Processo C‑299/08
Comissão Europeia
contra
República Francesa
«Incumprimento de Estado - Directiva 2004/18/CE - Procedimentos de adjudicação de contratos públicos - Legislação nacional que prevê um procedimento único para a adjudicação do contrato de definição das necessidades e do respectivo contrato de execução - Compatibilidade com a referida directiva»
Sumário do acórdão:
Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do disposto nos artigos 2.° e 28.° da Directiva 2004/18, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, um Estado‑Membro que adopta e mantém em vigor disposições que prevêem um procedimento de contratos de definição que permite que uma entidade adjudicante adjudique um contrato de execução (de serviços, de fornecimentos ou de empreitadas de obras públicas) a um dos titulares dos mercados de definição iniciais, através da abertura de um concurso limitado a esses titulares.
Com efeito, segundo o referido artigo 28.°, as entidades adjudicantes estão obrigadas a celebrar os seus contratos públicos, recorrendo a concursos públicos ou limitados ou, nas circunstâncias específicas expressamente previstas no artigo 29.° da Directiva 2004/18, ao diálogo concorrencial, ou ainda, nas circunstâncias específicas expressamente previstas nos artigos 30.° e 31.° desta, a um procedimento por negociação. Esta directiva não autoriza a adjudicação de contratos públicos através de outros procedimentos.
Além disso, o referido procedimento dos contratos de definição não é conforme com o artigo 2.° da Directiva 2004/18. Com efeito, tem por objecto a adjudicação de dois tipos de contratos, a saber, os contratos de definição e os contratos de execução, sendo estes últimos adjudicados após uma abertura de concurso limitada apenas aos titulares dos primeiros. Por este motivo, os operadores económicos que pudessem estar interessados em participar nos contratos de execução, mas que não são titulares de um dos contratos de definição, são tratados de forma discriminatória relativamente àqueles titulares, o que contraria o princípio da igualdade, enunciado como princípio da adjudicação dos contratos no artigo 2.° da Directiva 2004/18.
Por outro lado, tanto o princípio da igualdade de tratamento como a obrigação de agir de forma transparente dele decorrente exigem que o objecto de cada contrato e que os critérios da sua adjudicação sejam definidos de forma clara. A este respeito, os contratos de definição e os contratos de execução têm, por natureza, objectos diferentes, a saber, por um lado, um trabalho de estudo, de concepção e de especificação das necessidades da entidade adjudicante e, por outro, a prestação efectiva dos fornecimentos ou dos serviços, ou a realização de obras públicas previamente definidas. Ora, no decurso do referido procedimento dos contratos de definição, não está garantido que, em todos os casos, o objecto e os critérios de adjudicação tanto dos contratos de definição como do contrato de execução possam ser definidos desde o início do procedimento.
(cf. n.os 29, 40‑41, 43‑45 e disp.)
Texto integral:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)
10 de Dezembro de 2009 (*)
No processo C‑299/08,
que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 4 de Julho de 2008,
Comissão Europeia, representada inicialmente por D. Kukovec e G. Rozet e, em seguida, por este último e M. Konstantinidis, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo, demandante,
contra
República Francesa, representada por G. de Bergues, J.‑C. Gracia e J.‑S. Pilczer, na qualidade de agentes, demandada,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),
composto por: J. N. Cunha Rodrigues (relator), presidente da Segunda Secção, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, P. Lindh, A. Rosas, U. Lõhmus e A. Arabadjiev, juízes,
advogado‑geral: J. Mazák,
secretário: R. Şereş, administradora,
vistos os autos e após a audiência de 10 de Junho de 2009,
ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 22 de Setembro de 2009,
profere o presente
Acórdão
1. Na sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao ter adoptado e mantido em vigor os artigos 73.° e 74.°‑IV do Código dos Contratos Públicos adoptado pelo Decreto n.° 2006‑975, de 1 de Agosto de 2006 (JORF de 4 de Agosto de 2006, p. 11627), na parte em que estas disposições prevêem um procedimento de contratos de definição que permite a uma entidade adjudicante adjudicar um contrato de execução (de serviços, de fornecimentos ou de empreitadas de obras públicas) a um dos titulares dos mercados de definição iniciais, sem nova abertura de concurso ou, quando muito, por concurso limitado a esses titulares, a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.°, 28.° e 31.° da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO L 134, p. 114).
