro, entre os quais se contava a Uniplex. As propostas deviam ser apresentadas antes de 19 de Julho de 2007.
11. Os critérios de adjudicação e sua ponderação, enunciados no processo de anúncio de concurso enviado aos proponentes, eram o preço e outros factores de rentabilidade, 30%, a qualidade e a aceitação clínica, 30%, o apoio ao produto e a formação, 20%, o desempenho e a capacidade de fornecimento, 10%, a gama de produtos e o seu desenvolvimento, 5%, e o meio ambiente e o desenvolvimento durável, 5%.
12. A Uniplex apresentou a sua proposta em 18 de Julho de 2007.
13. Em 22 de Novembro de 2007, a NHS enviou à Uniplex uma carta em que indicava que tinha decidido celebrar um acordo‑quadro com três proponentes. A Uniplex foi informada de que com ela não seria celebrado um acordo‑quadro, dado ter obtido o menor número de pontos dos cinco proponentes que tinham sido convidados a apresentar propostas e o tinham feito. Esta carta recordava os critérios de atribuição e a ponderação correspondente, e comunicava os nomes dos proponentes seleccionados, o leque das notas atribuídas às propostas seleccionadas e a nota atribuída à proposta da Uniplex.
14. Segundo esta mesma carta, o leque das notas atribuídas às propostas seleccionadas situava‑se entre 905,5 e 971,5, ao passo que a nota atribuída à Uniplex era de 568.
15. A carta de 22 de Novembro de 2007 informava igualmente a Uniplex do seu direito de impugnar a decisão de celebrar o acordo‑quadro em causa, do período suspensivo obrigatório de 10 dias antes da celebração deste acordo, que se contava a partir da data de notificação desta decisão, e do seu direito a obter esclarecimentos suplementares.
16. A Uniplex solicitou esses esclarecimentos suplementares por correio electrónico de 23 de Novembro de 2007.
17. Por carta de 13 de Dezembro de 2007, a NHS forneceu informações mais pormenorizadas sobre a abordagem utilizada na avaliação dos critérios de adjudicação no que respeita às características e vantagens relativas das propostas acolhidas por comparação com a proposta da Uniplex.
18. Esta carta evidenciava designadamente que, por um lado, a Uniplex tinha recebido uma nota de zero quanto ao critério do preço e dos outros factores de rentabilidade, pois tinha apresentado os preços que constavam do seu catálogo. Todos os outros proponentes tinham apresentado reduções em relação aos seus preços de catálogo. Por outro lado, no âmbito do critério respeitante ao desempenho e à capacidade de fornecimento, todos os proponentes que ainda não exerciam actividade no mercado dos hemostáticos no Reino Unido receberam a nota de zero no que se refere ao subcritério relativo à base de clientela no Reino Unido.
19. Em 28 de Janeiro de 2008, a Uniplex enviou à NHS uma carta de interpelação em que invocava diversos incumprimentos do Regulamento de 2006. A Uniplex afirmava nessa carta que o prazo para a propositura da acção só tinha começado a correr em 13 de Dezembro de 2007. Solicitava à NHS uma resposta até 13 de Fevereiro de 2008, acrescentando contudo que, se a NHS entendesse que o prazo não tinha começado a correr naquela data, devia responder até 6 de Fevereiro de 2008, o mais tardar.
20. Por carta de 11 de Fevereiro de 2008, a NHS informou a Uniplex de que tinha havido uma alteração das circunstâncias. Verificara‑se que a proposta da Assut (UK) Ltd não era conforme, pelo que a B. Braun UK Ltd, que havia sido classificada em quarto lugar quando da avaliação das propostas, fora considerada parte no acordo‑quadro em substituição da Assut (UK) Ltd.
21. A NHS respondeu à carta de interpelação da Uniplex por carta de 13 de Fevereiro de 2008, refutando as várias acusações da Uniplex. Nesta carta, a NHS afirmou, a título liminar, que os factos na origem das queixas da Uniplex não tinham ocorrido posteriormente a 22 de Novembro de 2007, data em que a decisão de não seleccionar a Uniplex para o acordo‑quadro lhe fora comunicada. A NHS alegou que o dia 22 de Novembro de 2007 foi a data a partir da qual começou a correr o prazo para efeitos da Regulation 47(7)(b) do Regulamento de 2006.
