Processo C‑237/05
Comissão das Comunidades Europeias
contra
República Helénica
«Incumprimento de Estado - Directiva 92/50/CEE - Contratos públicos de serviços - Serviços de assistência aos agricultores relativos a 2001 - Regulamento (CEE) n.° 3508/92 - Execução, na Grécia, do sistema integrado de gestão e de controlo (SIGC) - Inexistência de concurso - Inadmissibilidade da acção»
Sumário do acórdão:
Em matéria de adjudicação de contratos de direito público, uma acção por incumprimento é inadmissível se, à data do termo do prazo fixado no parecer fundamentado, todos os efeitos do contrato em questão tiverem já cessado (cfr. n.º 29).
Texto integral:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)
11 de Outubro de 2007 (*)
No processo C‑237/05,
que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 30 de Maio de 2005,
Comissão das Comunidades Europeias, representada por M. Patakia e X. Lewis, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo, demandante,
contra
República Helénica, representada por G. Kanellopoulos e S. Charitaki, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo, demandada,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),
composto por: C. W. A. Timmermans (relator), presidente de secção, G. Arestis, L. Bay Larsen, R. Schintgen e P. Kūris, juízes,
advogado‑geral: P. Mengozzi,
secretário: L. Hewlett, administradora principal,
vistos os autos e após a audiência de 14 de Setembro de 2006,
ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 15 de Fevereiro de 2007,
profere o presente
Acórdão
1. Na petição inicial, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal que declare que a República Helénica, devido à prática seguida pelas autoridades competentes nas operações de elaboração e recolha dos pedidos e das declarações dos produtores de cereais e outros no âmbito do sistema integrado de gestão e de controlo, para o ano de 2001, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209, p. 1), na redacção dada pela Directiva 97/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 1997 (JO L 328, p. 1, a seguir «Directiva 92/50»), nomeadamente por força dos artigos 3.°, n.° 2, 7.°, 11.°, n.° 1, e 15.°, n.° 2, dessa directiva, bem como do princípio geral da transparência.
Quadro jurídico
Directiva 92/50
2. Nos termos do artigo 1.º, alínea a), da Directiva 92/50, «[o]s contratos públicos de serviços são contratos a título oneroso celebrados por escrito entre um prestador de serviços e uma entidade adjudicante», com excepção dos contratos enumerados nessa mesma disposição, nas alíneas i) a ix).
3. O artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, da referida directiva dispõe:
«1. Na adjudicação dos seus contratos públicos de prestação de serviços, ou na organização de concursos para trabalhos de concepção, as entidades adjudicantes aplicarão procedimentos adaptados ao disposto na presente directiva.
2. As entidades adjudicantes assegurarão que não se verifique qualquer discriminação entre os vários prestadores de serviços.»
4. Nos termos do artigo 7.º, n.º 1, alínea a), da Directiva 92/50:
«1. a) A presente directiva é aplicável:
─ [...] aos contratos públicos de serviços que tenham por objecto serviços incluídos no anexo I B, [...] adjudicados pelas entidades adjudicantes referidas na alínea b) do artigo 1.º, cujo valor estimado, sem imposto sobre o valor acrescentado (IVA), seja igual ou superior a 200 000 ecus,
─ aos contratos públicos de serviços que tenham por objecto os serviços enumerados no anexo I A, [...]:
i) adjudicados pelas entidades adjudicantes enumeradas no anexo I da Directiva 93/36/CEE, cujo valor estimado, sem IVA, seja igual ou superior ao equivalente em ecus a 130 000 direitos de saque especiais (DSE),
ii) adjudicados pelas entidades adjudicantes referidas na alínea b) do artigo 1.º que não se encontrem referidas no anexo I da Directiva 93/36/CEE, cujo valor estimado, sem IVA, seja igual ou superior ao equivalente em ecus a 200 000 DSE.»
5. Nos termos do artigo 8.º da Directiva 92/50, «[o]s contratos que tenham por objecto serviços enumerados no anexo I A serão celebrados de acordo com o disposto nos títulos III a VI» dessa mesma directiva.
6. O artigo 9.º da referida directiva dispõe:
«Os contratos que tenham por objecto serviços enumerados no anexo I B serão celebrados de acordo com o disposto nos artigos 14.º e 16.º»
7. O artigo 11.º, n.º 1, da mesma directiva prevê que, na celebração de contratos públicos de serviços, as entidades adjudicantes aplicarão os procedimentos de concurso público, concurso limitado ou por negociação definidos no artigo 1.º, alíneas d), e) e f), dessa directiva.