Quadro jurídico
Legislação comunitária
2. O terceiro considerando da Directiva 2004/18 precisa:
«Tais disposições em matéria de coordenação [comunitária dos procedimentos nacionais de adjudicação dos contratos] devem respeitar, tanto quanto possível, os processos e as práticas administrativas em vigor em cada Estado‑Membro.»
3. O artigo 2.° da referida directiva prevê:
«As entidades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação e agem de forma transparente.»
4. Nos termos do artigo 28.° da mesma directiva:
«Para celebrarem os seus contratos públicos, as entidades adjudicantes aplicam os processos nacionais, adaptados para os efeitos da presente directiva.
Devem celebrar esses contratos públicos recorrendo a concursos públicos ou limitados. Nas circunstâncias específicas expressamente previstas no artigo 29.°, as entidades adjudicantes podem celebrar os seus contratos públicos mediante diálogo concorrencial. Nos casos e nas circunstâncias específicas expressamente previstas nos artigos 30.° e 31.°, podem recorrer a um procedimento por negociação, com ou sem publicação de anúncio de concurso.»
5. O artigo 29.° da Directiva 2004/18, intitulado «Diálogo concorrencial», dispõe:
«1. Em caso de contratos particularmente complexos, os Estados‑Membros podem prever que as entidades adjudicantes, na medida em que considerem que o recurso ao concurso público ou limitado não permite a adjudicação do contrato, possam recorrer ao diálogo concorrencial nos termos do presente artigo.
A adjudicação do contrato público será feita unicamente com base no critério da proposta economicamente mais vantajosa.
2. As entidades adjudicantes publicarão um anúncio de concurso, em que darão a conhecer as suas necessidades e exigências, que definirão nesse mesmo anúncio e/ou numa memória descritiva.
3. As entidades adjudicantes darão início, com os candidatos seleccionados nos termos das disposições pertinentes dos artigos 44.° a 52.°, a um diálogo que terá por objectivo identificar e definir os meios que melhor possam satisfazer as suas necessidades. Durante esse diálogo, poderão debater com os candidatos seleccionados todos os aspectos do contrato.
Durante esse diálogo, as entidades adjudicantes garantirão a igualdade de tratamento de todos os proponentes. Designadamente, não facultarão de forma discriminatória informações que possam dar a um proponente vantagem relativamente a outros.
As entidades adjudicantes não podem revelar aos outros participantes as soluções propostas nem outras informações confidenciais comunicadas por um candidato que participe no diálogo, sem a aprovação deste último.
4. As entidades adjudicantes podem determinar que o procedimento por negociação se desenrole em fases sucessivas por forma a reduzir o número de soluções a debater durante a fase de diálogo e aplicando os critérios de adjudicação indicados no anúncio de concurso ou na memória descritiva. O recurso a esta faculdade deve ser indicado no anúncio de concurso ou na memória descritiva.
5. As entidades adjudicantes prosseguirão esse diálogo até estarem em condições de identificar, se necessário por comparação, a solução ou soluções susceptíveis de satisfazer as suas necessidades.
6. Depois de declararem a conclusão do diálogo e de informarem do facto os participantes, as entidades adjudicantes convidá‑los‑ão a apresentar a sua proposta final com base na ou nas soluções apresentadas e especificadas durante o diálogo. Estas propostas devem conter todos os elementos requeridos e necessários à realização do projecto.
A pedido das entidades adjudicantes, estas propostas podem ser clarificadas, precisadas e ajustadas. Todavia, essas precisões, clarificações, ajustamentos ou complementos não podem alterar elementos fundamentais da proposta ou do concurso cuja variação seja susceptível de distorcer a concorrência ou de ter um efeito discriminatório.