22. A Uniplex respondeu por carta de 26 de Fevereiro de 2008. Nesta carta, continuou a sustentar que, nos termos do Regulamento de 2006, o prazo para propositura da acção só teve início em 13 de Dezembro de 2007.
23. Em 12 de Março de 2008, a Uniplex propôs uma acção na High Court of Justice (England & Wales), Queen's Bench Division, para obter a declaração de que a NHS violara as regras aplicáveis em matéria de contratos públicos e o pagamento de uma indemnização.
24. A High Court of Justice (England & Wales), Queen's Bench Division, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«Se, numa acção judicial instaurada num órgão jurisdicional nacional, um operador económico impugnar a atribuição de um acordo‑quadro, por uma entidade adjudicante, na sequência de um procedimento de contratação pública no âmbito do qual esse operador apresentou uma proposta e que tinha de ser realizado nos termos da Directiva 2004/18 (e das disposições nacionais de execução aplicáveis), e o mesmo operador pedir a declaração de que foram violadas as disposições aplicáveis em matéria de contratos públicos e o ressarcimento do dano daí resultante, relativamente a este procedimento e a esta atribuição:
1) uma disposição nacional como [a Regulation 47(7)(b)] do [R]egulamento de 2006, que dispõe que essa acção judicial deve ser instaurada prontamente e, em qualquer caso, no prazo de três meses a contar da primeira data em que ocorreram os factos que servem de fundamento à sua propositura, salvo se o tribunal considerar que existem razões fundadas para prorrogar esse prazo, deve ser interpretada, à luz dos artigos 1.° e 2.° da Directiva 89/665, do princípio de direito comunitário da equivalência, da exigência de direito comunitário de tutela jurisdicional efectiva e/ou do princípio da eficácia, e atendendo também a quaisquer outros princípios relevantes do direito comunitário, no sentido de que confere ao proponente um direito subjectivo e incondicional contra a entidade adjudicante, pelo que o prazo para a propositura da acção de impugnação do processo de concurso e da atribuição começa a correr na data em que o proponente teve ou devia ter tido conhecimento de que o processo de contratação e a adjudicação do contrato violava as regras comunitárias na matéria ou na data da violação das disposições aplicáveis?; e
2) em qualquer desses casos, como deve então um órgão jurisdicional nacional aplicar i) a exigência de que uma acção seja instaurada prontamente e ii) o poder de apreciação quanto à prorrogação do prazo de caducidade nacional para a propositura dessa acção?»
Quanto às questões prejudiciais
Quanto à primeira questão
25. Através da primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se o artigo 1.° da Directiva 89/665 exige que o prazo para propor uma acção para obter a declaração da violação das regras de adjudicação de contratos públicos ou para obter uma indemnização pela violação destas regras corre a partir da data da violação das referidas regras ou a partir da data em que o demandante teve conhecimento ou deveria ter tido conhecimento dessa violação.
26. A Directiva 89/665 tem por objectivo garantir a existência de vias de recurso eficazes em caso de violação do direito comunitário em matéria de contratos públicos ou das normas nacionais de transposição desse direito, a fim de garantir a aplicação efectiva das directivas relativas à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de direito público. Não inclui, todavia, qualquer disposição que se refira especificamente às condições de prazo dos recursos que visa instituir. Cabe, portanto, ao ordenamento jurídico interno de cada Estado‑Membro definir essas condições de prazo (acórdão de 12 de Dezembro de 2002, Universale‑Bau e o., C‑470/99, Colect., p. I‑11617, n.° 71).
27. As regras processuais em matéria de recursos contenciosos destinadas a garantir a protecção dos direitos conferidos pelo direito comunitário aos candidatos e aos proponentes lesados por decisões das entidades adjudicantes não devem pôr em causa o efeito útil da Directiva 89/665 (acórdão Universale‑Bau e o., já referido, n.° 72).