8. Nos termos do artigo 15.º, n.º 2, da Directiva 92/50:
«As entidades adjudicantes que pretendam adjudicar um contrato público de serviços através de um concurso público, de um concurso limitado ou, nas condições definidas no artigo 11.º, de um procedimento por negociação darão a conhecer a sua intenção através de um anúncio.»
Regulamento (CE) n.º 3508/92
9. Resulta dos terceiro e quarto considerandos do Regulamento (CEE) n.º 3508/92 do Conselho, de 27 de Novembro de 1992, que estabelece um sistema integrado de gestão e de controlo relativo a determinados regimes de ajudas comunitários (JO L 355, p. 1), na redacção dada pelo Regulamento (CE) n.º 1593/2000 do Conselho, de 17 de Julho de 2000 (JO L 182, p. 4, a seguir «Regulamento n.º 3508/92»), que, no âmbito da reforma da política agrícola comum e com o objectivo de adaptar os mecanismos de gestão e de controlo à nova situação, bem como de reforçar a eficácia e a rentabilidade desses mecanismos, é necessário criar um novo sistema integrado de gestão e de controlo de determinados regimes de ajudas comunitários que abranja os regimes de apoio financeiro nos sectores das culturas arvenses e nos da carne de bovino, de ovino e de caprino (a seguir «SIGC»).
10. O artigo 2.º do Regulamento n.º 3508/92 dispõe:
«O [SIGC] inclui os seguintes elementos:
a) Uma base de dados informatizada;
b) Um sistema de identificação das parcelas agrícolas;
c) Um sistema de identificação e registo dos animais;
d) Pedidos de ajuda;
e) Um sistema integrado de controlo.»
11. Nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do referido regulamento:
«Na base de dados informatizada serão registados, em relação a cada exploração agrícola, os dados constantes dos pedidos de ajuda. Esta base de dados deve nomeadamente permitir a consulta directa e imediata, junto da autoridade competente do Estado‑Membro, dos dados relativos, pelo menos, aos três últimos anos civis e/ou campanhas consecutivas.»
12. O artigo 4.º do mesmo regulamento prevê:
«É instituído um sistema de identificação das parcelas agrícolas com base em mapas e documentos cadastrais ou outras referências cartográficas. Devem ser utilizadas as técnicas de um sistema de informação geográfica informatizado incluindo de preferência uma cobertura por orto-imagens aéreas ou espaciais, com um padrão homogéneo que garanta um rigor pelo menos equivalente ao da cartografia à escala de 1:10 000.»
13. Nos termos do artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3508/92:
«Para poder beneficiar de um ou mais regimes comunitários sujeitos ao disposto no presente regulamento, cada agricultor apresentará, em relação a cada ano, um pedido de ajudas ‘superfícies' em que se indiquem:
─ as parcelas agrícolas, incluindo as superfícies forrageiras, as parcelas agrícolas sujeitas a uma medida de retirada de terras para culturas arvenses e as parcelas deixadas em pousio,
─ eventualmente, quaisquer outras informações necessárias, quer as previstas nos regulamentos relativos aos regimes comunitários quer as previstas pelo Estado‑Membro em questão.»
14. O artigo 7.º do referido regulamento tem a seguinte redacção:
«O [SIGC] incidirá sobre a totalidade dos pedidos de ajuda apresentados, nomeadamente no que se refere aos controlos administrativos, aos controlos no local e, eventualmente, às verificações por teledetecção aérea ou espacial.»
Antecedentes do litígio e fase pré‑contenciosa
15. A Comissão recebeu uma denúncia relativa à alegada ilegalidade, face à Directiva 92/50, de um acordo‑quadro e de contratos para a sua execução, relativos à prestação de determinados serviços no âmbito da execução do SIGC na Grécia, em 2001.
16. O referido acordo‑quadro foi celebrado em 20 de Fevereiro de 2001 entre o Ministério do Interior, Administração Pública e Descentralização, o Ministério da Agricultura, a União das Administrações Autárquicas da Grécia e a Confederação Pan‑Helénica das Uniões de Cooperativas Agrícolas (a seguir «acordo‑quadro»).