7. As entidades adjudicantes avaliarão as propostas recebidas com base nos critérios de adjudicação fixados no anúncio de concurso ou na memória descritiva e escolherão a proposta economicamente mais vantajosa, nos termos do artigo 53.°
A pedido da entidade adjudicante, pode ser solicitado ao proponente identificado como tendo apresentado a proposta economicamente mais vantajosa que clarifique aspectos da sua proposta ou confirme os compromissos nela constantes, na condição de tal não ter por efeito alterar elementos substanciais da proposta ou do anúncio de concurso, falsear a concorrência ou acarretar discriminações.
8. As entidades adjudicantes podem prever prémios ou pagamentos aos participantes no diálogo.»
6. O artigo 31.° da referida directiva enuncia:
«As entidades adjudicantes podem celebrar contratos públicos recorrendo a um procedimento por negociação, sem publicação prévia de um anúncio, nos seguintes casos:
[...]
3) No caso dos contratos públicos de serviços, quando o contrato em questão venha na sequência de um concurso e deva, de acordo com as regras aplicáveis, ser celebrado com o vencedor ou um dos vencedores desse concurso; neste último caso, todos os vencedores deverão ser convidados a participar nas negociações;
[...]»
7. O artigo 80.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da mesma directiva tem a seguinte redacção:
«Os Estados‑Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente directiva até 31 de Janeiro de 2006 e informar imediatamente a Comissão desse facto.»
Legislação nacional
8. O Código dos Contratos Públicos, na versão decorrente do Decreto n.° 2004‑15, de 7 de Janeiro de 2004 (JORF de 8 de Janeiro de 2004, p. 703), que entrou em vigor em 10 de Janeiro de 2004, previa, no seu artigo 73.°, terceiro parágrafo:
«As prestações subsequentes a vários contratos de definição com o mesmo objecto, adjudicados no termo de um único procedimento e cuja execução seja simultânea, podem ser adjudicadas, sem novo processo de contratação pública, ao autor da proposta escolhida. Nesse caso, o montante das prestações a comparar com os limites mínimos toma em consideração o montante dos estudos de definição e o montante estimado do contrato de execução.»
9. O Código dos Contratos Públicos, na versão adoptada pelo Decreto n.° 2006‑975, que entrou em vigor em 1 de Setembro de 2006, compreende, designadamente, as seguintes disposições:
«Artigo 73.°
Se a entidade adjudicante não puder especificar os objectivos e as prestações a que o contrato deve responder, as técnicas a utilizar e os recursos humanos e materiais exigidos, poderá recorrer a contratos de definição.
O objectivo destes contratos é explorar as possibilidades e condições de celebração posterior de um contrato, se necessário através da elaboração de um modelo ou de um mostrador. Permitem igualmente estimar o nível de preço das prestações e as modalidades da sua determinação, e prever as diferentes fases de execução das prestações.
No âmbito de um procedimento único, as prestações de execução subsequentes a vários contratos de definição com o mesmo objecto e adjudicados simultaneamente serão adjudicadas após abertura de um concurso limitado aos titulares dos contratos de definição, em conformidade com as seguintes disposições:
1.° O anúncio de concurso público define o objecto dos contratos de definição adjudicados simultaneamente e o objecto do contrato de execução posterior;
2.° O anúncio de concurso público define os critérios de selecção das candidaturas. Estes critérios tomam em conta as capacidades e as competências exigidas aos candidatos tanto para os contratos de definição como para o contrato de execução subsequente;
3.° O anúncio de concurso público define os critérios de selecção das propostas dos contratos de definição adjudicados simultaneamente e os critérios de selecção das propostas do contrato de execução subsequente;
4.° O montante das prestações a comparar com os limites mínimos toma em conta o montante dos estudos de definição e o montante estimado do contrato de execução;
5.° O número de contratos de definição adjudicados simultaneamente no âmbito do presente procedimento não pode ser inferior a três, na condição de haver um número suficiente de candidatos.
O contrato ou contrato‑quadro é adjudicado pela comissão de concursos no que respeita às autarquias locais ou regionais, ou após parecer da comissão de concursos no que respeita ao Estado, aos estabelecimentos públicos de saúde e aos estabelecimentos públicos sociais ou médico‑sociais.
Artigo 74.°
[...]