28. Importa, portanto, verificar se, atenta a finalidade dessa directiva, uma regulamentação nacional como a que está em questão no processo principal não põe em causa os direitos conferidos aos particulares pelo direito comunitário (acórdão Universale‑Bau e o., já referido, n.° 73).
29. A este respeito, importa recordar que o artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665 impõe aos Estados‑Membros a obrigação de garantirem que as decisões ilegais das entidades adjudicantes possam ser objecto de recursos eficazes e tão rápidos quanto possível (acórdão Universale‑Bau e o., já referido, n.° 74).
30. Ora, o facto de um candidato ou um proponente tomar conhecimento de que a sua candidatura ou a sua proposta foi recusada não lhe permite propor efectivamente uma acção. Tais informações são insuficientes para permitir a um candidato ou proponente discernir a existência eventual de uma ilegalidade susceptível de ser objecto de uma acção.
31. Só após o candidato ou o proponente em causa ter sido informado dos motivos pelos quais foi afastado do processo de adjudicação de um contrato é que lhe é possível formar uma convicção esclarecida acerca da eventual existência de uma violação das disposições aplicáveis e sobre a oportunidade de propor uma acção.
32. Por conseguinte, o objectivo fixado no artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665, de garantir a existência de recursos eficazes contra as violações das disposições aplicáveis em matéria de adjudicação de contratos públicos, só pode ser alcançado se os prazos impostos para interpor estes recursos começarem a correr a partir da data em que a demandante teve conhecimento ou deveria ter tido conhecimento da alegada violação das referidas disposições (v., neste sentido, acórdão Universale‑Bau e o., já referido, n.° 78).
33. Esta conclusão é confirmada pelo facto de o artigo 41.°, n.ºs 1 e 2, da Directiva 2004/18, que estava em vigor à data dos factos do processo principal, impor às entidades adjudicantes a informação aos candidatos e aos proponentes preteridos dos motivos da decisão relativa aos mesmos. Tais disposições são coerentes com um regime de prazos de caducidade nos termos do qual estes prazos correm a partir da data em que o demandante teve conhecimento ou deveria ter tido conhecimento da alegada violação das disposições aplicáveis em matéria de adjudicação de contratos públicos.
34. Esta mesma conclusão é igualmente apoiada pelas alterações efectuadas à Directiva 89/665 pela Directiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2007, que altera as Directivas 89/665/CEE e 92/13/CEE do Conselho no que diz respeito à melhoria da eficácia do recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos (JO L 335, p. 31), embora o prazo de transposição desta directiva só tenha terminado após a ocorrência dos factos do processo principal. Com efeito, o artigo 2.°‑C da Directiva 89/665, inserido pela Directiva 2007/66, determina que a decisão da entidade adjudicante é comunicada a cada um dos proponentes ou candidatos, acompanhada de uma exposição sintética dos motivos relevantes, e que os prazos para interpor recurso só terminam após um certo número de dias seguinte a esta comunicação.
35. Há, portanto, que responder à primeira questão no sentido de que o artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665 exige que o prazo para propor uma acção para obter uma declaração de violação das regras de adjudicação de contratos públicos ou para obter uma indemnização pela violação destas regras corre a partir da data em que o demandante teve conhecimento ou deveria ter tido conhecimento dessa violação.
Quanto à segunda questão
36. A segunda questão compreende duas partes. A primeira diz respeito à interpretação da Directiva 89/665 em relação a um requisito, imposto pela regulamentação nacional, segundo o qual a acção deve ser instaurada prontamente. A segunda refere‑se aos efeitos que decorrem desta directiva quanto ao poder de apreciação reconhecido ao juiz nacional para prorrogar os prazos de recurso.
Quanto à primeira parte da segunda questão
37. Com a primeira parte da segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a Directiva 89/665 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma disposição, como a Regulation 47(7)(b) do Regulamento de 2006, que exige que uma acção seja instaurada prontamente.