17. O acordo‑quadro tinha por objecto a coordenação, pela referida confederação, dos serviços seguintes, cuja execução era confiada aos membros dessa confederação, nomeadamente as Uniões Locais de Cooperativas Agrícolas (a seguir as «UCA»):
─ informar os agricultores da adopção dos novos formulários para os pedidos e para as declarações das explorações e das culturas agrícolas, que servirão para alimentar a nova base de dados, no âmbito do SIGC;
─ a prestação de assistência, por parte dessas uniões, no sentido de garantir o registo correcto e em tempo útil dos dados fornecidos pelos agricultores nos respectivos formulários. Este serviço inclui, nomeadamente, a prestação de assistência técnica aos agricultores para a identificação das superfícies cultivadas e florestais em orto‑imagens, fotografias aéreas ou cartas topográficas;
─ recolher os formulários e enviá‑los, sob forma escrita ou electrónica, à autoridade regional competente.
18. O acordo‑quadro previa, para esse efeito, a celebração de contratos de execução entre as administrações distritais e as UCA ao nível de cada circunscrição territorial. Subsequentemente, esses contratos foram efectivamente celebrados (a seguir «contratos controvertidos»).
19. Por ofício de 18 de Dezembro de 2002, a Comissão notificou a República Helénica para apresentar as suas observações sobre a acusação de que esta não respeitara o disposto na Directiva 92/50, nomeadamente o seu artigo 3.º, n.º 2, nem o princípio da não discriminação, ao adjudicar directamente e sem publicidade prévia os serviços em causa às UCA.
20. Por considerar que as observações apresentadas pela República Helénica em resposta ao referido ofício não eram suficientes, a Comissão emitiu, em 19 de Dezembro de 2003, um parecer fundamentado em que convidava esse Estado‑Membro a tomar as medidas necessárias para dar cumprimento ao referido parecer no prazo de dois meses a contar da sua notificação.
21. Como a resposta da República Helénica ao parecer fundamentado não convenceu a Comissão, esta decidiu propor a presente acção.
Quanto à admissibilidade da acção
22. A República Helénica suscita a excepção de inadmissibilidade da acção da Comissão, com fundamento na falta de interesse desta em agir e na inexistência de objecto da acção.
23. A este respeito, o referido Estado‑Membro sustenta, em primeiro lugar, que tomou as medidas necessárias para fazer cessar o referido incumprimento e que este já não existia à data do termo do prazo fixado no parecer fundamentado para lhe dar cumprimento, porquanto:
─ durante 2003, não houve adjudicações directas dos serviços em causa e a possibilidade de concorrer à adjudicação também foi dada a outras entidades diversas das UCA;
─ as autoridades helénicas comprometeram‑se, mediante a declaração oficial n.º 5767 do secretário‑geral do Ministério da Agricultura, de 6 de Novembro de 2003, «a recorrer, se necessário, à abertura de concursos para a adjudicação dos contratos públicos de serviços em causa, sob reserva, naturalmente, de esses serviços estarem abrangidos, total ou parcialmente, pelo anexo I A da Directiva 92/50».
24. Em segundo lugar, a República Helénica alega que, à data do termo do prazo que lhe tinha sido fixado para dar cumprimento ao parecer fundamentado, o alegado incumprimento, referente apenas a 2001, já tinha deixado de existir e já tinham cessado todos os seus efeitos.
25. A Comissão responde que é necessária a declaração do incumprimento imputado, pois não está minimamente assegurada a aplicação eficaz e correcta da Directiva 92/50, nem no presente litígio, relativo a 2001, nem no futuro.
26. Antes de mais, a declaração n.º 5767 não só é insuficiente, uma vez que não é juridicamente vinculativa, mas também é vaga, devido ao uso da expressão «se necessário».
27. Depois, a discordância que persiste entre a República Helénica e a Comissão, relativamente à unicidade dos contratos controvertidos e à inclusão dos serviços em causa no anexo I A da Directiva 92/50, está longe de ser teórica e implica o risco de reincidência por parte do referido Estado-Membro.
28. Por último, nada garante que a Directiva 92/50 será correctamente aplicada no futuro, uma vez que, nos anos posteriores a 2001, os referidos serviços também foram adjudicados directamente às UCA.
29. A este respeito, recorde‑se que, em matéria de adjudicação de contratos de direito público, o Tribunal de Justiça declarou que uma acção por incumprimento é inadmissível se, à data do termo do prazo fixado no parecer fundamentado, todos os efeitos do contrato em questão tiverem já cessado (acórdãos de 31 de Março de 1992, Comissão/Itália, C‑362/90, Colect., p. I‑2353, n.ºs 11 e 13, e de 2 de Junho de 2005, Comissão/Grécia, C-394/02, Colect., p. I‑4713, n.º 18).