IV. No âmbito de um procedimento único, o contrato ou o contrato‑quadro de gestão de obra subsequente a vários contratos de definição com o mesmo objecto e adjudicados simultaneamente pode ser adjudicado após reabertura do concurso limitado aos titulares dos contratos de definição, nas condições previstas no terceiro parágrafo do artigo 73.°
[...]»
Procedimento pré‑contencioso
10. Por carta de 18 de Outubro de 2004, a Comissão enviou à República Francesa uma primeira notificação para cumprir relativa aos artigos 73.° e 74.°‑III do Código dos Contratos Públicos, na versão decorrente do Decreto n.° 2004‑15. Tendo estas disposições sido alteradas pelo Decreto n.° 2006‑975, a Comissão enviou, em 15 de Dezembro de 2006, uma notificação adicional ao referido Estado‑Membro.
11. Não tendo ficado satisfeita com as respostas recebidas, a Comissão enviou, em 29 de Junho de 2007, um parecer fundamentado à República Francesa, ordenando‑lhe que adoptasse as medidas impostas para dar cumprimento àquele parecer, no prazo de dois meses a contar da sua recepção.
12. Considerando que as respostas do referido Estado‑Membro ao parecer fundamentado não eram suficientes, a Comissão decidiu intentar a presente acção.
Quanto à acção
Argumentos das partes
13. A Comissão alega que os artigos 73.° e 74.°‑IV do Código dos Contratos Públicos, na versão adoptada pelo Decreto n.° 2006‑975, permitem que uma entidade adjudicante adjudique um contrato de execução (de serviços, de fornecimentos ou de empreitadas de obras públicas) a um dos titulares dos contratos de definição iniciais, sem abertura de novo concurso ou, quando muito, por concurso limitado a esses titulares, quando estejam preenchidos os requisitos previstos no terceiro parágrafo do referido artigo 73.° Estes artigos do Código dos Contratos Públicos violam as disposições da Directiva 2004/18 por permitirem a adjudicação de um contrato por ajuste directo, ou por concurso limitado, em casos que não estão previstos nesta directiva.
14. A Comissão afirma que os contratos de definição previstos nas referidas disposições nacionais não permitem, regra geral, que se determine com precisão suficiente, desde o momento inicial, o objecto do contrato de execução, nem os critérios de selecção dos proponentes, nem os da adjudicação do contrato em causa. Por conseguinte, o procedimento dos contratos de definição, nos termos resultantes destas disposições, contraria o princípio da transparência previsto no artigo 2.° da referida directiva. Este procedimento cria uma situação de incerteza jurídica tanto para as entidades adjudicantes como para os operadores.
15. Segundo a Comissão, o procedimento dos contratos de definição não consubstancia um diálogo concorrencial nem um acordo‑quadro, na acepção dos artigos 29.° e 32.° da Directiva 2004/18. Este procedimento também não constitui um concurso que permite, em determinadas condições, adjudicar por ajuste directo o respectivo contrato de serviços, em conformidade com o disposto no artigo 31.°, n.° 3, da mesma directiva.
16. A República Francesa alega que as disposições nacionais em causa não são incompatíveis com os artigos 2.°, 28.° ou 31.° da Directiva 2004/18. Esta constitui uma directiva de coordenação que não estabelece uma regulamentação comunitária uniforme e exaustiva. Por conseguinte, o facto de, na adjudicação dos contratos de execução, se poder limitar a concorrência é compatível com esta directiva. O procedimento dos contratos de definição respeita os princípios em matéria de direito de estabelecimento e de livre prestação de serviços consagrados pelo Tratado CE e retomados no artigo 2.° da referida directiva, uma vez que os Estados‑Membros são livres de manterem ou de promulgarem regras substantivas e processuais em matéria de contratos públicos.
17. A República Francesa afirma que é possível definir o objecto e os critérios do posterior contrato de execução, a partir do momento em que é iniciado o procedimento de adjudicação dos contratos de definição. Com efeito, há muitas situações, como as de determinados contratos de planeamento urbano, em que o objecto e os critérios de adjudicação do contrato de execução são suficientemente independentes dos contratos de definição, para poderem ser bem definidos a partir da fase inicial destes últimos.