38. Como se recordou no n.° 29 do presente acórdão, o artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665 impõe aos Estados‑Membros a obrigação de garantirem que as decisões das entidades adjudicantes possam ser objecto de recursos eficazes e tão rápidos quanto possível. Para realizar o objectivo de celeridade prosseguido por esta directiva, os Estados‑Membros podem impor prazos de recurso com vista a obrigar os operadores a contestar rapidamente medidas preparatórias ou decisões interlocutórias adoptadas no âmbito de um processo de adjudicação de um contrato (v., neste sentido, acórdãos Universale‑Bau e o., já referido, n.ºs 75 a 79; de 12 de Fevereiro de 2004, Grossmann Air Service, C‑230/02, Colect., p. I‑1829, n.ºs 30 e 36 a 39; e de 11 de Outubro de 2007, Lämmerzahl, C‑241/06, Colect., p. I‑8415, n.ºs 50 e 51).
39. O objectivo de celeridade prosseguido pela Directiva 89/665 deve ser realizado em direito nacional no respeito das exigências de segurança jurídica. Para esse fim, os Estados‑Membros têm a obrigação de instituir um regime de prazos suficientemente preciso, claro e previsível para permitir aos particulares conhecerem os seus direitos e obrigações (v., neste sentido, acórdãos de 30 de Maio de 1991, Comissão/Alemanha, C‑361/88, Colect., p. I‑2567, n.° 24, e de 7 de Novembro de 1996, Comissão/Luxemburgo, C‑221/94, Colect., p. I‑5669, n.° 22).
40. Além disso, o objectivo de celeridade prosseguido pela Directiva 89/665 não permite aos Estados‑Membros abstrair do princípio da efectividade, segundo o qual as regras de aplicação dos prazos de caducidade nacionais não devem tornar impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos que o direito comunitário confira aos interessados, princípio que está subjacente ao objectivo da eficácia do recurso explicitado no artigo 1.°, n.° 1, da referida directiva.
41. Uma disposição nacional, como a Regulation 47(7)(b) do Regulamento de 2006, segundo a qual só podem ser instauradas acções se «a acção for instaurada prontamente e, em qualquer caso, no prazo de três meses», comporta uma incerteza. Com efeito, não se pode excluir que esta disposição autorize os órgãos jurisdicionais nacionais a julgarem uma acção inadmissível por caducidade antes mesmo do termo do prazo de três meses, se entenderem que a acção não foi instaurada «prontamente» na acepção desta disposição.
42. Como referiu a advogada‑geral no n.° 69 das suas conclusões, um prazo de caducidade cuja duração é deixada à livre apreciação do juiz competente não é previsível na sua duração. Assim, uma disposição nacional que prevê tal prazo não assegura uma transposição efectiva da Directiva 89/665.
43. Resulta das considerações precedentes que há que responder à primeira parte da segunda questão no sentido de que o artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665 opõe‑se a uma disposição nacional, como a que está em causa no processo principal, que permite a um órgão jurisdicional nacional julgar inadmissível por caducidade uma acção para obter uma declaração de violação das regras de adjudicação de contratos públicos ou para obter uma indemnização pela violação destas regras em aplicação do critério, apreciado de forma discricionária, segundo o qual tais acções devem ser instauradas prontamente.
Quanto à segunda parte da segunda questão
44. Com a segunda parte da segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, no essencial, saber que efeitos decorrem da Directiva 89/665 quanto a um poder de apreciação reconhecido ao juiz nacional para prorrogar os prazos de recurso.
45. No quadro das disposições nacionais que transpõem uma directiva, os órgãos jurisdicionais nacionais são obrigados a interpretar estas disposições nacionais, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da directiva em causa, para atingir o resultado por ela prosseguido (v. acórdãos de 10 de Abril de 1984, von Colson e Kamann, 14/83, Recueil, p. 1891, n.° 26, e de 5 de Outubro de 2004, Pfeiffer e o., C‑397/01 a C‑403/01, Colect., p. I‑8835, n.° 113).