30. Por conseguinte, há que verificar se, à data do termo do prazo fixado no parecer fundamentado, concretamente 19 de Fevereiro de 2004, os contratos controvertidos continuavam a ser executados, pelos menos parcialmente, ou se, pelo contrário, os trabalhos de assistência para os quais esses contratos tinham sido celebrados já se encontravam totalmente concluídos nessa data e, portanto, todos os efeitos destes últimos já tinham cessado nessa data.
31. No caso vertente, o incumprimento imputado pela Comissão diz respeito, como resulta expressamente do pedido formulado na petição inicial, aos serviços de assistência prestados pelas UCA no âmbito da execução do SIGC apenas no ano de 2001, tal como esses serviços são definidos nos contratos controvertidos celebrados para execução do acordo‑quadro relativamente a esse mesmo ano. Na audiência, a Comissão confirmou que a sua acção se limita apenas ao ano de 2001.
32. Os trabalhos de assistência previstos nos contratos controvertidos dizem respeito à preparação dos pedidos de ajudas apresentados pelos agricultores para o registo dos dados constantes desses pedidos na base de dados do SIGC, conforme o disposto no artigo 3.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3508/92. Esses pedidos devem ser apresentados todos os anos, de modo a permitirem o pagamento das ajudas para o ano em causa. Trata‑se, pois, essencialmente de serviços que se reportam a um exercício anual encerrado com o pagamento das ajudas concedidas.
33. A este respeito, importa salientar que o artigo 5.°, n.º 1, do acordo‑quadro, disposição que consta de cada um dos contratos controvertidos, prevê que estes entram em vigor no dia da respectiva assinatura e cessam quando a totalidade das ajudas financeiras tiverem sido pagas aos agricultores que apresentaram o respectivo pedido.
34. Ora, a Comissão não logrou infirmar a tese da República Helénica, cujo representante afirmou na audiência que o pagamento das ajudas relativas a 2001 tinha sido totalmente efectuado durante o ano seguinte, isto é, muito antes do termo do prazo fixado no parecer fundamentado.
35. Na falta de indicações contrárias por parte da Comissão, há que concluir, pois, que, à data do termo do prazo fixado no parecer fundamentado, já tinham cessado todos os efeitos do acordo‑quadro e dos contratos controvertidos relativos à sua execução em 2001.
36. Na audiência, a Comissão sustentou que, ao contrário da infracção em causa no processo que deu origem ao acórdão Comissão/Itália, já referido, o incumprimento objecto do presente processo, concretamente a adjudicação directa e sem publicidade prévia dos serviços de assistência em causa às UCA, se repetiu nos anos posteriores a 2001, ou seja, antes da propositura da presente acção.
37. Refira‑se, a este respeito, que a Comissão não logrou infirmar as informações da República Helénica de que, durante os referidos anos, esses serviços de assistência foram prestados no âmbito de um procedimento radicalmente diferente do observado em 2001.
38. Em particular, a Comissão não logrou pôr em causa a afirmação do representante da República Helénica, que na audiência sustentou, com fundamento em documentos concordantes apresentados por esse governo em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça para esse efeito, que nos anos posteriores a 2001 não foi prevista, no Orçamento de Estado, nenhuma remuneração a pagar como contrapartida dos serviços prestados pelas UCA, que passaram a ser pagas por cada agricultor em função do serviço prestado.
39. Daqui decorre que, face aos elementos apresentados ao Tribunal, a Comissão não logrou fazer prova bastante de que o incumprimento que imputou à República Helénica relativamente a 2001 se repetiu nos anos posteriores.
40. Por último, quanto ao argumento da Comissão de que a acção é admissível devido à persistência de um conflito entre esta e a República Helénica relativamente à interpretação da Directiva 92/50, face às características específicas dos contratos públicos em causa, basta observar que, só por si, essa circunstância não é susceptível de tornar a acção admissível.
41. Nestes termos, há que julgar inadmissível a acção proposta pela Comissão.
Quanto às despesas
42. Por força do disposto no artigo 69,°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a República Helénica pedido a condenação da Comissão e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:
1) A acção é julgada inadmissível.
2) A Comissão das Comunidades Europeias é condenada nas despesas.
Assinaturas
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(*) Língua do processo: grego.