18. A República Francesa acrescenta que a Directiva 2004/18 prevê dois procedimentos cujas características são análogas às do procedimento dos contratos de definição previsto no Código dos Contratos Públicos, na versão adoptada no Decreto n.° 2006‑975, a saber, o acordo‑quadro e o diálogo concorrencial. Por meio destes dois procedimentos, o próprio legislador comunitário criou procedimentos complexos nos quais a abertura dos concursos é efectuada em duas fases. Na medida em que esta directiva não estabelece uma regulamentação comunitária uniforme e exaustiva, o legislador nacional também pode instituir disposições especiais que prevejam a abertura de concursos em duas fases, desde que essas disposições respeitem o princípio da transparência previsto no artigo 2.° da referida directiva.
19. Caso o Tribunal de Justiça venha a considerar que a regulamentação estabelecida pela referida directiva é exaustiva, a República Francesa sustenta, a título subsidiário, que o procedimento dos contratos de definição previsto no Código dos Contratos Públicos pode ser analisado como uma derivação do procedimento de diálogo concorrencial.
Apreciação do Tribunal de Justiça
20. Com os seus pedidos, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que declare que a República Francesa, tendo adoptado e mantido em vigor os artigos 73.° e 74.°‑IV do Código dos Contratos Públicos adoptado pelo Decreto n.° 2006‑975, na parte em que estas disposições prevêem um procedimento de contratos de definição que permite que uma entidade adjudicante adjudique um contrato de execução a um dos titulares dos contratos de definição iniciais, «sem nova abertura de concurso» ou, quando muito, através de um concurso limitado apenas a esses titulares, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto nos artigos 2.°, 28.° e 31.° da Directiva 2004/18.
21. Há que analisar o alegado incumprimento do artigo 31.° da referida directiva. Este incumprimento decorre, segundo a Comissão, do facto de o procedimento dos contratos de definição permitir que um contrato seja adjudicado por ajuste directo, em circunstâncias não previstas no n.° 3 do mesmo artigo.
22. A este respeito, decorre de jurisprudência assente que a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro, tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado (v., nomeadamente, acórdãos de 7 de Março de 2002, Comissão/Grécia, C‑64/01, Colect., p. I‑2523, n.° 7, e de 6 de Dezembro de 2007, Comissão/Alemanha, C‑456/05, Colect., p. I‑10517, n.° 15).
23. Ora, é facto assente que a versão do artigo 73.° do Código dos Contratos Públicos, que resultava do Decreto n.° 2004‑15 e que permitia a adjudicação dos contratos de execução «sem nova abertura de concurso», já não estava em vigor no termo do prazo de dois meses fixado no parecer fundamentado. Nesse momento, aquela versão do referido artigo 73.° tinha sido substituída por uma nova versão prevista no Decreto n.° 2006‑975.
24. Decorre da redacção do artigo 73.°, terceiro parágrafo, do Código dos Contratos Públicos, na versão adoptada no Decreto n.° 2006‑975, que os contratos de execução só são adjudicados «após abertura de um concurso limitado aos titulares dos contratos de definição». No termo do prazo fixado no parecer fundamentado, a adjudicação dos contratos de execução não era, por conseguinte, feita através de procedimento por negociação, na acepção do artigo 31.°, n.° 3, da Directiva 2004/18.
25. Por conseguinte, há que julgar improcedente a acção da Comissão, na parte em que pede ao Tribunal de Justiça que declare que o procedimento dos contratos de definição permite que uma entidade adjudicante adjudique a um dos titulares dos contratos de definição um contrato de execução, «sem nova abertura de concurso», e que seja declarado o incumprimento do artigo 31.° da referida directiva.
26. No entanto, a acção não fica desprovida de objecto, porquanto a Comissão acusa a República Francesa de não ter cumprido os artigos 2.° e 28.° da Directiva 2004/18, ao adoptar e manter em vigor os artigos 73.° e 74.°‑IV do Código dos Contratos Públicos adoptado pelo Decreto n.° 2006‑975, na medida em que estas disposições prevêem um procedimento de contratos de definição que permite que uma entidade adjudicante adjudique um contrato de execução a um dos titulares dos contratos de definição iniciais, por meio da abertura de um concurso limitado a esses titulares.