46. No caso em apreço, cabe ao órgão jurisdicional nacional dar às disposições internas que instituem o prazo de caducidade, em toda a medida do possível, uma interpretação em conformidade com o objectivo da Directiva 89/665 (v., neste sentido, acórdãos de 27 de Fevereiro de 2003, Santex, C‑327/00, Colect., p. I‑1877, n.° 63, e Lämmerzahl, já referido, n.° 62).
47. Com vista a cumprir os requisitos contidos na resposta dada à primeira questão, o órgão jurisdicional nacional deve, em toda a medida do possível, interpretar as disposições nacionais relativas ao prazo de propositura da acção de forma a assegurar que este prazo só corre a partir da data em que o demandante teve conhecimento ou deveria ter tido conhecimento da violação das regras aplicáveis à adjudicação do contrato público em causa.
48. Se as disposições nacionais em causa não se prestarem a uma tal interpretação, este órgão jurisdicional é obrigado, utilizando o seu poder discricionário, a prorrogar o prazo de propositura da acção de modo a garantir ao demandante um prazo equivalente àquele de que teria disposto se o prazo previsto pela regulamentação nacional aplicável tivesse corrido a partir da data em que teve conhecimento ou deveria ter tido conhecimento da violação das regras de adjudicação de contratos públicos.
49. Em qualquer caso, se as disposições nacionais relativas aos prazos de propositura da acção não forem susceptíveis de uma interpretação conforme com a Directiva 89/665, o órgão jurisdicional nacional deve afastar a sua aplicação, a fim de aplicar integralmente o direito comunitário e de proteger os direitos que este confere aos particulares (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Santex, n.° 64, e Lämmerzahl, n.° 63).
50. Por conseguinte, há que responder à segunda parte da segunda questão que a Directiva 89/665 obriga o órgão jurisdicional nacional a prorrogar, utilizando o seu poder discricionário, o prazo de propositura da acção de modo a garantir ao demandante um prazo equivalente àquele de que teria disposto se o prazo previsto pela regulamentação nacional aplicável tivesse corrido a partir da data em que teve conhecimento ou deveria ter tido conhecimento da violação das regras de adjudicação de contratos públicos. Se as disposições nacionais relativas aos prazos de propositura da acção não forem susceptíveis de uma interpretação em conformidade com a Directiva 89/665, o órgão jurisdicional nacional deve afastar a sua aplicação, a fim de aplicar integralmente o direito comunitário e de proteger os direitos que este confere aos particulares.
Quanto às despesas
51. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:
1) O artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos procedimentos de recurso em matéria de celebração dos contratos de direito público de fornecimentos e de obras, conforme alterada pela Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, exige que o prazo para propor uma acção para obter uma declaração de violação das regras de adjudicação de contratos públicos ou para obter uma indemnização pela violação destas regras corre a partir da data em que o demandante teve conhecimento ou deveria ter tido conhecimento dessa violação.
2) O artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 89/665, conforme alterada pela Directiva 92/50, opõe‑se a uma disposição nacional, como a que está em causa no processo principal, que permite a um órgão jurisdicional nacional julgar inadmissível por caducidade uma acção para obter uma declaração de violação das regras de adjudicação de contratos públicos ou para obter uma indemnização pela violação destas regras em aplicação do critério, apreciado de forma discricionária, segundo o qual tais acções devem ser instauradas prontamente.
3) A Directiva 89/665, conforme alterada pela Directiva 92/50, obriga o órgão jurisdicional nacional a prorrogar, utilizando o seu poder discricionário, o prazo de propositura da acção de modo a garantir ao demandante um prazo equivalente àquele de que teria disposto se o prazo previsto pela regulamentação nacional aplicável tivesse corrido a partir da data em que teve conhecimento ou deveria ter tido conhecimento da violação das regras de adjudicação de contratos públicos. Se as disposições nacionais relativas aos prazos de propositura da acção não forem susceptíveis de uma interpretação em conformidade com a Directiva 89/665, conforme alterada pela Directiva 92/50, o órgão jurisdicional nacional deve afastar a sua aplicação, a fim de aplicar integralmente o direito comunitário e de proteger os direitos que este confere aos particulares.
Assinaturas
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(*) Língua do processo: inglês.