27. Na sua contestação, a República Francesa sustenta que a Directiva 2004/18 constitui apenas uma directiva de coordenação, que deixa aos Estados‑Membros a liberdade de manter ou promulgar regras em matéria de contratos públicos, para além das previstas nessa directiva.
28. Esta argumentação não procede. Embora seja verdade que a Directiva 2004/18 não visa estabelecer uma harmonização completa do regime dos contratos públicos nos Estados‑Membros, não é menos certo que os procedimentos de adjudicação dos contratos que os Estados‑Membros estão autorizados a utilizar estão enumerados de forma taxativa no artigo 28.° daquela directiva.
29. Com efeito, segundo o referido artigo 28.°, as entidades adjudicantes estão obrigadas a celebrar os seus contratos públicos, recorrendo a concursos públicos ou limitados ou, nas circunstâncias específicas expressamente previstas no artigo 29.° da Directiva 2004/18, ao diálogo concorrencial, ou ainda, nas circunstâncias específicas expressamente previstas nos artigos 30.° e 31.° desta, a um procedimento por negociação. Esta directiva não autoriza a adjudicação de contratos públicos através de outros procedimentos.
30. Não se pode inferir uma conclusão diferente do acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 1987, CEI e Bellini (27/86 a 29/86, Colect., p. 3347).
31. É certo que, na primeira frase do n.° 15 do referido acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que a Directiva 71/305/CEE do Conselho, de 26 de Julho de 1971, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 185, p. 5; EE 17 F3 p. 9), não estabelecia uma regulamentação comunitária uniforme e exaustiva. No entanto, na frase seguinte do mesmo n.° 15, o Tribunal de Justiça precisou que, embora os Estados‑Membros permanecessem livres para manter ou promulgar normas substantivas ou processuais em matéria de contratos públicos, deviam fazê‑lo no âmbito das regras comuns que a referida directiva continha.
32. Além disso, no n.° 17 do mesmo acórdão CEI e Bellini, já referido, o Tribunal de Justiça sublinhou que se pronunciava à luz da fase de harmonização atingida pelo direito comunitário na data da prolação do seu acórdão. Ora, o artigo 28.°, segundo parágrafo, da Directiva 2004/18, que não tinha equivalente na Directiva 71/305, enumera de forma precisa os procedimentos a que as entidades adjudicantes podem recorrer para adjudicarem os seus concursos.
33. Daqui decorre que, no âmbito das regras comuns actualmente em vigor, os Estados‑Membros já não têm liberdade para adoptar procedimentos de adjudicação, além dos enumerados na Directiva 2004/18.
34. Por conseguinte, devem ser afastados os argumentos que a República Francesa extrai da alegada possibilidade de um Estado‑Membro adoptar procedimentos de adjudicação de concursos não previstos na referida directiva, mas que revestem características análogas às de determinados procedimentos nela mencionados.
35. Pelo contrário, há que analisar a argumentação, invocada pela República Francesa a título subsidiário, segundo a qual o procedimento dos contratos de definição previsto no Código dos Contratos Públicos tal como adoptado pelo Decreto n.° 2006‑975 constitui uma forma de implementação do procedimento de diálogo concorrencial previsto no artigo 29.° da Directiva 2004/18.
36. Não se pode deixar de reconhecer que existe uma certa proximidade entre os objectivos prosseguidos pelo procedimento de diálogo concorrencial e os do procedimento dos contratos de definição. Estes dois procedimentos foram concebidos para permitir que a entidade adjudicante defina, num primeiro momento, o objecto específico de um concurso e os meios técnicos para a sua realização.
37. No entanto, existe uma diferença fundamental entre estes dois procedimentos. Reside no facto de o diálogo concorrencial ser um procedimento de adjudicação de um único e mesmo contrato, ao passo que o procedimento dos contratos de definição visa a adjudicação de vários contratos de natureza diferente, a saber, os contratos de definição, por um lado, e o ou os contratos de execução, por outro.
38. Esta diferença exclui, por si só, que o procedimento dos contratos de definição possa ser interpretado como uma forma de implementação do procedimento de diálogo concorrencial.
39. Por outro lado, a Comissão alega o incumprimento do artigo 2.° da Directiva 2004/18, que prevê que as entidades adjudicantes tratem os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação e ajam de forma transparente.
40. A este respeito, há que salientar que o procedimento dos contratos de definição previsto no Código dos Contratos Públicos tal como adoptado pelo Decreto n.° 2006‑975 tem por objecto a adjudicação de dois tipos de contratos, a saber, os contratos de definição e os contratos de execução, sendo estes últimos adjudicados após uma abertura de concurso limitada apenas aos titulares dos primeiros. Por este motivo, os operadores económicos que pudessem estar interessados em participar nos contratos de execução, mas que não são titulares de um dos contratos de definição, são tratados de forma discriminatória relativamente àqueles titulares, o que contraria o princípio da igualdade enunciado como princípio da adjudicação dos contratos no artigo 2.° da referida directiva.
41. Por outro lado, tanto o princípio da igualdade de tratamento como a obrigação de agir de forma transparente dele decorrente exigem que o objecto de cada contrato e que os critérios da sua adjudicação sejam definidos de forma clara (v., neste sentido, acórdão de 14 de Outubro de 2004, Comissão/França, C‑340/02, Colect., p. I‑9845, n.° 34).
42. A República Francesa apresentou alguns exemplos de procedimentos de contratos de definição, nos quais, em sua opinião, o objecto do contrato de execução foi definido com uma determinada precisão, logo a partir do momento em que se iniciou o procedimento de adjudicação dos contratos de definição.
43. No entanto, os contratos de definição e os contratos de execução têm, por natureza, objectos diferentes, a saber, por um lado, um trabalho de estudo, de concepção e de especificação das necessidades da entidade adjudicante e, por outro, a prestação efectiva dos fornecimentos ou dos serviços, ou a realização de obras públicas previamente definidas. Ora, as disposições nacionais criticadas não permitem garantir que, em todos os casos, o objecto e os critérios de adjudicação tanto dos contratos de definição como do contrato de execução possam ser definidos desde o início do procedimento.
44. Decorre do exposto que o procedimento dos contratos de definição previsto nos artigos 73.° e 74.°‑IV do Código dos Contratos Públicos tal como adoptado pelo Decreto n.° 2006‑975 não é conforme com o artigo 2.° da Directiva 2004/18.
45. Por conseguinte, há que declarar que a República Francesa, ao ter adoptado e mantido em vigor os artigos 73.° e 74.°‑IV do Código dos Contratos Públicos adoptado pelo Decreto n.° 2006‑975, de 1 de Agosto de 2006, na parte em que estas disposições prevêem um procedimento de contratos de definição que permite que uma entidade adjudicante adjudique um contrato de execução (de serviços, de fornecimentos ou de empreitadas de obras públicas) a um dos titulares dos contratos de definição iniciais, através da abertura de um concurso limitado a esses titulares, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto nos artigos 2.° e 28.° da Directiva 2004/18.
Quanto às despesas
46. Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Francesa e tendo esta sido vencida na maioria dos seus fundamentos, há que condená‑la nas despesas.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:
1) A República Francesa, ao ter adoptado e mantido em vigor os artigos 73.° e 74.°‑IV do Código dos Contratos Públicos adoptado pelo Decreto n.° 2006‑975, de 1 de Agosto de 2006, na parte em que estas disposições prevêem um procedimento de contratos de definição que permite que uma entidade adjudicante adjudique um contrato de execução (de serviços, de fornecimentos ou de empreitadas de obras públicas) a um dos titulares dos mercados de definição iniciais, através da abertura de um concurso limitado a esses titulares, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do disposto nos artigos 2.° e 28.° da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços.
2) A acção é julgada improcedente quanto ao restante.
3) A República Francesa é condenada nas despesas.
Assinaturas
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(*) Língua do processo: francês.